Esse tipo de sistema produtivo serviu de base para um estudo feito pela Embrapa Gado de Corte, de Campo Grande, e que foi apresentado na Rio+20.
Do abate descrito pelo trabalho “Pecuária de corte brasileira: redução do aquecimento global pela eficiência dos sistemas de produção”, publicado em junho deste ano, foram contabilizadas 320 mil cabeças em Mato Grosso do Sul em 2010. Desse total, 28% (ou 89.600) foram de animais de até 18 meses, 45% (ou 144.000) entre 18 a 24 meses e 27% (86.400) entre 24 a 36 meses. Esse total de animais, classificados como novilho precoce, foi responsável pela redução de mais de 655 mil toneladas de CO2 equivalente, segundo as estimativas da pesquisa.
“O total de emissões da pecuária do Estado é difícil de quantificar devido às emissões relacionadas diretamente com as pastagens, especialmente as pastagens degradadas”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Davi José Bungenstab, e autor do estudo. “Porém, com relação às emissões dos animais, para a categoria de animais adultos, estima-se em torno de 1,5 tonelada de CO2 equivalente por animal. Mato Grosso do Sul, naquele ano, tinha 22,3 milhões de animais e foram abatidos 3,9 milhões. Lembrando que desse total de abates, parte são matrizes de descarte, que naturalmente não poderiam ser terminadas precocemente. O que se pode afirmar, com certeza, que essa antecipação de idade de abate evita emissões, pois se esses animais permanecessem nas pastagens até atingir a média de idade de abate do Estado, estariam emitindo gases de efeito estufa (GEEs)”.
Dois GEEs estão diretamente relacionados com a atividade pecuária – o metano (CH4), em maior parte, e o óxido nitroso (N2O). A soma deles levam à atividade a contribuir com cerca de 17% a 18% das emissões totais brasileiras, segundo estimativas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba (SP). A fonte de maior emissão de metano do animal provém do arroto enquanto que o óxido nitroso vem da urina. A conta que faz se baseia na vida desse animal – quanto menos tempo a rês permanecer no sistema de produção para produzir a mesma quantidade de carne, menores deverão ser as emissões por unidade de carne produzida por hectare por ano.
Considerando-se valores conservadores para a idade de abate do rebanho geral do Estado, de 42 meses, apenas em 2010, o abate precoce dos animais evitou a emissão de mais de 655 mil toneladas de CO2 equivalente, simplesmente por evitar-se a permanência desnecessária desses animais nas pastagens por mais um ano. “A redução da idade de abate é um sinal de eficiência que, por certo, tem muitas vantagens econômicas além das ambientais”, argumenta Bungenstab. “A redução nessa idade e emissões é um dos pilares da redução do impacto, mas o bom manejo de pastagens e animais é também fundamental, além de quando aplicáveis, os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF), que sequestram carbono no componente florestal”.
Incentivo
Tanto Fonseca como Pereira se sentiram mais beneficiados quando se enquadraram no Programa de Avanços na Pecuária de Mato Grosso do Sul (Proape), através do subprograma “Novilho Precoce”, encabeçado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo de MS (Seprotur), pela Secretaria de Fazenda (Sefaz) e pela Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MS). O objetivo da proposta está na promoção do desenvolvimento da pecuária de corte do Estado, com premiando com incentivo financeiro a qualidade do animal refletida em sua menor idade de abate e melhor conformação de carcaça. Em torno de 10% dos novilhos abatidos no Estado estão enquadrados nesse programa.
Antes mesmo de entrar na ASPNP, Fonseca já pensava na terminação de gado em menos tempo possível, o que dinamizaria a produção, além de garantir um produto de qualidade diferenciada ao mercado. “Naquela época, fomos enxergando aos poucos a importância desse tipo de criação. Hoje, por exemplo, a associação mantém contrato com o Carrefour e o JBS, o que nos oferece um valor de arroba de 2% superior ao valor Esalq para machos, sendo que as fêmeas, no contrato do JBS, também recebem um adicional acima do preço Esalq, chegando atingir até o valor do boi”, declara o pecuarista.
