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PASTAGEM - Recuperar áreas degradadas melhora o rendimento da pecuária sustentável
rev 170 -abril 2012

No dia 22 de março, lá por volta das 11 horas da manhã, Paulo Roberto Guerra Carvalho, engenheiro agrônomo e proprietário da Fazenda Santa Helena, em Cafeara (PR), observava atentamente pelo microcomputador portátil a página da Internet do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A atenção estava voltada a uma grande formação de chuva que indicava para aquele dia e que se aproximava da região. Vinda do Paraguai, a nuvem se ia se estendendo para todo o Estado do Paraná. “Tomara que ela chegue por aqui, pois estamos precisando”, desabafou o pecuarista.

A preocupação não era à toa – já havia mais de 20 dias que não caía uma boa chuva por lá. O recurso era necessário o desenvolvimento das áreas de pastagens que acabava de ser semeada naquele período, além de servir aos demais pastos instalados na propriedade.

Carvalho é de fato um exemplo dos produtores rurais do Brasil que buscam a melhoria da área de pastagens, através da transformação do pasto degradado numa porção de terra produtiva tanto para a produção de carne como para a agricultura. Ele pode não ter chegado ainda a nível desejado em termos de matéria orgânica depositada no solo, mas resolveu bem a questão da mudança das pastagens degradadas para uma área de pasto produtivo que faz rotação com a lavoura de soja.

A saída para o Brasil, no sentido de aumentar a produção de alimentos, se baseia justamente no princípio adotado por seu Paulo. Através desse trabalho que também está o caminho para uma pecuária sustentável. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, o mais recente estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil a área de pastagem pode ser compreendia em 162.868.423 ha – nesse número inserem-se lavouras de plantação de forrageiras para corte, pastagens naturais, plantadas degradadas e plantadas em boas condições. Considerando as áreas degradadas e naturais, somam-se aí 67.159.382 ha, isso corresponde a cerca de 41,2% do total. Uma área que maior que área utilizada pela agricultura, que na pesquisa está estimada em 55.631.953 ha – entre lavouras permanentes e temporárias. A maior eficiência no uso áreas degradadas pode refletir no melhor aproveitamento de espaço agricultável no País.

José Renato Silva Gonçalves, também engenheiro agrônomo e administrador da Fazenda Figueira, pertencente à Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), acompanhou de perto o trabalho que tratava exatamente desse tema, feito em conjunto com a Scot Consultoria e a Escola de Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba (SP). O estudo comparou as atividades de agricultura e pecuária sobre o aspecto de uso de tecnologia e o potencial de crescimento da atividade no Brasil. Os dados mostraram que na agricultura o aporte tecnológico chega a 80% ao passo que na pecuária, a média nacional gira em 40%.

“Se pegarmos esse total de área de pastagem e elevar ao uso de 2,4 unidade animal (UA) por hectare [uma UA equivale a 450 quilos de peso vivo], caberia cerca de 50% do rebanho mundial dentro do Brasil”, contabiliza Gonçalves. “Se mantivermos nosso rebanho e só pegar uma parte da área, só utilizaríamos 30%. O restante poderia se voltar à agricultura, sem aí, necessidade de abertura de novas áreas”.

A dádiva do plantio direto

Foi assim que iniciou o trabalho de seu Paulo lá em Cafeara. A propriedade tinha 520 ha de pastagens degradadas. A intensão dele foi reverter isso e tornar o negócio produtivo através do desenvolvimento da agricultura convencional lá pelos idos de 1997. Soja, algodão, milho safrinha, aveia, nabo forrageiro – tudo que havia de possibilidades foi desenvolvido na fazenda. Mas a coisa não vigou e não saía do zero. O solo era pobre em termos de matéria orgânica. “O que aprendemos nesse período é que não estamos recuperando o solo e sim parando de estragá-lo”, ressalta Carvalho. “Deixamos de fazer o preparo convencional e introduzimos o plantio direto para melhorar a estrutura física dele”.

Pelas análises feitas, o extrato no qual o produtor está é conhecido como argissolo arênico – este é arenoso, apresenta muita erosão e pobreza em nutrientes, e possui camadas arenosas distintas, sendo a primeira, mais superficial, mais arenosa que a de baixo. “Quando chovia pesado, por exemplo, a drenagem era mais lenta na segunda camada. Então a enxurrada levava a terra toda embora. Sempre que a mexíamos nisso, com gradagem ou aração, ficava pior do que estava antes e, nisso, lá se ia com a chuva o adubo e o calcário depositado na terra. Tudo ia para as curvas de nível”, lembra o produtor.

