Com
um pouco de trabalho, ele e a esposa começaram a trabalhar
nela, adubando e introduzindo calcário. Hortaliças
e legumes foram as opções que eles puderam levar
a diante, como batatinha, mandioquinha e gengibre - este último
foi bem explorado, mas com o crescimento do cultivo dele por
lá, os preços caíram e aí tornou
a cultura menos atrativa.
Seu Ono já fez parte de uma cooperativa de produtores
de verduras por lá, com vendas diretas para feirantes
e para Santos. Segundo ele, retorno financeiro não
houve - "só o suficiente mesmo pra viver",
conta em tom bem-humorado.
Mas havia um morador por aquelas bandas que o produtor, no
início, ainda não conhecia. Ele ouvia histórias
de um fruto que era usado para a produção de
cachaça - este era engarrafado junto com a bebida,
e com o tempo, dava um sabor especial à aguardente.
Era o cambuci - fruto de aparência curiosa (por isso
seu exotismo), lembra um disco voador, mas há indícios
que seu nome deriva do tupi-guarani 'kãmu-si', que
significa 'pote d'água' (a forma do fruto remete a
dos vasos cerâmicos que os indígenas produziam).
Parente da goiaba e da pitanga, o cambuci é caracterizado
pela sua riqueza em vitamina C e por ser muito azedo ao nosso
paladar - por essa razão, não é um fruta
para se saborear in natura como suas 'primas'. O uso dele
na cachaça é bastante antigo, remetendo a época
que os tropeiros cavalgavam pela região, abrindo acessos
para o desenvolvimento das cidades.
Seu Ono experimentou e gostou bastante do sabor do fruto dentro
da cachaça. Foi aí que ele decidiu plantar um
pé em sua propriedade pra poder fazer sua própria
cachaça, dez anos depois de ter chegado a Rio Grande
da Serra. "Bebia bastante, ih... mas já faz muito
tempo, quando eu era mais novo", lembra o descendente
japonês com bastante saudosismo.
Unidos pela preservação
O mesmo sentimento saudosista parece ser compartilhado com
todas as pessoas que tiveram o cambuci presente na vida delas.
Este, por exemplo, foi o motor para a criação
de uma cooperativa de produtores do fruto - especificamente
a Cooperativa dos Produtores de Cambuci e Derivados de Rio
Grande da Serra (Cooper Cambucy da Serra). Fundada em 2006,
a entidade, que atualmente conta com 23 cooperados, tinha
a intensão de fazer esse resgate cultural do fruto,
além de tirar a planta do risco de extinção
e garantir retorno econômico para a comunidade. "O
cambuci estava na lista de frutos que corriam o risco de extinção,
e por isso resolvemos reverter esse quadro, proporcionando
até a melhoria da qualidade de vida das pessoas, aqui
da região", conta Nancy Soares de Carvalho, psicóloga,
funcionária pública e, também, produtora
de cambuci. Ela ressaltou que, com a atuação
da cooperativa, moradores que antes trabalhavam catando lixo
na rua começaram a garantir renda com a venda do fruto
dos pés que tinham no quintal de suas casas.
Ela mesma conta que quando chegou à cidade, há
cerca de 30 anos, não fazia ideia do que era o cambuci.
"Na época, contratei um lenheiro, seu José,
para abrir a área para dar início à construção.
Percebi que ele abria uma clareira, mas deixava algumas árvores.
Cheguei a comentar se não era mais fácil derrubar
tudo, pois não ia fazer pasto, e por isso não
precisaria de sombra. Foi aí que ele me disse que a
árvore em questão se tratava de um pé
de cambuci".
Pelo relato que ela ouviu do próprio seu José
e de moradores vizinhos, tanto a árvore quanto o fruto
tinham certo respeito pela população - quando
se falava neles, o que se sentia era como se a árvore
fosse como um ente muito querido. O saudosismo pela planta,
Carvalho também comprovou via e-mail - uma senhora
de 75 anos, moradora de Pirassununga (SP), igualmente apaixonada
pelo cambuci, ficara feliz em saber sobre o trabalho da cooperativa
e pediu se seria possível ter uma muda para plantar
no jardim dela. "Isso, eu gostaria de fazer pessoalmente",
declarou Carvalho. "E gostaria de estar junto para plantar
esse pé - é algo para ficar na história".
