De uma área total de 4.356 hectares, na fazenda Marupiara apenas 860 hectares estão disponíveis, dentro de um projeto, para a criação de recria e engorda de boi a pasto. “O restante é área de reflorestamento, principalmente porque estamos em Paragominas”, enfatiza o pecuarista.
No ano de 2007, o Ministério do Meio Ambiente soltou uma lista com os nomes dos 36 municípios campeões em desmatamento no País, e lá estava Paragominas. Os pecuaristas ficaram impedidos legalmente de ter qualquer acesso a crédito em bancos públicos ou privados. Isso porque na mesma época, frigoríficos e bancos assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta, no qual se comprometeram a só comprar carne e financiar projetos de propriedades que estivessem de acordo com a legislação ambiental. Um ano antes, já havia sido decretada a Moratória da Soja, no qual empresas e governo se uniram a ambientalistas para boicotar produtores paraenses que desmatavam a floresta para plantar soja. Em 2009, foi a vez do Ministério Público sugerir o embargo a 11 frigoríficos do Pará por descumprimento de leis ambientais. A repercussão foi imediata. As três maiores redes de supermercados do País anunciaram a suspensão da compra de carne da região. A partir dali, os produtores se viram encurralados. “Fomos condenados. E se nada fosse feito, chegaríamos ao fundo do poço”, diz o pecuarista. Diante dos acontecimentos, Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas e a prefeitura do município se mobilizaram para conscientizar os produtores da região. Nascia assim, o projeto “Pecuária Verde Paragominas”, que se baseia em três princípios básicos: adequação ambiental, manejo de pastagem e bem-estar animal.
Mauro Lúcio, hoje presidente do sindicato, diz que foi a oportunidade encontrada para reunir aqueles produtores interessados a implantar um novo modelo de pecuária na região. Para o desenvolvimento da iniciativa, foram selecionadas seis fazendas da região, incluindo a Marupiara, que já eram certificadas pela Embrapa com o selo de Boas Práticas Agropecuárias e que mantinham diferentes características em relação à produção pecuária.
Em meio às críticas de produção, em 2008 começaram os estudos e ao longo dos anos as parcerias como do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a ONG The Nature Conservancy (TNC), o Fundo Vale –, que atua hoje não apenas como financiador, mas participando da gestão dos projetos –, a consultoria de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), – e a mais recente a ingressar no projeto, a Dow Agrosciences, multinacional referência no setor de tecnologia para a pecuária, com foco no mercado de controle de plantas daninhas em pastagem e híbridos de forrageiras no Brasil. “O pasto é à base da produção deste projeto. Para isso, apresentamos soluções, dentre elas, a reforma de áreas degradadas por conta do manejo inadequado e ferramentas para recuperá-las, com novas linhas de produtos tecnológicos que chegaram ao mercado, a exemplo da Convert, que integra a nova linha de forrageiras”, diz Roberto Risolia, gerente de marketing de novos negócios da linha pastagem da Dow Agrosciences.
De acordo com Risolia, a proposta é auxiliar os produtores a atingirem novos patamares de produtividade por hectare de forma sustentável, reduzindo a necessidade de abertura de novas áreas de pastagens. “A nossa tradição é forte em parcerias e engajamentos de projetos sustentáveis”, afirma.
No projeto Pecuária Verde, as fazendas modelos foram selecionadas para mostrar que as boas práticas nas relações trabalhistas, ambientais e no manejo racional do gado, podem fazer a diferença. “Em um ano de projeto, já colhemos os primeiros frutos do trabalho”, diz o pecuarista, que aponta que capacitação de mão de obra e o bem-estar animal como uma das principais ações.
A capacitação na região foi desenvolvida pelo professor de bem-estar Animal da Unesp, Mateus Paranhos da Costa. Segundo ele, o objetivo é garantir o bem-estar dos bovinos e livrá-los de estresse, doença e deformidade, “o trabalho educa os vaqueiros ao manejo correto desde os bezerros no nascimento, passando pelo desmame até a hora de prepará-los para o abate”, diz.
De acordo com o estudo do Grupo Etco, (Unesp/Jaboticabal), coordenado pelo professor, o Brasil perde de 10 kg a 12 kg de carne por animal abatido por causa de erros de manejo. Cerca de 40% das lesões ocorrem nos pastos e currais. “O cumprimento das exigências internacionais só é possível quando os animais chegam ao frigorífico com baixa reatividade, em função de um manejo adequado na fazenda. Este trabalho reduz drasticamente contusões, fibroses e estresse, fatores que provocam perdas econômicas significativas”, diz Paranhos. “Além da questão do bem-estar animal valorizamos o trabalho e aumentamos a autoestima do vaqueiro, principalmente nessas regiões”, afirma.