Com a introdução da técnica do plantio direto, o sistema de recuperação de solo começou a se basear em não mexer mais nele. O grande salto em produtividade se deveu à integração lavoura-pecuária, com soja e boi se revezando entre as faixas de terra da fazenda. Ao todo, Santa Helena possui 811,6 ha, dos quais 170 ha são de pastagem e 250 ha para o estabelecimento da lavoura anual. Dentro da rotação só integram-se a braquiária e a soja. Na unidade ainda são estabelecidas a produção de café em 67 ha, eucalipto em 35 ha e seringueira em 20 ha. A área de preservação permanente (APP) é de 63 ha e reserva legal (RL) de 37 ha.

O ciclo da pastagem de verão dura 30 meses, depois desse período entra a soja que permanecerá por duas safras de verão consecutivas. Entre essas duas temporadas, é estabelecido uma pastagem de inverno a qual serve os animais nesse período, no qual o alimento é mais escasso. Próximo ao plantio da soja, a forrageira é dessecada e, aí, introduz-se novamente a soja. “O período que mais produzimos carne é justamente no inverno, pois é quando temos mais pastagens à disposição do gado”, avalia Carvalho.

Raiz forte

A salvação do solo de Santa Helena veio com o melhoramento das pastagens. A raiz da forrageira propiciou o melhor incremento de material orgânico no solo, como tem observado o pecuarista. O negócio de produção de carne nem estava nos planos, mas desde que a atividade obteve êxito em 2003, quando foi efetivamente estabelecida, passou a ser o carro-chefe da produção da fazenda. Entre todas as atividades, ele destaca que nunca teve problemas com o boi.

Por outro lado, Carvalho constata que a parceria entre as espécies forrageiras e a leguminosa deu muito certo, e serviu para conter a queda dos níveis de perda de solo e de nutrientes, aliado ao acréscimo de material orgânico. Ao andar pela fazenda, nas áreas onde estava a soja, recém-colhida, Paulo se orgulhava em ver a cobertura da palhada sobre a terra. Isso representa a melhoria gradual da estrutura da área. “O solo ainda está em processo de melhoria. Ele era quimicamente ruim de origem, com pouca matéria orgânica e muito pouco nutriente e de baixa fertilidade. Então, recuperar a fertilidade não era o suficiente, tínhamos de fazer mais do que isso. A primeira coisa foi parar de perdê-lo. A braquiária, pelo sistema radicular dela, trouxe a saída para o sistema de produção de carne e soja. O que ficou nítido é que a situação foi estabilizada. Nas áreas de pastagens tenho em média 1,2% a 1,3%. Quero ainda mais, mas ainda sei como”, declara.

Seu Paulo é bem sistemático no que faz, tem guardado todos os dados gerados, ano a ano, dos resultados de cada safra, das análises de solo e de folhas, para perceber se a planta estava se alimentando bem e se havia deficiências que podiam ser corrigidas. O engenheiro agrônomo da Matsuda, Marcelo Ronaldo Villa, acompanhou bem de perto as transformações da fazenda e a guinada que deu o negócio depois do estabelecimento da integração lavoura-pecuária. “É de fato uma das grandes saídas para a produção de alimentos, e é isso que muitos produtores estão fazendo, até nas regiões Norte e Nordeste do País. Há trabalhos de recuperação nos quais ainda são introduzidos além da soja, o milho e o arroz, por exemplo, nesse caso, nos Estados do Pará, no norte de Mato Grosso, no Maranhão, Piauí e Tocantins”, ressalta.

Para Villa o esquema de forragens possui boa adequação para se integrar com qualquer lavoura, desde que esta tenha a aptidão local. No caso do arroz, foi possível pela variedade ser uma cultura mais rústica, que se adequa a um solo que incialmente se apresenta mais ácido e com pouco nutriente.

O resultado no final das contas é de um gado bem alimentado. No caso da propriedade de seu Paulo, no ano passado, ele obteve uma média de idade de abate de 21,3 meses com 16 arrobas. Isso, levado em conta que o rebanho é suprido exclusivamente a pasto e sal mineral. Ao todo, Paulo contabiliza um rebanho de cerca de 900 cabeças, o qual conduz no ciclo completo.

