Em uma nova tentativa, a IN obriga a certificação dos estabelecimentos, tanto públicos como privados, que armazenam. A proposta é modernizar o setor, evitar perdas e melhorar a qualidade dos grãos.
A cada ano o Brasil está aumentando sua produção de grãos. Nesta safra, deve atingir mais de 185 milhões de toneladas, um crescimento aproximadamente de 10,5%, sobre a produtividade obtida em 2011/2012. E, para atender a essa demanda, precisa estruturar sua rede de armazenagem, que hoje atinge uma capacidade estática de 143,5 milhões de toneladas. Em uma análise preliminar, o déficit é de 42 milhões de toneladas, ou seja, grãos que não podem ser armazenados, segundo dados do Ministério da Agricultura (Mapa). E quanto maior a safra, maior a encrenca.
Outro grande problema é que a qualidade e a localização dos armazéns refletem igualmente no escoamento dos grãos. Para amenizar a situação, o governo sinalizou uma saída. Em março deste ano, o Mapa colocou em vigor a denominada instrução normativa (IN) n°41, de 29 de maio de 2000 – com base na Lei de Armazenagem 9.973 – que tornou obrigatória a certificação das unidades armazenadoras. “Objetivamente, estabeleceu um prazo final para que todas as prestadoras de serviços remunerados de armazenagem cumpram a certificação até 2017”, diz o engenheiro agrícola, Ricardo Pires Thomé, coordenador geral de Infraestrutura Rural e Logística da Produção do Mapa.
Pela IN, os armazéns deverão conter equipamentos de aeração que controlam a umidade e temperatura dos grãos, sistemas de higienização e melhoria das condições estruturais da armazenagem. Com a normativa em vigor, as unidades armazenadoras que não estejam certificadas em ambiente natural ficam impedidas de prestar serviços de armazenagem de estoques governamentais ou receber produtos de operações realizadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Como não tem capacidade de armazenar todo o estoque público, a entidade compra espaço de terceiros.
Especialistas apontam que há anos havia uma necessidade de se manter um padrão mínimo neste setor. Para o representante do Mapa, a implementação do sistema de certificação é fator essencial para a modernização do segmento armazenador. “Outro destaque é que a ela induz à redução de custos, gera qualidade e produtividade, além de agregar valor aos produtos e serviços prestados aos usuários do armazenamento e, permite a rastreabilidade dos produtos armazenados”, diz Thomé.
De acordo com o professor Moacir Cardoso Elias, da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)/RS – que fez parte do grupo de trabalho, com representantes da iniciativa privada e pública envolvidos com o setor armazenador, para os requisitos técnicos para certificação — a IN profissionaliza o setor, ao exigir a figura de um responsável técnico. A fiscalização será realizada pelo Mapa, por meio dos Fiscais Federais Agropecuários treinados para exercerem tal função. Já as unidades deverão ser certificadas por meio de empresas creditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). “Os estabelecimentos precisarão dispor de responsáveis técnicos, além de monitorar as micotoxinas e resíduos tóxicos”, afirma Elias.
Para o técnico agrícola Otávio de Souza Matos, gerente operacional da Qualygran, distribuidor Cycloar, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o resultado de uma má armazenagem são grãos avariados, contaminados com insetos, fungos e com agrotóxicos. “Neste contexto, estamos expostos às restrições sanitárias, pela indústria, que paga menos ou até mesmo rejeita a matéria-prima e pelo mercado externo, que não podendo valer-se tanto de barreiras alfandegárias, utiliza-se das barreiras sanitárias para pressionar os preços para baixo”, diz. “É importante que haja o cuidado na produção com o mesmo empenho em que se teve para produzi-la. As perdas recorrentes no mau armazenamento chegam entre 2% a 10%. O que poderia se transformar em renda para o agricultor, para o governo”, conta.
Matos afirma que ainda não temos capacidade de armazenamento adequado para o nível em o País produz. “Se o produtor investir em armazenagem terá economia de frete e ‘janelas’ melhor para a comercialização de seus produtos”, garante.
E a mesma opinião de Olivier Colas, vice-presidente da empresa Kepler Weber, especializada no segmento de armazenagem de grãos. “Se você não estocar boa parte da produção, ela é perdida. Hoje, o produtor tem uma ótima reação do mercado, mas de novo, são os grandes players e não é o pequeno e ou o médio agricultor”, afirma Colas. Ele descreve que atualmente o sistema de armazenamento está mais desenvolvido no Rio Grande do Sul e no Paraná, Estados que possuem maior tradição agrícola do País. “Vimos que há um maior atraso nas Regiões do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a nova fronteira está aquém das capacidades necessárias”.
