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As responsáveis pelo plantio direto
rev 175 - setembro 2012

Foi a partir de maquinários e implementos agrícolas que foi possível se estabelecer no Brasil uma das técnicas que revolucionou a forma de se produzir alimentos – a técnica do plantio direto na palha.

No início, estavam lá elas. Equipamentos motrizes, adaptados e, muitas vezes, construídos em barracões que se constituíam em verdadeiras oficinas mecânicas nas fazendas. Eram as plantadeiras e semeadeiras as ferramentas capazes de garantir a maior eficiência do sistema de plantio direto na palha (SPD). Isso porque essas máquinas poderiam atravessar os campos, passando por cima dos restos culturais deixados pela lavoura anterior, ao fazer com que as sementes da próxima plantação fossem depositadas no solo.

Essa foi basicamente a vida de dois personagens – Herbert Arnold Bartz, produtor de grãos de Rolândia (PR), e Franke Djikstra, de Carambeí (PR). Ambos tinham de lidar tanto com as atividades comuns do campo como também se dedicar à área de mecânica. “Tínhamos de ser criativos e colocar nossas ideias em prática, pois nenhuma das máquinas daquela época ainda estavam preparadas para trabalhar sobre a palhada”, lembra Bartz.

O SPD foi extremamente necessário lá pelos idos de 1960 a 1970 no País – os solos já davam sinais de desgaste em função do plantio convencional, apresentando-se fracos e muito suscetíveis a erosões. De acordo com o trabalho “Sistema plantio direto no Sul do Brasil: fatores que promoveram a evolução do sistema e desenvolvimento de máquinas agrícolas”, de 2008, dos pesquisadores Ruy Casão Junior, Augusto Guilherme de Araújo e Rafael Fuentes Llanillo, o primeiro registro de introdução da técnica ocorreu em 1969, quando os professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Newton Martins e Luiz Fernando Coelho de Souza, semearam experimentalmente no Posto Agropecuário do Ministério da Agricultura, em Não-me-toque (RS), um hectare de sorgo sem o preparo prévio e sobre os resíduos da cultura antecedente. A experiência não teve continuidade pelo fato da semeadora, importada dos Estados Unidos, ter sido destruída acidentalmente em um incêndio.

Naquela época, mais precisamente oito anos antes, um herbicida de contato já estava disposto no mercado e que influenciava o avanço do SPD. Tratava-se do Paraquat, da Imperial Chemical Industries (ICI), atual Syngenta. A empresa fez alguns testes em campos experimentais, em 1971. Mas, a prática foi efetivamente implantada numa unidade de produção no Brasil em 1972, por Bartz, depois de algumas visitas a campos experimentais na Inglaterra e nos Estados Unidos. Logo depois, Djikstra passaria a congregar o grupo de SPD, além de estar entre os fundadores da Fundação ABC de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, criada em 23 de outubro de 1984. A entidade serviria como uma espécie de órgão de assistência e divulgação das técnicas agropecuárias, em especial, do plantio direto. “Nosso solo estava cada vez mais comprometido com pela degradação e a erosão levava cada vez mais terra”, conta Djikstra. “Então, naquela época, eu não estava vendo mais futuro no negócio em que eu estava explorando. Cogitei até em me mudar para o Estado de Mato Grosso, onde havia solos mais planos, ou mesmo, inventar outra atividade, ou florestar a minha área. Depois disso comecei os experimentos com o plantio direto, a partir dos resultados que já vinham sendo obtidos no País”.

Professores pardais

Bartz detinha naquele tempo cerca de 180 hectares (ha) próprios e mais 300 ha arrendados. Sua produção estava voltada às lavouras de soja, no verão, e trigo e milho no inverno. A partir de uma análise minuciosa das plantadeiras que havia no mercado e as necessidades para a aplicação em SPD, o produtor ajudou a desenvolver o disco duplo desencontrado, para as semeadoras. A novidade foi um grande avanço na década de 1980. Os discos com diâmetros entre 40 centímetros (cm) a 50 cm do equipamento conseguiam penetrar na matéria orgânica sem muita aderência de solo, pois tinham um efeito autolimpante. Essas peças começaram a funcionar melhor quando foram adicionados a elas limpadores flexíveis e retirado o para-lama, onde havia aderência de solo e embuchamento.

Djikstra também possuía a mesma veia criativa e fazia as adaptações necessárias nos maquinários. “Pegamos uma semeadora e tivemos de dar ‘mais peso’ a elas para que pudessem chegar ao solo – tínhamos de ser, além de produtores, mecânicos, para poder por nossas próprias ideias em prática”, destaca o produtor.

Ele também produzia soja e trigo, posteriormente, outras culturas foram sendo adicionadas como o milho, o feijão, a cevada, a aveia preta e o nabo forrageiro. Dessas espécies eram programadas as rotações para compor o sistema produtivo, e a maior preocupação em depositar mais matéria orgânica no solo, num processo que procurava haver o mínimo de movimentação da terra. “Naquela época, estabelecíamos então uma agricultura sustentável, pois além de garantir a saúde do solo, não havia mais as emissões de gás carbônico em função do revolvimento da terra, o que ocorria com plantio convencional”, ressalta Djikstra.

