Revista Rural - Como é comandar este centro referência
da pesquisa agropecuária brasileira que há 39
anos vem desenvolvendo a atividade agrária no País?
Pedro Antonio Arraes Pereira - É desafio imenso.
Só quem senta nessa cadeira da presidência da
Embrapa sabe o que é! Faço, agora em janeiro,
32 anos na empresa. Posso dizer que antes de estar efetivamente
contrato, fui estagiário na unidade do Rio de Janeiro,
em 1975. Então, entrei bem no começo da Embrapa,
num centro que era bastante básico, naquela época.
De fato, fazer parte disso é uma coisa fantástica.
Primeiro, por sentir que se está numa empresa que possui
um reconhecimento nas diversas esferas da sociedade brasileira
- É uma empresa pública que atua diferentemente
das demais que existem no País. Isso se reflete também
nas conquistas que tivemos como a criação do
Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA). Neste
caso, isso foi fruto de um trabalho em conjunto com órgãos
de pesquisas como o Instituto Agronômico do Paraná
(Iapar) e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC),
e demais instituições e empresas estaduais de
pesquisa e extensão rural. Então esse reconhecimento
confere uma tamanha responsabilidade a qualquer dirigente.
Ainda mais no momento de transição silenciosa
que estamos passando atualmente aqui na Embrapa. Nesse caso,
na área do corpo de pesquisadores. A ala dos mais antigos
dá lugar aos mais novos. Estes que, apesar de terem
conhecimento, ainda precisam incorporar o espírito
e a cultura de ser da 'Embrapa', que trata do comprometimento
com o Brasil, com a ciência e com a agricultura brasileira.
Rural - Quais foram as transformações que
o centro pôde promover à atividade agrícola
nacional?
Pereira - A Embrapa teve uma série de visionários
que criaram um modelo bastante interessante. Para que ela
foi criada? Foi basicamente para suprir alimentos para a população
brasileira. Naquela época, nós importávamos
arroz, feijão, não tinha leite, não tinha
carne, havia fila no Rio de Janeiro e nas grandes cidades
para compra desses produtos. Tínhamos uma agricultura
pautada em café e cana-de-açúcar. Monoculturas
de exportação. Com a industrialização
iniciada desde 1950, a população do campo começou
a migrar para as cidades. E aí tínhamos de alimentar
esse contingente, e como fazer isso? Pensar nisso seria então
o papel da Embrapa. A empresa seria esse elemento capaz de
estimular a produção de alimentos que pudesse
garantir a sustentabilidade e a segurança alimentar
da população. Incialmente ela seguiu um modelo
concentrado, no qual eram abertos centros para atuarem em
questões distintas, como o centro de arroz e feijão.
Lá, foi posta a estrutura física e de pesquisadores,
assim foi para as demais demandas como milho e sorgo, gado
de corte e de leite. Ao todo, tivemos 17 centros. Hoje são
47. Isso refletiu em menos abrangência. Naquele primeiro
momento, trabalhávamos muito mais dentro da porteira
e focados na questão agronômica. Ainda hoje fazemos
isso, mas agora a dimensão é outra. Então,
essa talvez seja a grande diferença que a Embrapa tenha
experimentado. A pesquisa também passara a focar-se
fora da porteira, na agregação de valor. Posso
dizer que hoje, na verdade, atendemos a sociedade como um
todo através das demandas do consumidor também,
pois não adianta você ter um feijão que
produza cinco toneladas por hectare, e que demore duas horas
pra cozinhar na panela. Então tem de haver toda essa
preocupação de qualidade dos produtos.
Rural - Quais foram as principais transformações
da própria Embrapa?
Pereira - Desde o princípio, tínhamos um
ponto fundamental, que era o foco em resultados. Mesmo antes
de existir o conceito de inovação, a Embrapa
fazia a inovação. Éramos uma empresa
de ciência e tecnologia, tínhamos de ter destaque
nas publicações científicas tanto nacionais
como internacionais, mas também tínhamos de
encontrar saídas para os gargalos da cadeia produtiva.
Agora, em termos da nossa concepção de pesquisa,
tivemos vários modelos. No começo, trabalhávamos
dentro da porteira. Esse era o lema, a pesquisa começava
no produtor e terminava no produtor. E aí nós
passamos para outro, o Sistema Embrapa de Pesquisa, que incorporava
então essa questão de agregação
de valor e de cadeia produtiva. Atualmente estamos para entrar
num novo sistema de trabalho em redes de pesquisa. Tivemos
ao longo de nossa trajetórias os pilares fundamentais,
como o da produtividade, qualidade, sustentabilidade. Isso
trouxe ao campo da pesquisa uma maior complexibilidade do
que havia anteriormente. Nesse sentido, criamos redes de competências
internas dentro da Embrapa e também trazendo redes
de competência externa para dentro da unidade, inclusive
em redes internacionais.