Da cachaça ao sorvete
A produção da cachaça era a tradição
local. Os vizinhos de Nancy pediam para entrar na propriedade
e colher os frutos caídos no chão. Posteriormente,
eles voltavam com garrafas e mais garrafas de cachaça
feitas com o cambuci dentro. "Daí, também
resolvi fazer a minha cachaça, e dava para amigos,
que também não conheciam o fruto".
Numa reunião com amigos - todos também com sua
própria história e vivência com o fruto
- Nancy e os demais resolveram abrir a cooperativa para fazer
todo um trabalho de resgate do fruto, além de descobrir
novas formas e produtos a partir dessa iguaria.
A cachaça é feita em processo de infusão
com o fruto em tonéis de alumínio. Além
dela, são produzidos licor, geleia, compota, sorvete
e uma bebida estilo 'ice' - alcoólico gaseificado -
feito artesanalmente. De acordo com Carvalho, os trâmites
ainda estão no início, em fase de regularização
do espaço e das autorizações da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) e da Receita Federal - esta última que realmente
falta a autorização.
Colhendo os frutos
A expectativa é grande por parte dos cooperados - até
pedido dos Estados Unidos eles já receberam, mas, sem
as devidas autorizações, o comércio mesmo
tem de ser feito em feiras e eventos gastronômicos.
A produção atual também não suportaria
a demanda, mesmo se estivesse tudo regularizado.
Cada cooperado tem uma cota mínima de 200 quilos (kg)
de fruto para entregar à cooperativa - isso corresponde
à produção de um cambucizeiro numa safra,
que vai de março a maio, em geral. No entanto, grande
parte da produção, ou seja, cerca de 60%, vem
das mãos da comunidade, que detém pés
de cambuci em suas casas. Todos são devidamente cadastrados
e instruídos da melhor forma de "colheita".
Maria Ivone da Silva, funcionária pública e
também integrante da cooperativa, é a exímia
'caçadora' de cambucizeiros da região. Ela faz
o cadastro do produtor familiar, da árvore e já
faz uma pré-classificação da qualidade
do fruto.
A recomendação é que de fato os frutos
não sejam colhidos e sim catados do chão - pois
estes estão na maturação adequada. Nesse
sentido, Ivone recomenda que se faça uma espécie
de 'cama' debaixo do pé, para que o cambuci não
se prejudique com a queda. Ao todo, cerca de 40 famílias
foram cadastradas pela Cooper Cambucy da Serra. A colheita
é até feita pelos cooperados, que conseguem
melhor classificar os frutos em tamanho e padrão certos.
Em alguns casos, há quem faça a própria
colheita, por já saber da classificação
e como selecionar os frutos. São pagos R$ 1 o quilo
do produto, quando é colhido pela cooperativa, e R$
2 para os frutos já selecionados.
Rota Gastronômica do Cambuci
A prática deu tão certo que os moradores já
fazem de tudo para cuidar de seus pés para garantir
uma boa safra. Seu Ono é um deles - este, que já
entrega o produto selecionado e bem acondicionado. Na área
dele há mais de 50 pés, dos quais cerca de 25
já estão em produção.
A mulher dele, dona Satomi, é a especialista na retirada
e preparo das sementes e na produção de mudas.
Muita paciência e dedicação são
os recursos que ela detém para garantir o estabelecimento
da planta na propriedade.
Nancy também possui atualmente 400 pés na propriedade
dela, mas apenas cinco estão efetivamente ativos. Um,
em especial, com cerca de 60 anos. O problema todo incide
basicamente no tempo que a planta leva para entrar em produção,
cerca de cinco a sete anos - mas a espera parece ser recompensadora.