A evolução das máquinas

Bartz diz que naquele início havia muita troca de informações entre produtores e a própria indústria de máquinas nacionais. “Nessa interação de produtores e inventores, muitos conceitos eram levados até as montadoras para o desenvolvimento das máquinas. Lembro-me de um equipamento que eu mesmo desenvolvi. Um pulverizador autopropelido de jato dirigido que conseguia acompanhar as diferenças do terreno. Uma empresa copiou o meu conceito e o equipamento tornou-se um dos campeões de venda, isso no final dos anos de 1970 e início de 1980”.

A partir das décadas de 1980 e 1990 que as indústrias e a pesquisa e extensão rural se debruçaram sobre o desenvolvimento de máquinas adequadas para cada região. “Na época não havia certeza do que era necessário para uma máquina de plantio direto, e as pesquisas foram revelando necessidades e aprimorando os equipamentos”, acrescenta Ruy Casão Junior, pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), em Londrina (PR).

As primeiras máquinas eram de fluxo contínuo, para culturas de inverno. Os produtores pioneiros que desejavam realizar o plantio direto também das culturas de verão tinham de adaptar os equipamentos. “O desafio desta época era desenvolver máquinas para as culturas de verão, as plantadeiras de precisão. As que existiam não trabalhavam bem em solos argilosos, embuchavam, as ondulações do terreno prejudicavam e devido à estrutura frágil, quebravam com facilidade”, conta o pesquisador.

Em meados de 1990 as plantadeiras já eram capazes de trabalhar em solos mais férteis, com textura argilosa, graças a uma estrutura reforçada, capaz de suportar solos compactos. “Ao mesmo tempo surgiram sistemas de distribuição de sementes aperfeiçoados, como o de distribuição pneumático”, lembra Casão Junior. “Os dosadores de discos também foram aperfeiçoados, passaram a ser usados dosadores de fertilizante do tipo rosca-sem-fim, que foi incorporado por todos os fabricantes e é usado até hoje. Além disso, o uso do plástico tornou as máquinas mais duradouras”.

Os fabricantes melhoraram também o dimensionamento estrutural das máquinas, que passaram a ser mais resistentes. Houve aperfeiçoamento também na regulagem e distribuição de fertilizantes, semente, profundidade da semente, corte da vegetação entre outros componentes. A concorrência criada entre as indústrias estimulou o aprimoramento da semeadura de fluxo contínuo e de culturas múltiplas (inverno/verão).

A indústria investiu em tecnologias e na produção de máquinas capazes de atender às necessidades do País inteiro. No início da década de 1990, as máquinas tinham um porte médio de sete a nove linhas de soja. Atualmente é comum encontrar máquinas com 17 a 29 linhas, as quais o Brasil exporta para diversos países. “Nossas máquinas são consideradas as melhores e mais baratas do sistema internacional de plantio direto”, afirma Casão Júnior.

O salto em produtividade

Pelas estimativas, em 1992, a área de plantio direto no Brasil era de um milhão de hectares. Atualmente esse número é de 32 milhões de hectares. Mundialmente, são cultivados cerca de 125 milhões de hectares sob esse mesmo sistema. Os reflexos disso são vistos nas experiências dos próprios pioneiros do SPD aqui no País. Djikstra, por exemplo, saiu de uma produção de soja que girava numa média de 2.300 quilos por hectare (kg/ha) a 2.600 kg/ha para uma média de quatro mil kg/ha. O milho saíra de 4.500 kg/ha e podia variar até 12 mil kg/ha.

Além disso, eram visíveis as melhorias no solo, em sua estruturação, retenção de matéria orgânica e resposta positiva com o estabelecimento das culturas. A ideia, de acordo com Djikstra, foi tão bem aceita na região, porque os produtores já não tinham mais condições de continuar trabalhando da forma como estavam. “A saída era a sobrevivência. Muitos viam o desenvolvimento da técnica e o resultado no campo, logo passaram a fazer o mesmo”, declara o produtor.

No entanto a trajetória do SPD foi longa, cerca de uns 20 anos para emplacar como a saída para o desenvolvimento agrícola, mas, no final das contas a tecnologia se incorporou à agricultura brasileira e tem garantido os melhores resultados. O reflexo disso está nos recordes, safra após safra. As quais se provam cada vez mais pelos saltos em produtividade. A notícia mais recente, nesse sentido, é o novo recorde da safra de grãos do País que chega a 165,9 milhões de toneladas. O resultado é apontado pelo 11º levantamento de safra feito pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O estudo aponta um crescimento de 1,9% em relação à safra 2010/2011 – quando a produção atingiu 162,8 milhões de toneladas – e significa 3,1 milhões de toneladas a mais no volume total.


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