Revista
Rural - Qual será efetivamente o trabalho desempenhado
pela entidade nos primeiros anos da entidade?
José Otávio Machado Menten - São
duas vertentes que estão caminhando paralela e simultaneamente.
A primeira é mostrar para a sociedade, em especial
à mídia, que nós existimos e para que
viemos. Queremos mostrar que somos uma entidade imparcial,
ética e transparente, constituída por pesquisadores,
professores e pessoas que pensam a agricultura, considerando
os aspectos científicos e tecnológicos. Isso
é a primeira coisa, consolidar essa imagem e nos colocarmos,
com uma pretensão um pouco audaciosa, como referência.
Se alguém tiver alguma dúvida a respeito de
sustentabilidade na agricultura, nos procure para que possa
opinar. Para isso, precisamos ter conteúdo. Então,
estamos pedindo que os nossos associados apresentem as suas
ideias - isso aí passa por um crivo - que são
os papers [publicação de um estudo científico]
e artigos que estamos disponibilizando na Internet. Isso é
então a consolidação da entidade, conquistando
a credibilidade e a visibilidade necessária para que
os nossos objetivos sejam atingidos. A outra vertente é
buscar, dentro da academia e instituições de
pesquisa e ensino, pessoas que, além de serem especialistas
reconhecidos pela atividade que desempenham, se disponham
a usar uma parte do tempo, que extrapole os limites do laboratório,
da sala de aula, das revistas nas quais estão acostumados
a escrever os papers, para que o seu conhecimento chegue à
sociedade. E não é fácil achar o cientista
com essa visão. Isso porque ele está acostumado
a tão só escrever o trabalho científico.
A avaliação da produtividade dele está
relacionada ao número de papers que publica nas revistas
científicas. Então, o pesquisador acaba achando
que é uma perda de tempo escrever para sociedade, e
sim, escrever para seus pares. Nesse sentido, precisamos escolher
a dedo, nesse universo de excelentes pesquisadores na área
da agricultura que nós temos no Brasil, justamente
aqueles que tenham a vocação de querer conversar
com a sociedade - e isso vai ser um processo contínuo.
Devemos, ao longo do tempo, escolher as pessoas que se encaixem
nessa visão - que além de trazerem uma formação
sólida acadêmica, tenham a habilidade de transmitir
de forma clara e precisa seus pareceres e estudos à
sociedade.
Rural
- Que desafios são esperados nesse momento?
Menten - Creio o grande desafio será consolidar
uma visão do CCAS, porque somos cabeças diferentes.
Já somos 16 pessoas, cada qual com um grau diferente
- em nosso grupo, por exemplo, há desde o professor de
Química Pura até uma pessoa que atua na área
de comunicação. Nesse sentido, temos de tentar
entrar em consenso no próprio grupo, e isso é
uma dificuldade pela própria limitação
de tempo que os integrantes dispõem. Em nosso conselho,
as pessoas que encontramos são coincidentemente as mais
atarefadas, cada qual com suas atividades de ensino, pesquisa
e extensão,
ou mesmo com compromissos já assumidos em congressos
nacionais e internacionais. Precisamos de tempo para analisar
e dar nosso parecer sobre os temas que mais têm chamado
a atenção, como agroenergia, produção
de alimentos, meio ambiente e Código Florestal. A partir
de nossas discussões acadêmicas internas, poderemos
expor para a sociedade uma visão abrangente sobre cada
tema, que será uma visão do CCAS - e não
uma opinião de um ou de outro. Ainda faltam especialistas
para compor o grupo, como o caso de um na área de produção
animal, que talvez seja uma das áreas mais sensíveis
do agronegócio, como a produção de gado.
Muitos se perguntam dessa área de 200 milhões
de hectares de áreas de pastagens que poderiam ser convertidas
para a agricultura. Se conseguimos uma revolução
na área de produção de grãos, por
que então estacionamos na área de produção
animal? O que está faltando para termos ao invés
de uma cabeça para cada hectare, duas cabeças
por hectare? O que está acontecendo que não estamos
melhorando as nossas pastagens? Para responder essas questões,
estamos na busca de um especialista nesse assunto. Há
outras áreas que também precisamos de pessoas
que possam contribuir como, por exemplo, em biotecnologia. Ainda,
temos de congregar mais gente jovem e representantes de outras
regiões do País para garantir a amplitude e pluralidade
que queremos dar ao CCAS.
Rural - Em termos de pesquisas, como o Brasil está
perante o resto do mundo no campo de tecnologias e técnicas
de produção sustentável no campo?
Menten - Acredito que o País vem muito bem nesse
sentido. Falando de uma forma mais direta, o Brasil, hoje, é
o principal país que detém a tecnologia agrícola
tropical. Isso é decorrente de um grande investimento
que houve a partir dos anos de 1970. Investimos muito na formação
de técnicos graças ao aprendizado básico
do exterior, mandamos muitos estudantes, e eu me incluo nisso
aí, para se aprimorar na área agropecuária
em todos os setores. Isso coincidiu com a formação
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
aliada a outras instituições importantes como
o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o Instituto
Biológico (IB) [São Paulo (SP)], o Instituto de
Economia Agrícola (IEA), o Instituto Agronômico
do Paraná (Iapar), o Instituto do Rio Grande do Sul e
do Nordeste. A Embrapa pôde consolidar essa pesquisa agropecuária
nacional, aliada às universidades que também se
fortaleceram com o passar dos anos. Temos hoje cerca de umas
170 a 180 escolas de engenharia agronômica e ciências
agrárias no Brasil. Então, temos massa crítica
- pessoas que pensam, ensinam e pesquisam agricultura. Além
disso, formamos pesquisadores que enxergam claramente que as
soluções não são só econômicas,
mas que as respostas tecnológicas para a nossa agricultura
têm necessariamente de agregar as vertentes social e ambiental,
senão, essa tecnologia não poderá ser implantada.