O sucesso da produção foi enaltecido com a criação
da Rota Gastronômica do Cambuci, em 2009. Aí,
além de Rio Grande da Serra, participaram demais municípios
que integram o cinturão verde do Estado de São
Paulo, como Paraibuna, Salesópolis, Paranapiacaba,
Caraguatatuba, Ilha Bela e Natividade da Serra. Este ano,
na terceira edição do festival, entraram São
Paulo e Mogi das Cruzes. "Um trabalho como esse é
de grande valia tanto para o desenvolvimento humano com para
a recuperação da Mata Atlântica",
revela Gabriel Menezes, presidente da Associação
Holística de Participação Comunitária
Ecológica (Ahpce). A entidade atuou conjuntamente com
a Secretaria Municipal de Participação e Parcerias
da Prefeitura de São Paulo, através da Incubadora
de Projetos Sociais Autofinanciados, na organização
do evento.
A ideia do incentivo à produção de cambuci
vai de encontro com os projetos de ecoempreededorismo e de
conservação ambiental promovidos pela Ahpce,
desde 2008. Atualmente a entidade coordena uma rede com 18
unidades em 16 municípios que trabalham com jovens,
através do Programa de Jovens - Meio Ambiente e integração
Social (PJ Mais). "Trata-se de uma estratégia
de conservação da Reserva da Biosfera do Cinturão
Verde de São Paulo (RBCV), desde sua criação
em 1994, promovendo a formação integral e ecoprofissional",
destaca Menezes.
Participam jovens entre 15 e 21 anos de idade, através
de seis oficinas temáticas, como agroindústria
artesanal; consumo; lixo e arte; produção e
manejo agrícola florestal sustentável; turismo
sustentável; formação integral e iniciação
científica.
Com a rota foi possível então trabalhar com
esses jovens que estão ligados a famílias de
pequenos produtores rurais, estabelecidas em áreas
compreendidas como zona de amortecimento - a faixa de transição
entre a zona urbana e as áreas florestais propriamente
ditas. De acordo com Menezes, com o incentivo do cambuci,
por exemplo, as pessoas garantem uma renda maior e uma opção
de trabalho, aliada a promoção do conceito agroflorestal
e de manutenção da mata nativa. Nesse caso ganham
tanto o homem quanto a natureza.
Manejo cultural
O cambucizeiro pertence à família Myrtaceae,
na qual também estão a goiaba, a jabuticaba
e a pitanga, por exemplo. Outros nomes mais exóticos
dessa família são o jambeiro e o australiano
eucaliptus. "A classificação botânica
é Campomanesia phaea", explica Antonio Baldo Geraldo
Martins, professor e pesquisador de fruticultura da Faculdade
de Ciências Agrárias e Veterinárias da
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita
Filho" (FCAV/Unesp), do Campus de Jaboticabal. "Por
ser uma planta ainda não domesticada, não se
tem cultivares, sendo que na natureza existem indivíduos,
ou seja, plantas originadas por sementes com características
próprias, as quais devem ainda ser analisadas e fixadas
por algum tipo de propagação vegetativa. Seu
centro de origem é a Mata Atlântica, sendo restrita
a este ecossistema; no entanto, foi levada para outras regiões,
onde tem se desenvolvido bem".
Pelo fato do cambucizeiro ser uma planta ainda praticamente
desconhecida, de acordo com Martins, quase não se tem
trabalhos sobre ela. Nesse sentido, as recomendações
para um cultivo inicial são baseadas em manejos já
utilizados em outras culturas frutíferas. "O solo
deve ser profundo, bem drenado e rico em matéria orgânica
natural ou em forma de adubo. O ideal para que se inicie um
plantio é a realização de uma análise
do solo e correção da saturação,
em bases para valores próximos de 60%", aconselha
o pesquisador.
No plantio, devem-se fazer covas de pelo menos 40x40x40 centímetros
(largura, comprimento e profundidade, respectivamente) que
devem ser enriquecidas com 15 a 20 litros de esterco de curral
bem curtido e 150 a 200 g de fósforo. Logo após
o plantio, é importante que se faça uma irrigação
com 15 a 20 litros de água por cova. "Isto vai
permitir que elas tenham um bom desenvolvimento inicial das
raízes. Por ser uma planta da Mata Atlântica,
não deve passar por longos períodos de estiagem
sem ser irrigada, embora se tenha conhecimento de plantas
que resistem bem a longos períodos de seca. Para um
bom crescimento e produção deve-se, periodicamente,
fornecer nutrientes como nitrogênio, potássio
e fósforo", acrescenta Martins.