Essa porcentagem adicional ao valor da arroba normal de mercado ainda pode ser baixa, mas tende a melhorar com a evolução própria do programa de criação de novilho precoce, segundo Fonseca. Entre outros benefícios relacionados está a balança do produtor. Trata-se de uma balança da própria associação instalada na linha de pesagem no frigorífico JBS. Por ela, técnicos da ASPNP acompanham a pesagem dos animais certificando todo o processo para assegurar os ganhos do produtor ou mesmo direcionando o trabalho do pecuarista para que o manejo dos animais seja o melhor possível para atingir a qualidade esperada no momento do abate. “Na própria associação são arquivados os históricos de cada abate, e através de todo esse trabalho, recebemos orientação sobre o que temos de fazer para melhorar ainda mais, a partir de nossos erros e acertos, para que possamos direcionar mais adequadamente os nossos trabalhos, de forma a atender os mercados mais exigentes”, avalia.
Numa área de total de produção de 2.200 hectares (ha), na qual 1.800 ha são de pastagens, Décio trabalha com o ciclo completo, com cria, recria e engorda. O histórico da propriedade é de 24 anos na criação, tanto com o gado comercial quanto com o melhoramento genético.
Há oito anos o produtor faz parte da ASPNP e se destacou na classificação do Show de Carcaça de maio de 2011, realizado pela própria associação, com 100% dos animais classificados no programa de novilho precoce. O evento foi idealizado em 2010 pela entidade para destacar os melhores no abate técnico. O resultado foi conquistado com a criação mantida basicamente a pasto, com auxílio das técnicas de inseminação artificial em tempo fixo (IATF) e cruzamento industrial. A base da genética é nelore com adição das raças red angus e hereford para o cruzamento industrial. Em alguns casos, o produtor se utiliza do semiconfinamento, com a administração de concentrado e proteinado – mas esse não é o estilo preconizado pela fazenda.
O abate anual chega a 300 cabeças de machos e 300 cabeças de fêmeas. Em média, a idade dos animais terminados varia de 22 a 28 meses no cruzamento industrial e 29 a 34 meses no nelore. As melhores médias atingidas foram apresentadas no Show de Carcaça, onde foi registrado um abate uniforme de animais de 24 a 26 meses.
Os pilares da precocidade
Igualmente destaque no Show de Carcaça, a fazenda Cachoeirão teve o reconhecimento na apresentação de um produto de mais qualidade na edição da premiação deste ano. Com esta já são duas vezes que a propriedade se sobressai na terminação de animais precoces e de melhor acabamento. De acordo com Pereira, há quatro pilares que dão sustentabilidade à produção de novilho precoce.
O primeiro se baseia no trabalho com a genética. É por ela o caminho inicial para a obtenção de exemplares que tenham habilidade para ganho de peso, que consigam fazer uma melhor conversão alimentar. “Isso se faz com a seleção de matrizes e touros que ampliem a qualificação dos resultados genéticos da fazenda”, afirma o produtor. “A adoção de técnicas como a inseminação artificial também ajudam muito a promover a melhoria dos animais, por ser uma técnica bem econômica do que a aquisição de um touro que só cobriria cerca de 30 vacas”.
A sanidade é o segundo pilar. A propriedade que deseja obter sucesso na criação do novilho precoce tem de ter um cronograma ou programa que estabeleça os protocolos sanitários necessários para o controle dos agentes patológicos que possam influir negativamente na produção.
Em terceiro lugar, a nutrição vem ser um requisito primordial ao desenvolvimento das potencialidades genéticas e asseguradas pela sanidade do rebanho. Nesse sentido, faz-se necessário a implantação de um pasto de muita boa qualidade, o qual é obtido através de um manejo constante com variedades de pastagens, seja no sentido de renová-las ou recuperá-las para atingir os níveis nutricionais desejáveis. “São práticas também, a adubação e a integração da lavoura com a produção de grãos. Isso promove melhoria no solo e, consequentemente, numa boa safra de pastagem que entraria em seguida”.
Por fim, o último pilar para fechar o ciclo é a gestão da propriedade. Esta é quem vai coordenar e tornar possível todas as demais, seja nos processos de tomada de decisão de como administrar os recursos para que no final haja a garantia de viabilidade econômica. “Quando o produtor consegue evoluir nesses quatro pilares e equilibrá-los, ele consegue, consequentemente, antecipar a idade de abate dos animais”, atesta Pereira.