Na fazenda de Mauro, os trabalhos já estão avançados no quesito mão de obra e muito mais. A Marupiara faz o pastejo rotacionado da boiada até a terminação. Os bezerros chegam desmamados e são identificados brincados (com procedência) e encaminhados para os piquetes. Os animais permanecem neles até a idade de 15 a 16 meses, chegando aos 24 meses. O acesso aos reservatórios e ao cocho de sal mineral próximo, facilita a engorda. O gado não tem acesso aos rios que são protegidas pelas áreas de preservação permanentes. “A abundância de capim facilita tudo, as condições favorecem o ganho de peso dos animais. A média é de uma cabeça por hectare. Estamos com quatro vezes mais, a produção de carne é de 400 quilos por hectare ao ano”, diz. Nos 14 hectares de corredores entre os piquetes, o pecuarista aproveita a diversidade das pastagens, implantada na área da criação. A fazenda ainda é composta de ilhas com plantas nativas no meio dos piquetes para o boi descansar, pés de frutas amazônicas, para o gado e outros bichos comerem e corredor ecológico.
Multiplicando o modelo
Além da Marupiara, a propriedade de Pércio Barros de Lima, a Rancho Fundo é uma das que compõem o projeto. O pecuarista mineiro chegou a Paragominas no ano de 1972, quando os fazendeiros daquela região eram incentivados a desmatar para produzir riqueza. Hoje, a realizada é outra. “Procuramos fazer a diferença, produzir carne legal e adotar as práticas do conceito de sustentabilidade ambiental”, afirma Lima.
Na fazenda de 1.100 hectares, são 1.220 cabeças entre nelore e raças europeias, que são criados em uma área do projeto de 560 hectares. A adoção do sistema rotacionado e a diversificação também da pastagem fizeram com que a fazenda alcançasse a média de três animais por hectare. “Conseguimos esses índices graças às consultorias que recebemos”, diz Lima. A consultoria é dada pelo professor da Esalq/USP, Moacyr Corsi, que faz um acompanhamento das áreas de pastagens e do pesquisador Ricardo Ribeiro Rodrigues da Esalq/USP, que presta consultoria em relação à adequação ambiental: recuperação de APP e recomposição de Reserva Legal.
A iniciativa pretende mudar a atitude do pecuarista quanto ao sistema de produção extensivo. “Neste primeiro ano de implantação, o custo é alto, mas acreditamos que no segundo ele diminuirá consideravelmente. Não há razão econômica para derrubar árvores para produzir bois. Temos sim é de aumentar a baixa taxa média de lotação com ganhos de pesos significativos”, afirma.
Porém, na fazenda Rancho Fundo um dos orgulhos de Pércio, além da boiada, são as áreas de preservação permanentes. Ele considera que Paragominas encontrou a fórmula correta para produzir dentro do co conceito sustentável. “Se no passado, a cidade foi um retrato de uma devastação brutal hoje é marcada pela luta da recuperação das áreas de preservação”, diz.
Outra propriedade que ingressou no projeto foi a fazenda Bonito, do proprietário Miguel Ângelo Scaramussa. Segundo ele, os técnicos os ensinam como deve ser feito o manejo, o que pode ser intensificado nessas áreas. “Antes trabalhávamos com 1,0 cabeça por hectare, já estamos trabalhando com seis cabeças por hectares”, diz. “Posso adiantar que o nosso objetivo foi alcançando, aguardamos os próximos seis meses”, afirma.
Na fazenda Bonito, dos 1.500 hectares, 650 são de área que faz parte do projeto, divididos entre 49 hectares. “Já no próximo ano, definiremos os resultados do projeto. O que propomos é adaptar, mudar de atitude com a utilização de tecnologia. Estamos verticalizando a produção”, diz Scaramussa.
Pecuária Verde na prática
O governo brasileiro já fez as contas: dá para reduzir para menos da metade a área ocupada por um boi no campo. O pesquisador do instituto Imazon, Paulo Barreto, considera que ao sair de uma condição de município que desmatava 100 quilômetros quadrados por ano, em 2007, Paragominas ingressou num processo de transição para a busca de um modelo de gestão sustentável. “Em 2008, a região passou a ser monitorado via satélite mensalmente pelo Imazon e com esses dados, as ações de fiscalização se tornaram mais eficazes”, diz Barreto.
Um dos trunfos de Paragominas foi a criação de uma base georreferenciada para apoiar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), considerado o primeiro passo para a regularização fundiária. As ações da prefeitura e do sindicato foram apoiadas inicialmente pela The Nature Conservancy e pelo Imazon, que aderiram à parceria.
A ideia é, a partir dos mapeamentos e levantamentos topográficos, escolher as áreas das propriedades mais adequadas à pecuária e investir nelas – adubar, fazer correções de solo e aprimorar as divisões de. Quanto aos custos operacionais do projeto é analisado a produtividade e o sistema de criação de cada propriedade. “Muitas vezes, é necessário investir em cerca, implantação de bebedouro, e outra parte melhorar a pastagem”, diz. “Além das fazendas pecuárias outras 13 de agricultura estão fazendo parte do projeto”, afirma.
