"Há
20 anos tínhamos a maior granja de todo continente
americano com a criação da raça angorá",
destaca Paraschin. "Trabalhvamos com exportações
para todo o mundo. Naquela época, o nosso foco era
a obtenção de lã. Chegamos a ter dez
mil matrizes. Daquele tempo para cá, houve um declínio
do próprio mercado, que se agravou ainda mais com a
instauração do Plano Collor [em 16 de março
de 1990]. Com a alteração de toda a política
cambial no País, nosso produto perdeu o valor no mercado
internacional e aí tivemos de focar nosso trabalho
na carne do coelho".
Atualmente, o produtor centrou-se na cunicultura, a qual corresponde
a 50% entre as atividades que ele desenvolve. Nessa linha,
há ainda três segmentos distintos - o de carne,
o maior de todos, que gira em torno de 50%; pet (criação
de exemplares com potencial para animal de companhia) que
ficaria na casa de 30% da atividade; e, por fim, coelhos de
laboratório. "No total, contabilizamos por volta
de dez mil cabeças, nas quais estão 500 matrizes
e 80 reprodutores", calcula Paraschin.
Nicho ideal
Estar posicionado numa área de excelente atrativo para
o nicho de mercado de "outras carnes" é o
que motiva seu Ludwig. São Roque, por exemplo, é
também o território da alcachofra e do vinho,
consequentemente, a culinária por lá aceita,
e muito bem, a carne de coelho. Este fato é o que,
de certa forma, propicia o desenvolvimento da cunicultura
na região. Para se ter uma ideia, o abatedouro mais
próximo, em Salto de Pirapora (SP), fica cerca de 60
quilômetros da fazenda. A unidade, inclusive, é
a única de todo o País que está autorizada
a exportar o produto - operação que realmente
não ocorre pelo fato da demanda local literalmente
engolir toda a produção.
Paraschin decidiu estimular toda uma rede de criadores ao
redor dele para não ter de precisar tomar conta de
uma quantidade maciça de coelhos. Atualmente há
30 cunicultores que são parceiros da fazenda Angolana.
Cada qual passou por uma série de minicursos de como
conduzir a criação. Além de todo o suporte
técnico, os parceiros também tem acesso à
genética, insumos e toda infraestrutura necessária
para a condução da atividade. Ao final, toda
a produção é comprada pela fazenda Angolana.
"Hoje em dia se fala muito em diversidade na área
de culinária, e isso aumenta o leque de opções,
bem como o preço também. Com essa sobrevalorização,
a produção tende a ser maior", avalia o
produtor sobre os aspectos de comercialização
da carne de coelho. "Agora existe um detalhe muito importante,
hoje em dia, a nossa capacidade de produção,
em relação à demanda do frigorífico,
é muito baixa. Estamos muito longe de suprir a necessidade
do abatedouro. Para se ter uma ideia, já chegamos,
em outras épocas, a um patamar de 150 toneladas (t)
de carne de coelho por mês, com muita facilidade. Hoje,
creio que essa quantidade não passe de 30 t".
Essa falta de coelhos para abate é justamente o que
mantêm os preços aquecidos ao produtor. Neste
ponto mora a promessa de prosperidade para o negócio,
de acordo com zootecnista - especialista na criação
desse mamifero da família dos leporídeos (Oryctolagus
cuniculus) - e presidente da Associação Científica
Brasileira de Cunicultura (ACBC), Luiz Carlos Machado. "O
primeiro passo para quem quiser iniciar essa produção
é descobrir se há criadores próximos
e se há interesse de compra nesse local. Produzir não
tem problema, pode haver algumas questões iniciais
que devem ser averiguadas, mas essa não será
a maior dificuldade. O problema maior será a comercialização
do produto", destaca.
A produção de coelhos no Brasil, ainda é
pequena. Já houve momentos em que a criação
esteve maior no País, em meados da década de
1980, principalmente. Mais hoje em dia a produção
é baixa. De acordo com um levantamento de 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rebanho
foi estimado em 226.359 cabeças, com destaque para
as Regiões Sul e Sudeste. Entre os cinco Estados principais
(em ordem de grandeza do número de cabeças)
estão Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná,
Minas Gerais e São Paulo. Quando o assunto é
a produção de carne, o destaque vai para o Estado
de São Paulo, ao passo que o nicho de animais de companhia
(mercado pet) se sobressai o Rio Grande do Sul, especifica
Machado.