Fazenda modelo

Bem próximo à Santa Helena, nos arredores do município de Londrina, outro exemplo de trabalho de recuperação de área de pastagens degradadas também se estabeleceu e vem provando que o que é possível se fazer com o uso do incremento de tecnologia na atividade pecuária. A propriedade pertencia a um ex-aluno da Esalq, Alexandre Von Pritzelwitz, que resolveu doar ainda em vida a fazenda à Fealq em 1995, A premissa imposta por ele era de que se fizesse do estabelecimento rural um centro de pesquisas agropecuárias que servisse de referência para os produtores rurais, aliado à aplicabilidade prática – quer dizer, nada ali poderia ser feito só em nome da pesquisa, mas teria de se provar viável e econômico.

Assim foi criada em 2000, a Estação Experimental Agrozootécnica Hildegard Georgina Von Pritzelwitz (nome dado em homenagem à mãe do antigo proprietário) e a Fazenda Figueira. De acordo com Gonçalves, a área foi doada à Fealq por tornar mais fácil a administração da propriedade. A instituição é privada e funciona como uma administradora dos bens da Esalq.

“Como nossa vocação era a pecuária de corte, isso levou a ser a atividade central a ser desenvolvida nesse centro que acabava de ser inaugurado”, conta o administrador da Fazenda Figueira. Na prática, ele explica que a tanto a fazenda e quanto a Estação Experimental não se distinguem uma da outra, mas, sim ocupam o mesmo espaço. Uma mais preocupada com a questão da pesquisa e a outra, com a aplicabilidade dos modelos tanto experimentados por lá como feitos em outras instituições de referência pecuária do País.

“O nosso potencial produtivo e o nosso custo de produção em cima da pecuária em pastagem possuem uma relação custo-benefício melhor do que os outros países”, atesta Gonçalves. “Além disso, a área de pastagem brasileira possui a aptidão de uma área de reserva para outras culturas. Como a expansão da pecuária foi muito rápida e desordenada, temos grandes áreas degradadas de pasto que, a partir do momento que introduzirmos a tecnologia necessária, poderemos tanto produzir mais alimentos como aumentar ainda mais o efetivo rebanho brasileiro. Certamente, uma dessas duas coisas pode ocorrer”.

De posse da área de 3.693,52 ha, uma equipe de 18 funcionários fixos e 17 funcionários temporários teve muito trabalho para dar uma ‘cara’ nova à antiga unidade de referência da região. Entre os entraves destacavam-se a dificuldade de acesso à própria fazenda, a falta de infraestrutura e saneamento básico e a baixa qualidade de vida dos trabalhadores que ali viviam.

Trabalho paciente

O cenário não era dos melhores, mas a unidade teria todo o suporte técnico para mensurar, qualificar, avaliar, quantificar e validar toda a informação necessária para o estabelecimento de um projeto viável a ser realizado na fazenda. De dados topográficos à qualidade do solo, passando pelo inventário completo das matas, das áreas produtivas, animais pastagens e lavouras. Os variados estudos renderam teses e um levantamento rico de informações da propriedade.

Em suma, o que se tirou desses estudos era uma fazenda que apresenta muitos níveis de irregularidade topográfica – 35% da área apresentam mais de 30% de declividade; estava num completo estado de abandono, tomado por plantas invasoras, muitas pedras e áreas de impossibilidade de mecanização, além de possuir uma baixa qualidade no rebanho. A área produtiva também não era muita comparada à área total, ficando 1.850 ha de pastagens e 340 ha para a agricultura (milho, soja, trigo e aveia para pastejo de inverno). A APP é de 400 ha e a de RL, 900 ha.

O processo teve de ter sido feito aos poucos, de acordo com Gonçalves, com a reforma das instalações, a abertura dos acessos e vias, a limpeza das áreas de pastagens, o estabelecimento de áreas para produção de grãos e a promoção da qualidade de vida das famílias que trabalhavam por lá. A implantação de um sistema de pecuária sustentável era o que tinha de se estabelecer – uma forma de poder mostrar na prática como a bovinocultura de corte tem de ser feita sendo economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta. Os sistemas de confinamento, manejo reprodutivo e sanitário ganharam força, permitindo que os índices zootécnicos crescessem cada vez mais. Aliado a isso, a limpeza e o estabelecimento de programas de reforma e recuperação de áreas de pastagens permitiram o acesso ao alimento de melhor valor nutricional aos animais. Gonçalves mostra os exemplos de ambos os casos ainda presentes na propriedade a título de áreas de testemunha. “Um dos grandes vilões aqui é limão. A planta, por ter espinhos, muda até o comportamento dos animais, que passam a evitar ao máximo a área onde está a invasora. Fizemos alguns estudos que comprovaram isso, mesmo com a presença do capim, o gado tende a se afastar da área onde está o pé”. A distância pode chegar às vezes a 20 metros de raio da planta.