Segundo ele, com a mesma área da pecuária é possível dobrar ou triplicar a produção. “Diminuir a pressão sobre as florestas que são derrubadas para o gado entrar. E ainda aumentar o espaço para lavoura”, diz Barreto. “O produtor vai recompor áreas de floresta, mas sua propriedade precisa continuar tendo viabilidade econômica”, pontua o pecuarista Mauro Lúcio.
Cada um fazendo a sua parte
O trabalho realizado em Paragominas pela equipe coordenada pelo professor Moacyr Corsi (Esalq/SP) consiste no acompanhamento mensal de seis propriedades, com o objetivo de aperfeiçoar cada sistema de produção, em busca de melhor retorno econômico, maior produção por unidade de área e maior estabilidade dos ambientes de produção. A produtividade animal em pastagens (@/ha) é definida pelo número de indivíduos que o produtor consegue manter em uma determinada área ao longo do ano, e pelo desempenho individual dos animais neste período. A quantidade de arrobas produzidas, o custo de produção por arroba e o preço de venda determinam a renda anual do produtor.
Usando as tecnologias da maneira correta, com taxas de lotação que ultrapassam 4,0 cabeças por ha e desempenhos individuais superiores a 0,6 kg por cabeça por dia, a produtividade anual de módulos intensivos pode facilmente chegar a 30 arrobas por ha. Mesmo com maior custo de produção (margem de lucro de 15% a 30%), a lucratividade anual fica em pelo menos 4,5 a 9,0 arrobas por ha. O aumento do ganho de peso também determina redução do tempo de abate, aumentando a taxa de desfrute para cerca de 65%.
O manejo adequado do pastejo e a adubação garantem a perenidade do sistema. Com o passar dos anos as pastagens tendem a se tornar mais produtivas e menos susceptíveis ao aparecimento de invasoras e pragas, eliminando-se a necessidade de renovação das áreas de produção. É o melhor, trazer a produção de Paragominas para a legalidade.
Em outra região do País
Um outro ótimo exemplo está na cidade de Ribas do Rio Pardo, localizada a 103 quilômetros de Campo Grande (MS), nas Fazendas Recreio I, II e III, do Grupo Takigawa. Na área de 8.520 hectares, são produzidas 10 mil cabeças, sendo mil cabeças confinadas. “Com boa genética e suplementação de qualidade alcançamos abate precoce e melhor acabamento de carcaça. O novilho já sai daqui com valor agregado”, diz o médico veterinário Júlio Takigawa, gerente da fazenda Recreio.
Há cinco anos, utilizando Programas Nutricionais da Premix, empresa de nutrição animal, o grupo realiza o ciclo completo de produção (cria, recria e engorda) de animais da raça Nelore e Angus. Por meio de recuperação de áreas, larga diversificação de pastagens e uma suplementação nutricional direcionada por categoria, o grupo abate em média 3.500 animais ano entre bois gordo, novilhas e vacas. “Hoje, a média de animais abatidos a pasto varia de 24 a 30 meses e animais terminados em confinamento é de 18 a 22 meses”, diz Rogério Takigawa, também gerente da fazenda. Atualmente, o grupo consegue atingir uma média de 1,23 animais por hectares (cabeças/ha) na fazenda inteira e nas áreas de reformas chega até 6,1 animais por hectares. O intuito destas reformas é renovar as pastagens da propriedade aumentando a lotação e a produtividade da fazenda a cada ano. “O objetivo é alcançar a média de 4,0 cabeças por hectares”, diz.
Segundo Fábio Procópio Ribeiro, promotor técnico da Premix, há programas nutricionais direcionados por categoria, as vacas são suplementadas de forma a respeitar seu ciclo reprodutivo, sendo que durante a estação de monta recebem uma suplementação própria para o período visando proporcionar cios mais férteis, consequentemente, maior fertilidade no rebanho e maior nascimento de bezerros. “Eles são suplementados via creep feeding e desmamados com oito meses de idade os machos com média de 230Kg e as fêmeas com média de 210Kg. Após o desmame os animais em fase de recria são suplementados mais intensivamente com suplementos energéticos e protéicos (0,2 a 0,5% P.V.) para potencializar os ganhos de peso a pasto, durante o período das águas e seca e proporcionando um ganho médio de 0,575 gramas cabeça dia ao ano na fase de engorda a pasto”, diz. “No confinamento utilizamos as estratégias do grão inteiro, onde a facilidade do uso e garantia de qualidade de acabamento de carcaça vem sendo o diferencial na estratégia da fazenda. O peso de entrada dos animais é de 390 a 440 Kg com um período de permanência no confinamento é em média de 75 dias e com ganhos de peso de 1,68Kg cabeça dia”, conclui. |