Manejo
Em termos gerais, a atividade na prática não
possui muitos mistérios e nem preocupações
tão preponderantes quanto ao manejo sanitário.
Para Marcos Kac, médico veterinário e também
criador desde 2004 [Granja dos Ipês, em Salto do Pirapora
(SP)], três princípios básicos devem pautar
a criação - são eles o uso de uma genética
de qualidade e apropriada, o manejo de limpeza e de reprodução
adequado e o fornecimento de uma boa ração.
"O primeiro item, limpeza, como em qualquer outro tipo
de criação, é fundamental. Se seguirmos
o modelo de criação de frango, está super
bem feito. Nesse sentido faz-se o uso de desinfetantes e vassouras
de fogo (maçarico) para o extermínio de agentes
infecciosos e patológicos. Gaiola, cochos de comida
e ninho - tudo que estiver em contato com os coelhos deve
ser limpo a cada três meses", diz Kac.
Os animais são criados em gaiolas de 80x50x35 centímetros
(cm) - comprimento, largura e altura, respectivamente. Num
modelo de engorda, por exemplo, cada gaiola pode comportar
até seis cabeças. No caso das matrizes, a malha
da grade deve ser a mais estreita possível para evitar
a saída de láparos, e deve ter dentro um caixote
que sirva de ninho para a fêmea cuidar da cria. Entre
as fases da criação, pode-se destacar - mamandos
(até 30 dias); desmamados (engorda, 30 a 60 dias);
engorda (terminação, 60 a 90 dias); e matrizes
para venda (90 até120 dias).
Entre as raças mais indicadas para corte estão
a Nova Zelândia Branca e a Califórnia, que estão
na categoria de raças médias, que chegam em
média de 5,5 quilos (kg) a 6 kg. No entanto, a melhor
segundo Kac e Paraschin é a primeira citada. "As
mães dessa raça", diz Kac, "são
as que produzem bastante, entra no cio certinho. Quando são
postas para cobertura elas emprenham facilmente, são
boas mães e cuidadosas".
O coelho é um animal muito resistente. Atualmente,
não há vacina para o coelho. A única
doença séria que poderia ocorrer é a
mixomatose, uma doença viral que dá em regiões
litorâneas, onde há mangue - e mesmo assim, o
último caso registrado, foi no Rio de Janeiro, isso
em meados da década de 1990, segundo Kac.
Eventualmente, o animal pode ser acometido por algum tipo
de diarreia, pneumonia ou mesmo sarna. Seriam enfermidades
comuns e isoladas, passíveis de ocorrer em um animal
ou outro. "Como o coelho é muito resistente, quando
ele apresentar alguma doença é porque está
mal mesmo, há casos que nem compensa tratar, bastando
descartar o animal, e se livrar logo do problema. E é
claro, todos esses problemas podem ser prevenidos com limpeza",
certifica.
A temperatura ideal do galpão onde estarão as
gaiolas tem de estar entre 18ºC a 24ºC. A recomendação,
nesse caso, é fazer com que a temperatura do barracão
fique a mais fria possível, porque os coelhos adultos
ou a partir dos 15 dias de vida, já sofrem mais com
o frio. Nessa faixa etária, só sofreriam mesmo
com o calor. "Se um dia, em especial, fizer muito sol
e a temperatura do barracão ficar muito quente [acima,
por exemplo, de 35ºC], isso não fará os
animais morrerem - eles poderão parar de comer um pouquinho,
uma fêmea que estiver amamentando terá uma produção
de leite reduzida", pondera Kac.
Reprodução
Já quando o assunto é o manejo reprodutivo dos
animais, a criação aparenta ser mais complexa.