Quanto ao espaçamento, se o pomar for conduzido com
podas de formação, manutenção
e produção, devem ser de 4x4 metros (m); se
não, 4x6 m, podendo, nos quatros primeiros anos, ter
coletivo intercalado com plantas de pequeno porte e com ciclo
curto, tais como abóbora ou tomate. "A cultura
deve ser sempre mantida sem competição, mas
ao mesmo tempo é interessante que o solo esteja sempre
coberto por vegetação que deve ser controlada.
Quanto a pragas e doenças, não se tem descrição,
mas provavelmente, quando o cambuci for mantido em cultivo,
poderá ser alvo daquelas comuns a outras mirtáceas,
em especial as da goiabeira, como ferrugem, brocas, percevejos
e besouros", destaca o pesquisador.
A poda de formação serve para conduzir a planta,
desde a época do plantio em porte baixo, deixando o
tronco principal com cerca de 1 m de altura e conduzindo os
ramos secundários a partir desta formação
inicial. Já a poda de manutenção deve
ser realizada durante toda a vida da planta, eliminando-se
ou reduzindo (como for o caso) os ramos secos, mal posicionados,
doentes e com crescimento muito vigoroso. Finalmente, a poda
de produção deve ser feita após a colheita,
uma vez que os frutos surgem nos ramos da estação,
fazendo com que as plantas tenham um maior número de
ponteiros.
Enxertia
por garfagem
Seu
Ono gosta de experimentar novidades na propriedade dele. A
mais recente era uma técnica repassada por um conhecido
para se obter uma de muda cambuci a partir de um galho da
planta. No caso, ele enrolou um pedaço de esponja no
galho e enfaixou o local com plástico. Com a alta umidade
encharcando a esponja, do galho sairia raízes, daí
isso, segundo o produtor, poderia ser plantado.
Na realidade isso tudo está sendo uma experiência
que ele ainda não obteve resultado com o cambucizeiro,
mas disse que com a jabuticaba deu certo. A técnica
em questão chama-se mergulhia aérea ou alporquia,
segundo Martins. No entanto, o pesquisador não vê
muito sucesso com o cambuci.
Martins indica a enxertia por garfagem, que pode garantir
melhor resultado. Essa técnica é o processo
no qual o enxerto é um segmento de ramo de 6 a 8 cm
de comprimento e deve estar num estádio de desenvolvimento
o mais semelhante possível com o do porta-enxerto.
O porta-enxerto é uma planta de cambuci originada de
semente que, com cerca de 1 ano de idade, terá a 20cm
do solo cerca de 0,8 cm de diâmetro, aí será
o local da enxertia. O porta-enxerto e o garfo devem estar
no mesmo estádio de desenvolvimento, ou seja, no mesmo
grau de lignificação. "A vantagem da enxertia
por garfagem é que o garfo, que vai formar a nova copa,
foi retirado de planta em produção, desta forma
a produção se dará antes que o de uma
planta originada de semente e do mesmo porte, além
disto, os frutos e quantidade a ser produzida serão
semelhantes ao da planta em que os garfos foram retirados,
resultando em pomares uniformes", destaca Martins. Confira
o passo a passo dessa técnica:
1) faz-se a decapitação do porta-enxerto, a
cerca de 20 cm do colo, neste local faz-se um corte longitudinal
de cerca de 2,0 cm de comprimento;
2) o garfo (ramo retirado da planta matriz já em produção
e com 6-8cm) terá sua base cortada em cunha (o corte
deverá ter também cerca de 2,0 cm);
3) insere-se o garfo no corte do porta-enxerto, amarra-se
bem com fitilho plástico para que sejam mantidos em
contato até que ocorra a união e, todo o garfo
deve ser protegido por um saquinho plástico para evitar
a perda de umidade;
4) o saquinho deve ser retirado tão logo as gemas do
enxerto comecem a brotar, e cerca de 3 meses após retira-se
o fitilho;
5) quando a planta enxertada estiver com cerca de 50 cm de
altura poderá ser levada para plantio no campo.
|