Rural - Qual os investimentos que a empresa obteve ao longo
desses anos?
Pereira - A Embrapa teve primeiramente um investimento
muito grande com até empréstimos do Banco Mundial,
depois do Banco Interamericano. Este ainda continua e, apesar
de não adicionar muito, o recurso nos dá muita
flexibilidade. Foi a partir dele que foi possível realizar
a capacitação dos jovens que entraram na unidade
no início, inclusive eu fui um deles. A proposta é
de mandar esses jovens às melhores universidades do
mundo que tratavam de temas sobre agricultura nos Estados
Unidos da América (EUA), Japão, Austrália
e em outros países da Europa. Com isso, trouxemos uma
gama de conhecimentos de agricultura temperada e conseguimos
criar o conceito de agricultura tropical. Ainda hoje a gente
continua nisso. Claro que não nos mesmos moldes de
antigamente, pois a todos os pesquisadores que entram hoje
na Embrapa já têm doutorado e pós-doutorado.
Mas a gente continua mantendo nosso programa de treinamento,
principalmente com pós-doutorados, nos escritórios
de excelência. Então os investimentos foram cíclicos.
Passamos por períodos de vacas gordas e vacas magras,
em vários momentos. A partir do governo de Lula, o
diretor-presidente da Embrapa na época, o doutor Sílvio
Crestana, com muita presteza, conseguiu convencer o presidente
da República em criar um Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) Embrapa, um, diferenciado dos demais,
que gerou um investimos da ordem de R$ 917 milhões
desde 2008. Praticamente reformulamos e revitalizados 80%
de nossos centros, abrimos cerca de 2.200 vagas. Atualmente
estamos em processo de criação de cinco novos
centros que são a Embrapa Agroenergia, a Embrapa Agrossilvipastoril,
em Mato Grosso, a Embrapa Pesca e Aquicultura, em Tocantins,
a Embrapa Cocais, no Maranhão, e finalmente um centro
de inteligência, a Embrapa Estudos e Capacitação,
que lidará com estudos de inteligência e cenários
futuros para onde vai nossa agricultura, a ciência na
área agrícola e como que nós teremos
de encaixar os projetos de pesquisa para atender essas demandas
de futuro. Então houve um investimento muito bom até
2011.
Rural - Atualmente são, 47 unidades espalhadas por
todo o território nacional. Como são coordenadas
e definidas as linhas e pesquisa em cada uma delas?
Pereira - Temos várias instâncias para a
definição das linhas de pesquisa, como a instância
estratégica, tática e a operacional. Dentro
da instância estratégica é onde são
definidas os grandes temas para a abertura de editais. Temos
editais competitivos dentro da própria Embrapa. Aqui,
tudo é voltado para a competência técnica.
Obviamente há estudos que são induzidos, pois
merecem nossa atenção e é importante
que a gente tenha, mas nada é aprovado sem antes ser
feito uma avaliação externa, e ter uma avaliação
interna. As linhas são definidas por um comitê
estratégico que temos que define essas linhas.
Rural - Quanto aos braços da Embrapa no exterior,
os laboratórios (Labex) nos EUA, França, Reino
Unido e Coreia do Sul e os projetos desenvolvidos na África
e nas Américas, quais são o papel deles?
Pereira - A Embrapa desde o princípio foi internacional,
como mostra o exemplo das capacitações feitas,
mas hoje, em função da demanda que a gente tem,
em função da imagem que a gente tem, interna
e externa, dividimos nossa atuação externa em
três pilares. O primeiro chamamos de Cooperação
Científica, que talvez seja o mais importante para
nós, o segundo é de Cooperação
Técnica e o terceiro, que está nascendo agora
é o de Cooperação de Negócios,
pois tem gente que quer as nossas cultivares, quer a semente.
A Cooperação Científica é feita
através de intercâmbio, treinamentos, e por aí
vai. Criamos-na há mais ou menos 10 anos e isso depois
foi copiado por outros países. Trata-se do Labex, ou
Laboratório Virtual no Exterior. Isso significa que
a Embrapa não tem propriedade no exterior, mas sim,
está lotada dentro de uma instituição
parceira. Isso começou nos EUA, onde ficamos dentro
do Serviço de Pesquisa para a Agricultura (Agricultural
Research Service). É um projeto do tipo ganha-ganha.
Vão para lá pesquisadores nossos, sêniores,
que são alocados em laboratórios de referência
em áreas que definimos como prioritárias em
comum acordo com os EUA. De lá, fazemos projetos colaborativos.