Por isso, produtores e especialistas recomendam que, se o
produtor estiver iniciando a produção, que ele
faça com um número baixo de matrizes, para assim
aprender de forma mais tranquila os aspectos do manejo reprodutivo,
principalmente. "Então, começar devagar
irá fazer com que o interessado se adapte melhor á
criação", aconselha Machado. "Por
exemplo, pode-se iniciar a criação com 50 matrizes.
Aí seriam então 200 animais por mês para
comercialização. Isso seria mesmo para complementar
a renda. Fora a mão-de-obra, os ganhos girariam numa
média de R$ 600 a R$ 800", estima o presidente
da ACBC.
Entre as preocupações relacionadas à
condução da reprodução dos animais,
está, por exemplo, saber qual será o período
de descanso da matriz - se ela pariu hoje, que dia pode ser
cruzada novamente? Também tem de ver se o animal está
gestante ou não, e aí, com 11 dias dá
pra fazer um toque na barriga da fêmea. Se ela não
estiver prenhe, terá de ser cruzada o mais rápido
possível. Além disso, tem de controlar bem essa
cruza para evitar a consanguinidade, entre outros aspectos
que irão manter os índices produtivos bem aquecidos.
Na granja de Kac, ele dispõe um macho para cada dez
fêmeas. Segundo o médico veterinário,
horas depois do parto, a matriz já poderia ser posta
novamente a cobertura, no entanto, para manter o período
de descanso necessário, aguarda-se cerca de 12 a 15
dias para emprenhá-la de novo. Dois dias antes de partir,
deve ser preparado o ninho dela com capim e serragem - a fêmea
mesma vai fazer o ninho, tirando até pelos do próprio
peito e barriga, para manter a cria bem aquecida. "Além
de cuidar muito bem elas produzem muito", assegura Kac.
"Falamos em 50 animais por fêmea por ano, cada
um que pode chegar a uma média de 2,8 kg - com três
a quatro fêmeas chega-se a produzir um boi por ano.
Então, em menos de 10 metros quadrados a gente consegue
produzir mais de 500 quilos de carne de animal vivo por ano".
"Ento, numa criação de coelho é
essencial estar sempre de olho e pode estar certo que dá
trabalho", alerta Paraschin. "Não é
como numa criação de frango que você aperta
um botão e a comida é distribuída para
o animal. Na criação de coelho você tem
de dar ração, verificar se ele está comendo,
tem de fazer os preparativos para a cobertura, apalpação,
preparar o ninho e manter limpo o local do ambiente da criação".
Outro ponto importante para quem for iniciar esse negócio
é adquirir matrizes e reprodutores de instituições
de pesquisas que trabalham com essa espécie. Segundo
Machado, a economia é crucial no incio da atividade.
´"Em São Paulo, por exemplo, temos a Unesp.
Em Minas, tem o Instituto de Bambu, a UFMG; no Paraná,
a Universidade Estadual de MaringáÓ" enumera.
"Estas unidades teriam plantel e podem vender animais
para servir de matrizes por um preço bem menor comparado
aos praticados no mercado, pois essas instituições
não visam lucro".
Nutrição
No caso da alimentação, é importante
que o produtor avalie bem a qualidade da ração
que é fornecida aos animais. De acordo com Érika
Miklos, zootecnista, especialista na formulação
de rações para roedores e gerente de produtos
da Evialis, a nutrição tem um peso muito importante
para o desenvolvimento da atividade. "A partir do progresso
da cunicultura, crescem também as opções
de rações mais profissionais, que atendam melhor
às necessidades para a produçao de carne de
coelho. Em alguns países da Europa, com a França,
por exemplo, há opções para as diversas
categorias de animais. Isso se explica pelo tradicionalismo
dessa criação naquele País", diz
Miklos.
Com base num trabalho de pesquisa de Ana Silvia Alves Meira
Tavares Moura, Rinaldo Polastre e Elisabete Okuda Yamaguisi,
da área de Produção de Coelhos, do Departamento
de Produção Animal da Faculdade de Medicina
Veterinria e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista
"Júlio de Mesquita" (Unesp), em Botucatu
(SP), o coelho adulto chega a fazer 30 refeições
diárias de ração e água. O consumo
individual diário de ração está
em torno de 5% do peso vivo e de água 10% do peso vivo,
com temperatura ambiente de até 24ºC. Devido ao
hábito de vida predominantemente noturno, 80% do consumo
de ração ocorre das 17h00 ás 6h00 horas.
