Testes com uma planta-modelo, Arabidopsis thaliana (uma parente da mostarda), já comprovaram que a inserção do gene a tornou mais tolerante a falta de água. A pesquisa mostrou que a planta geneticamente modificada sobreviveu por 40 dias sem água, ao passo que a espécie em si resistiu apenas a 15 dias.
O estudo poderá reverter o quadro de pesquisas no campo da transgenia por parte de instituições do governo federal, em especial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Recentemente a Embrapa Arroz e Feijão, localizada em Santo Antônio de Goiás (GO), e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília (DF), lançaram uma variedade transgênica de feijão resistente ao vírus do mosaico dourado. Outro trabalho em transgenia bem sucedido foi feito em parceria com a Basf e a Embrapa Soja, situada em Londrina (PR), no desenvolvimento de uma variedade da oleaginosa com resistência a herbicidas a base do grupo químico imidazolinonas.
Agora o estudo é da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, que financiou a pesquisa meio a meio com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Também participam desse trabalho pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Embrapa Arroz e Feijão e da Embrapa Trigo, em Passo Fundo (RS). Com essa nova tecnologia, totalmente encabeçada por instituições públicas, a proposta será justamente aumentar o espaço do governo na área desenvolvimento e pesquisa na área de biotecnologia no País, além de garantir aos produtores novas opções por um custo mais baixo – o que poderá dinamizar o setor produtivo nacional.
“O próximo passo agora será trabalhar especificamente as culturas alvo para conferir a característica de resistência hídrica”, diz o coordenador do estudo e pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Eduardo Romano. “Entre elas estão as culturas de cana-de-açúcar, soja, algodão, arroz e trigo. Nossa perspectiva é que até 2017 possamos lançar no mercado variedades transgênicas com resistência a seca”.
Ciclo curto
Pelo fato de Arabidopsis thaliana possuir um ciclo de vida muito curto – por volta de três meses – foi possível descobrir mais rapidamente a funcionalidade do gene numa planta que não possui naturalmente essa estrutura em seu próprio código genético. “Introduzimos o gene na planta, e pudemos perceber que ele foi realmente fixado na geração seguinte da espécie geneticamente modificada. O uso de Arabidopsis thaliana no estudo tornou mais fácil o resultado. Conseguimos, por exemplo, acompanhar mais de uma geração dela, confirmando a presença do gene. Uma vez que o gene é incorporado ao genoma da planta, todas as sementes provenientes daquela planta, que recebeu o gene, possuirão o transgene (gene de tolerância ao estresse hídrico) e, portanto, todas as plantas provenientes destas sementes terão o gene e a característica de tolerância ao estresse hídrico”, ressalta Romano.
Outro fator positivo no uso dessa espécie em questão foi até pelo fato dela ser pequena, uma característica que facilitava mais o trabalho do acompanhamento dos testes que puderam ser feitos em casas de vegetação (estufas), com um mínimo de espaço e esforço.
Questão de resistência
O caminho da pesquisa, que também observa o comportamento da planta, revelou que o gene, além de conferir a propriedade de resistência a períodos mais prolongados sem água, também atua na necessidade de menos água consumida pela variedade transgênica. No entanto, de acordo com o pesquisador, esses mecanismos que conferem esta característica ainda estão sendo estudados. “Já sabemos, por exemplo, que as plantas que receberam o gene conseguem combater os efeitos secundários da seca, que podem matá-las. Quando plantas normais passam por períodos com pouca disponibilidade de água, são geradas moléculas como radicais livres, que afetam as células, as proteínas e o DNA, e que, consequentemente, levam a planta a morrer ou reduzir a produtividade. Já conseguimos demonstrar que as plantas-modelo que receberam o gene conseguiram evitar estes processos e sobreviveram aos períodos de privação hídrica”.
Pelo que se acredita, quando essa tecnologia estiver aplicada as lavouras alvo, as plantas transgênicas, quando comparadas às convencionais, conseguirão manter a produtividade em períodos de estiagem. Enquanto que as variedades convencionais, sob essas mesmas condições, morreriam ou teriam a produtividade reduzida.
No início, o café
O Projeto Genoma Café foi iniciado em 2002 por pesquisadores da Embrapa Café, em Brasília (DF), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de instituições participantes do Consórcio Pesquisa Café. Por ele foram desvendadas mais de 200 mil sequências de cDNA e identificou cerca de 30 mil genes da planta – destes, saiu o gene que serviu de estudo para a resistência hídrica.
Grande parte das sequências obtidas foi depositada em um banco de dados internacional de informações biotecnológicas, o National Center for Biotechnology Information (NCBI) (www.ncbi.nlm.nih.gov/), que tem permitido o acesso a elas.
Nesse banco de dados foram disponibilizadas as sequências dos genes que foram expressos – EST (Expressed Sequence Tags) – nos tecidos retirados do café nas suas fases de desenvolvimento ou no momento em que esses tecidos respondiam aos estresses bióticos ou abióticos. Por meio desses genes EST é possível remontar a molécula de RNA, ou seja, a cópia do DNA (cDNA) da planta que se expressa no momento dos estresses. |