As transformações foram bem expressivas. De um rebanho inicial de 3.900 cabeças, a média dos últimos 12 anos foi de 5.100, a meta é chegar a seis mil. A lotação que era de 1,78 de cabeça por hectare, passou a ser 2,38, o esperado, nesse quesito é atingir 3,2 cab/ha. No número de bezerros nascidos, a fazenda saiu de 989 para 1.275. A meta é fechar esse número em dois mil bezerros nascidos anualmente. A taxa de desfrute que era de 17,09% passou para 22,81%, na média dos últimos 12 anos. A intensão é alcançar os 30%. Por fim, o sistema saiu de um patamar deficitário para um superavitário. Na diferença entre o custo e a receita por arroba vendida, a fazenda saiu de -2,03 para 3,44. Nesse caso, a meta é mais exigente por ter de se provar um sistema economicamente viável e interessante, por isso espera-se atingir 20,41.

Ao se passar pelos resultados, o que se vê é que o incremento de tecnologia realmente foi o diferencial para a atividade pecuária implantada na Figueira, e mostra que é possível ser feito um trabalho responsável na atividade pecuária, que não tem nada a ver com o estereótipo de vilão do meio ambiente. Mas sim o grande motor para a produção de alimentos.

Novas pesquisas

O reconhecimento da Estação Experimental foi destaque no Rally da Pecuária 2011, promovido pelas empresas de consultoria Agroconsult e Bigma. Ano passado a unidade foi homenageada na categoria Excelência Zootécnica. Este ano, os destaques podem crescer ainda mais em função dos diversos trabalhos e pesquisas que devem ser feitos. Entre os quais estão a limpeza química de mais 20 pastos da unidade, que totalizam uma área de 532,66 há; e a reforma de mais 11 pastos (267,54 ha). Em experimentos podem-se de destacar o de suplementação de machos a pasto, com 500 garrotes em 287,31 ha; de puberdade de machos e fêmeas a pasto, com 800 animais em 231,91 ha; de programação fetal e creep feeding com mil vacas com bezerros ao pé em 452,03 ha; de avaliação comparativa da variedade híbrida de pastagem Convert HD364 com Brachiaria brizantha (350 MC0 em 150,91 ha); de transferência de marcadores genéticos em 300 vacas vazias e solteiras 156,96 ha e de 200 vacas com bezerro em 189,78 ha.

Especificamente, o que trata da análise do híbrido da forrageira, pertencente à Dow AgroSciences, trata-se de mais uma parceria da empresa defensivos e biotecnologia que desde o início tem auxiliado a Estação Experimental no manejo com as pastagens no combate às plantas invasoras. “Este foi um dos projetos mais antigos que ainda temos com a unidade da Fealq”, diz Roberto Risolia, gerente de Marketing de Novos Negócios da Linha Pastagem da multinacional. “É muito importante para nós estarmos de certa forma ligados com uma instituição de credibilidade e que reporte as tecnologias testadas por ela a partir de uma visão técnico-científica”, destaca.

Assim como o interesse da Estação é testar tudo que tiver de tecnologia, a empresa também quer saber os resultados que seus produtos tem tido diretamente no ambiente de produção. Nesse sentido está baseado o trabalho com esse híbrido de braquiária que une, numa mesma planta os três tipos do gênero (brizantha, ruziziensis e decumbens). Para os próximos anos, a corporação deve traçar outras pesquisas com o centro com os temas de aumento de taxa de lotação de pasto e reforma de pastagens. “Produzir esse tipo de informação, com qualidade técnico-científica vem a agregar ainda mais o trabalho do pecuarista, com isso podemos criar uma sintonia fina entre o uso de tecnologia e produtividade, e isso é a base para a sustentabilidade de todo o negócio”, conclui Risolia. Por outro lado também, como avalia Gonçalves, é a partir desses experimentos que a informação chega mais rápida ao produtor rural que muitas vezes carece de um suporte técnico adequado para poder ser considerado verdadeiramente sustentável.


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