Para efeito de previsão, estima-se o consumo global
de ração em 1,0 a 1,4 quilos (kg) por gaiola-mãe
por. Uma granja com 100 matrizes, por exemplo, poderá
consumir, no total, de 100 kg a 140 kg de ração
peletizada balanceada por dia, incluindo todas as categorias
de animais. A conversão alimentar global pode chegar
de 4,5 kg a 5,0 kg de ração por quilo de peso
vivo.
Miklos destaca também é possível oferecer,
além da ração, produtos que fariam parte
da realidade da propriedade em questão - como hortaliças,
algumas especies de gramíneas como alfafa e feno, além
de cascas de bananeira, por exemplo, que são boas fontes
de fibra. "Apesar da cenoura ser o legume mais relacionado
ao coelho, de fato, ela não chega a ser o alimento
mais apetitoso para o animal. No desenvolvimento das rações,
buscamos sempre algo de diferencial que atraia o paladar dessa
espécie além de garantir um programa de alimentação
bem balanceado", atesta Miklos. Em termos gerais, este
programa é estabelecido com o uso de ingredientes como
os grãos de cereais e subprodutos como o milho e o
farelo de trigo (fontes mais importantes de energia), o farelo
de soja (fonte de proteínas, principalmente), fenos
de gramíneas ou leguminosas, palhas e cascas (fontes
de fibra), sal comum, minerais e vitaminas.
Desafios da cunicultura
Diante de todos os conceitos e expectativas, a criação
tem de enfrentar a barreira cultural para realmente se estabelecer
no País. De acordo com Machado, é estimado que
o brasileiro coma cerca de 100 gramas de carne de coelho por
ano - um mero bife per capita. "Ele não vê
isso como uma carne nutritiva. Isso se explica por uma questão
cultural e também de preço. A carne de frango
ainda é muito mais barato, quando a de coelho é
muito mais elitizada - pode variar em média de R$ 15
a R$ 16 o quilo. Se for olhar nas grandes redes de supermercados,
esse valor pode chegar a mais de R$ 20", avalia. No entanto,
o animal produz uma carne com alto teor de proteína,
pouca gordura e bastante digestível, ideal para pessoas
que estão recuperação médica ou
de dieta ou mesmo para pessoas da melhor idade.
Outro aspecto positivo é a gama de produtos que podem
se ter a partir do coelho, bem como é a um produção
ambientalmente responsável - enquadrando-se perfeitamente
nos moldes de uma atividade sustentável. A produção
faz o uso de pouca água, exige pouco espaço
e produz um esterco com os melhores índices de fertilidade,
comparado ao de outras espécies também direcionadas
para corte. Além disso, o retorno dos investimentos
pode ser rápido. Em média, cinco meses depois
do início do estabelecimento do negócio.
Infelizmente, pelo mercado não ter tanta estrutura
ainda, muitas vezes, falta incentivos para a criação
de novos abatedouros. "Como então abater coelhos
no Ceará, se não há unidades adequadas
para se fazer isso lá? O jeito é fazer o abate
por conta própria, sem fiscalização mesmo.
Assim como há muita gente trabalha com o frango caipira",
diz Machado. Fora essa desorganização do mercado
e a falta de abatedouros, o setor perece ainda com poucas
opçõess de rações de qualidade,
falta de políticas que ajudem a estruturação
de políticas específicas, como há para
a avicultura e a bovinocultura, alem da falta de divulgaçao
da carne de coelho. No entanto, a expectativa é grande
em alguns nichos e o preço se mantêm forte e
atrativo.
Para saber mais:
Associação Científica Brasileira de Cunicultura
(ACBC)
http://www.acbc.org.br/
(37) 3431-4964
Fazenda Angolana
http://www.fazendaangolana.com.br
(11) 4711-1640
Granja dos Ipês
http://www.coelhoreal.com.br/
(15) 3492-6862
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