Os índices de abate da Cachoeirão chegam a impressionar. Atualmente há três faixas de abate. A primeira, de animais com faixa de 13 a 14 meses de idade, faixa etária dos superprecoces. Nessa categoria, 90% são de cruzamento industrial (nelore com angus) e 10% de nelore. São levados a essa categoria todos os animais que são desmamados com 240 quilos ou mais. Esses animais vão direto para o confinamento, no qual ficam por 150 dias. Ao final, chegam a ser abatidos em média de 18 arrobas.
A segunda faixa é de animais de até 24 meses. Nessa categoria, 80% deles são nelore, criados a pasto, e 20%, cruzados. Esse lote é alimentado exclusivamente a pasto, com sal mineral ou sal proteinado, sendo confinados por apenas um curto período de tempo, quando os animais chegam aos 20 ou 22 meses – o confinamento gira em torno de 70 ou 80 dias, dependendo da condição do gado. O animal, nesse caso, é terminado com uma média de 20 arrobas.
A terceira faixa de terminação é do lote de até 30 meses de idade. Este representa apenas 20% do total do rebanho abatido anualmente pela fazenda. Os animais são tratados só a pasto e chegam a uma média de peso de 19 arrobas.
Ao todo a propriedade possui uma área total de 7.500 ha, sendo destes, 5.800 agricultáveis ou utilizados pela atividade pecuária. A área de pastagem chega a 4.800 ha. Por lá, ainda é estabelecida a Integração Lavoura-Pecuária, com a produção de soja e milho (este último, que é de consumo próprio no confinamento). O rebanho chega a seis mil cabeças, com 2.100 matrizes e 40 touros de repasse. A última safra de bezerros desmamados chegou em 1.650 cabeças.
Manejo racional
Outro ponto destacado nesse estilo de produção pelo proprietário da fazenda Conquista, está também na forma como o pecuarista tem de lidar com o rebanho. Nesse caso, é necessária toda uma técnica de tratamento denominada manejo racional. Segundo Fonseca, isso quer dizer que o animal tem de ser respeitado a partir das premissas das Boas Práticas Agropecuárias, difundidas pela Embrapa Gado de Corte.
“Um exemplo disso é na parte de treinamentos oferecidos aos funcionários a cada 30 ou 60 dias, que envolve todo o processo produtivo da fazenda. Isso garante que a condução do trato com o rebanho seja diferenciada, desde o nascimento até a terminação. Devemos entrar oficialmente, nesse programa da Embrapa este ano, e acredito que isso nos dará suporte ideal para continuação da melhoria da nossa criação de gado na fazenda”.
O modelo ideal de criação também se baseia na integração do rebanho com a agricultura e a silvicultura. De acordo com o pesquisador da Embrapa Gado de Corte, se bem manejado, o consorciamento de pastagens, lavouras como soja, milho, sorgo e produção de eucalipto ou pinus, especialmente em sistemas de plantio direto, tem um alto potencial para sequestro. Resultados preliminares de experimentos na Embrapa Gado de Corte tem mostrado que em sistemas de iLPF, o componente florestal é capaz de compensar as emissões dos animais no sistema.
Na fazenda Conquista está sendo feito planos para introdução do componente arbóreo em meio às pastagens, para garantir tanto o sombreamento ao pasto como uma renda extra com a extração da madeira. “Entre os benefícios para o sistema estão o conforto animal e o próprio manejo de pragas nas forrageiras. Um pasto bem sombreado, por exemplo, é significativamente menos atacado pela cigarrinha, além de se manter mais verde. Além disso, esse sistema dará mais conforto térmico aos animais. Utilizando as palavras do presidente de nossa associação, Alexandre Scaff, ‘não devemos produzir somente novilho precoce e sim novilho precoce com excelência’”, conclui Fonseca. O caminho percorrido em ambos os casos, em Bandeirantes, estava inicialmente ligado à sustentabilidade econômica do negócio em si, no entanto, por esse mesmo caminho, o componente ambiental também se provava tão importante quanto. A conclusão a que se chega é que ser sustentável é ser eficiente na administração dos recursos que a fazenda possui – se o que se vê pelo Brasil são de projetos em pecuária sustentável, então o País está no caminho certo, só resta apenas ser reconhecido por isso, tanto aqui dentro como lá fora. |