Mas ainda temos muito de fazer. Hoje, se formos falar em agricultura
sustentável, nós temos de desenvolver por aqui,
por exemplo, indicadores de sustentabilidade. Temos de ter uma
métrica de quanto que estamos emitindo de gases de efeito
estufa [GEEs] para saber qual é a participação
da agricultura e da pecuária na produção
desses gases. Se não medirmos isso, não teremos
dados quantitativos dessas ações, e, consequentemente,
será muito mais difícil convencermos o segmento
todo da necessidade de mudança.
Rural - Diante dessas mudanças de paradigmas, a exemplo
da iminência de um novo Código Florestal Brasileiro,
como a entidade estará preparada para tornar clara a
mensagem de uma produção que seja economicamente
viável, socialmente justa e ambientalmente responsável?
Menten - Para isso, devem ser trabalhadas duas vertentes.
A primeira é a partir de um trabalho junto com os órgãos
de comunicação de massa. Por exemplo, essa campanha
'Sou Agro', acho que ela é muito importante para se mostrar
à sociedade como um todo o que é o setor agro
brasileiro. No entanto, a segunda vertente importante é
um maior investimento na educação - este seria
um processo muito mais lento, de transferência desse conhecimento,
mas é de acordar isso de maneira clara em todas as escolas.
Se imaginarmos que temos ao redor de 250 escolas [faculdades
e escolas técnicas] na área de agricultura no
País, então há centenas ou milhares de
professores que, se bem preparados para determinados assuntos
mais sensíveis - e um deles é o Código
Florestal -, poderão fazer abordagens equilibradas, baseadas
em conhecimentos técnicos, em sala de aula. Estimamos
que hoje chega a se formar cerca de sete a oito mil engenheiros
agrônomos por ano no Brasil, isso sem falar em engenheiros
florestais. Então é muita gente nova ingressando,
e, talvez, nem todos estejam sendo preparados para abordar os
assuntos mais delicados ou polêmicos. Esse profissional
aprende muito bem como plantar, as técnicas e os processos
de produção - isso é ensinado muito bem
nas escolas. O que temos de incorporar mais nas discussões
são temas que abordem os aspectos ambientais, sociais
e econômicos da atividade agropecuária, e não
ficar só de olho no processo de produção
em si. Está aí uma grande responsabilidade: a
melhoria do ensino de graduação, pós-graduação
e mesmo o ensino médio - o ensino técnico agrícola.
Rural
- Que tecnologias do setor podem ser destacadas e que, certamente,
podem influenciar positivamente a opinião das pessoas
sobre a condução responsável da agricultura?
Menten - O grande exemplo é sem dúvida a técnica
de plantio direto, que se foi implantada com muito sucesso desde
a década de 1970, mas acho que toda essa parte de correção
do solo através de calcário, para se reduzir a
acidez dos solos do País, foi fundamental para que pudéssemos
ocupar a região dos Cerrados com a produção
de grãos. Isso foram tecnologias do passado, mas que
nos levaram a alcançar os maiores patamares de produção,
como foi o exemplo da área de fertilização
e o uso racional de insumos. Agora, nós estamos num ponto
no qual temos duas tecnologias que estão em fase de consolidação.
A primeira é a biotecnologia, através da obtenção
de organismos geneticamente modificados [OGMs]. Estes ainda
não são muito bem compreendidos pela sociedade,
pois são tachados como problemas, ao passo que entendemos
que os transgênicos podem ser a solução.
De fato, uma solução extremamente inteligente
geradas por quem estudou muito para conseguir desenvolver essa
forma de melhoramento de plantas. Outra tecnologia de destaque
que vem ganhando força ultimamente é a agricultura
de precisão. Nela, poderemos incorporar todo o conhecimento
para tomar decisões independente da diversidade de ambientes
dentro de uma propriedade. Ou seja, hoje, tenho condições,
através de um planejamento, de estabelecer determinados
manejos necessários numa faixa muito específica
dentro da área de cultivo, e não mais em toda
a área destinada à lavoura. Então a agricultura
de precisão e a biotecnologia são duas tecnologias
que vamos incorporar, e que ainda precisam ser bem compreendidas.
Dentro da transgenia, um exemplo muito bom, foi o lançamento
do feijão resistente ao vírus do mosaico dourado
- um resultado de um trabalho de talvez uns 25 ou 30 anos de
estudo. Agora sai essa variedade de feijão transgênico
- que é uma cultura essencial para o alimento do brasileiro.
E não se trata de um material resistente a herbicida,
e sim, de um vírus que limita o cultivo do feijão
em determinadas áreas e períodos do ano no Brasil.
O advento dessa tecnologia deverá minimizar a utilização
de defensivos agrícolas, pois não se precisará
mais controlar a mosca branca que é o vetor desse vírus.
A partir daí, isso vai possibilitar o estabelecimento
da cultura do feijão em regiões onde ele foi praticamente
banido, tal era a severidade e agressividade dessa doença.
Outra tecnologia que deve ser incorporada futuramente talvez
seja a nanotecnologia. Acho que esta também vai ter uma
grande aplicação dentro da agricultura. |