Outra questão, segundo Matos, é que além de ser insuficiente a capacidade de armazenagem, são poucas as novas unidades, já que o parque armazenador brasileiro tem pelo menos 30 anos de existência. “Atualmente, as máquinas agrícolas, os implementos e as sementes que estão no campo são de alta tecnologia. Porém, as unidades armazenadoras não avançaram na mesma proporção. O mercado de pós-colheita é um segmento interessante e que pode crescer 30%”, afirma.
Sem dúvida, um dos enormes gargalos da cadeira produtiva atualmente é a pós-colheita. “Hoje, com as culturas de verão. Com a safra e safrinha, as colheitas estão quase simultâneas. Na Região Sul, por exemplo, estamos no final da colheita da soja e ainda não desocupamos os armazéns com o arroz. Em algumas regiões, já vamos colher o milho. Quem sabe a IN não seja a oportunidade para modernizar e suprir a demanda do setor”, conclui o professor da UFPel (RS).
Além da certificação, está o déficit
Márcio Vinícius Ribeiro de Moraes, diretor da OCP Pantanal Certificadora, diz que a exigência da IN, postergada por várias vezes pelo setor, mostra que o governo está preocupado. “As regras são irrevogáveis. Os empresários e produtores rurais que se conscientizarem logo vão colher os ‘frutos’ em um curto prazo. Entretanto, não podemos esquecer a questão da falta de armazém no País”, afirma.
Na opinião de Paulo Trotta, diretor da Real Máquinas, indústria metalúrgica produtora de equipamentos agrícolas e industriais, especializada no setor de pós-colheita, é necessário desenvolver novas políticas de financiamento no pós-colheita voltada para a construção de novos armazéns. “Nos últimos anos, existiram incentivos com linhas de financiamentos. Enquanto elas não chegam restam para os pequenos, venderem logo o produto com menor preço, pois não há local para armazenar”, conta.
O setor de máquinas e implementos agrícolas tem as linhas de crédito oferecidas pelo governo ao agricultor. No caso dos sistemas de armazenagem, principalmente, há pelo menos dez linhas de crédito oficial para financiar unidades armazenadoras, mas apenas seis são direcionadas aos agricultores. O mais conhecido é o Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem (Moderinfra), com juros de 6,75% ao ano e 12 anos para o pagamento.
A proposta do governo é dobrar a capacidade de armazenamento por meio do Plano Safra, financiamento para estocagem na safra 2013/14, que será anunciado no fim de maio ou início de junho. Recentemente, durante a Agrishow 2013, o ministro da Agricultura, Antônio Andrade adiantou a criação do Plano Nacional de Armazenagem. Segundo ele, haverá mais recursos com juros mais baixos, prazos de pagamento maiores e carência ampliada.
No Brasil, o total de unidades armazenadoras é de 17,5 mil, com capacidade para 148 milhões de toneladas, sendo que pouco mais de 430 estão certificadas atualmente, de acordo com dados da Conab. A grande maioria dos armazéns já regularizados encontra-se no Rio Grande do Sul, com um total de 126 unidades. Para o representante do Mapa, o cumprimento da legislação coloca o Brasil como o único país do mundo que possui sistema de Certificação de Unidades Armazenadoras, um processo inédito no sistema de armazenagem dos países produtores de grãos do mundo. Daí, o pontapé inicial do governo.
Prazos que se estenderam
O último prazo determinado pela IN 41, que trata sobre os requisitos para certificação, era até 31 de dezembro de 2012, mas como o novo sistema de cadastro e consulta das unidades armazenadoras certificadas só ficaria pronto no dia 25 de março de 2013, coube ao Mapa, estender o prazo. Entretanto, não é de hoje que o prazo da IN 41 se estica. Em janeiro de 2009, a legislação federal já obrigava a certificação desses estabelecimentos. “No ano passado, ficou estabelecido que 15% da capacidade estática deveria ser certificada, seguindo critérios do Mapa. Em 2013, o percentual a ser cumprido sobe para 30% e aumentará mais 15% ano a ano até 2016, quando finalmente os 25% restantes devem ser completados no ano posterior, ou seja, 100% da capacidade estática deverá estar certificada”, diz Thomé.