Um exemplo disso foi no estudo da Influenza A H1N1, conhecida
como a gripe suína. Na época, disponibilizamos
uma pesquisadora, que junto com pesquisadores americanos traçaram
todo o caminho da contaminação do vírus,
da origem à forma de transmissão. O estudo ajudou,
inclusive, na solução da vacina. Foi um trabalho
que, no geral, se os americanos tivessem feito sozinhos, eles
teriam mais dificuldade, assim como, nós sozinhos,
encontraríamos essa mesma dificuldade. Esse foi um
resultado dessa parceria ganha-ganha. Vamos inaugurar um braço
do Labex, agora, na Alemanha. Já o pilar de Cooperação
Técnica, temos alguns projetos estruturantes em países
da África e nas Américas, estes serviram muito
mais a esses locais no sentido de estruturar melhor a produção
agrária nessas regiões.
Rural - É possível elencar as pesquisas saídas
da Embrapa que mais impactaram a produção no
campo?
Pereira - Hoje, em nossa carteira de pesquisas, temos
1.180 projetos. Geramos desde o início muitas pesquisas
e estudos que influenciaram de certa forma o jeito de se fazer
a agricultura no País, como na transformação
do Cerrado, a técnica do Plantio Direto, o desenvolvimento
das variedades de soja para nossa realidade tropical. E aí
eu colocaria que o maior ganho que tivemos foi a tropicalização
de muitas variedades e espécies, como da maçã,
junto a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão
Rural de Santa Catarina (Epagri), e da cenoura. Lembro-me
da época em que eu era pequeno; não tinha maçã,
só havia a fruta no Natal. Cenoura só tinha
num determinado período do ano. Então esse processo
de tropicalização de várias culturas
foi fantástico. Hoje você tem uva lá no
São Francisco e a pera está em testes por lá
também, e, muito em breve deveremos ter pera e maçã
naquela região. A questão das pastagens, das
braquiárias, que saíram de pesquisas de melhoramento
em conjunto com centros internacionais. Hoje o nosso rebanho
é alimentado por essas braquiárias na parte
tropical, com exceção ao Rio Grande do Sul e
Santa Catarina. Essas foram variedades que vieram da África
e foram melhoradas. Os sistemas de plantio com boas práticas
também foi um avanço imenso. Juntamente com
a inciativa privada, tivemos ainda o melhoramento genético
de animais, como o nelore e de raças cruzadas. Atualmente
temos uma maior diversidade da raça nelore do que o
próprio centro de origem, na Índia.
Rural - A transformação do Cerrado, por exemplo,
de uma vasta área infértil, tornou-se o grande
líder em recordes de produção, ano após
ano. Pode-se dizer que isso teve o dedo da Embrapa?
Pereira - O Cerrado é interessante dizer que foi
talvez o exemplo mais importante de uma política nacional
conjunta lá por volta do início da década
de 1980. Tivemos vários programas governamentais como
o Pró-Cerrado, outro de distribuição
de calcário, o Pró-Irrigação.
Aliado a tudo isso, a Embrapa veio com o conhecimento também
complementado por demais empresas estaduais de pesquisa. Tivemos
a oportunidade de disponibilizarmos esse conhecimento, como
todo o melhoramento da soja e de milho para as condições
do Cerrado, a produção de variedades que toleravam
mais as condições ácidas de solo da região.
Os manejos todos como a rotação de culturas,
o plantio direto, tudo isso foi feito por um trabalho em conjunto.
Rural - O que poderemos esperar para o futuro?
Pereira - Nesse caminho, com a nanotecnologia, já
estamos bem avançados, com estudos de algumas fibras
e filmes de plástico comestível, isso está
em via de ser lançado agora. Na questão de fertilizantes,
também devemos ter novidades. Temos uma rede que se
chama FertBrasil, que tem trabalhado com uma série
de novos processos de fertilização, com fertilizantes
orgânicos, que agora são trabalhados de maneira
diferente do que se pensava no passado. Alguns estão
sendo desenvolvido através de nanotecnologia. Também
devemos entrar fortemente na questão da cana-de-açúcar,
pois achamos que o poder público não pode deixar
de estar fora disso. Outra questão importante é
na gestão territorial, para mostrar a dinâmica
da nossa agricultura, mostrar para onde ela está indo.
E as variedades resistentes e trigo tropical.
Rural - Quais ainda são os desafios para a aplicação
desses conhecimentos na prática?
Pereira - Esse é de fato o grande gargalo da área.
Estamos até nos reformatando nisso, mas precisaríamos
de uma extensão rural mais ágil, forte e inovadora.
Essa é uma grande briga que temos tido, pois a Embrapa
não é uma empresa de extensão rural.
Esta tem de ser capilar, tem de estar todo o lugar, em todo
o espaço territorial, e nós não podemos
estar, pois a há uma concentração na
área da pesquisa. Então, isso é uma grande
briga que nos temos. É importante que tenhamos uma
extensão rural pública, privada, de maneira
que se possa efetivamente levar os conhecimento para a quem
de fato se destinam todos os nossos esforços.
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