Essa
história começou em 1990, com a introdução
da amora-preta, com, aproximadamente, o trabalho de uma dúzia
de produtores. Hoje, na região de Grande Vacaria, são
mais de 300 famílias envolvidas na produção.
Mais de 110 delas estão representadas pela Associação
dos Produtores de Pequenas Frutas de Vacaria, a Appefrutas,
existente há quatro anos e dirigida atualmente por Jair
de Souza Vargas. "A maioria dos agricultores familiares
buscava uma alternativa de renda para permanecer no meio rural.
Tradicionalmente, tínhamos a pecuária e pequenos
campos de grãos, que foram se inviabilizando. Foi neste
cenário que surgiram os primeiros pomares, que se aperfeiçoaram
e fizeram com que a região se tornasse referência
tanto na amora, quanto nas demais outras frutas", conta
o presidente da entidade.
A família de Jair de Souza iniciou o cultivo da amora-preta
em 1997 e a partir de 2001 conseguiu o contrato com uma indústria
que absorveria sua produção. Foi daí que
houve o interesse em diversificar a produção.
Em 2003, com o mirtilo e, cerca de três ou quatro anos
depois, com a framboesa. Ele conta que, individualmente, ter
capacidade de negociar volume e preço com os compradores
não era uma tarefa fácil e que foi com o estabelecimento
da associação que foi possível melhorar
a comércio e o próprio desenvolvimento da atividade.
"A agricultura familiar precisava dessa força. Desde
o início priorizamos organização e qualificação.
Buscamos geralmente nos núcleos o aperfeiçoamento
desde a produção, passando pela poda e manejo,
pós-colheita, transporte e armazenagem. Enfim, todos
os cuidados para que chegue uma fruta de qualidade no mercado",
destaca. Para isso, cursos são realizados durante o ano
e a entidade trabalha em conjunto com a prefeitura local, sindicatos,
com o Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas Empresas
(Sebrae) e com a Associação Riograndense de Empreendimentos
de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater/RS-ASCAR).
Nos últimos dois anos, os produtores têm buscado
aperfeiçoamento em processos industriais para aumentar
a renda e agregar valor à produção com
os produtos processados. "No final do ano passado, surgiu
a iniciativa de formarmos uma cooperativa, a Coopefrutas. Com
ela, será possível colocarmos no mercado itens
como sucos, congelados, polpas e geleias. Trata-se de uma nova
exploração, uma alternativa para o consumidor
que busca produtos saudáveis e diferenciados. Acreditamos
na expansão do potencial dessas frutas em todo o Brasil",
resume Jair, lembrando dos benefícios que elas trazem
à saúde, principalmente por conta da presença
de antioxidantes e outros compostos de interesse nutricional.
O exemplo e os desafios de Vacaria
Para o pesquisador Alexandre Hoffmann, supervisor de Comunicação
e Negócios da Embrapa Uva e Vinho, não há
dúvida de que as berries sejam uma boa notícia
no panorama agrícola nacional, apesar da produção
ainda ser pequena e recente. Entretanto, o fato é que
elas proporcionam elevada renda por unidade de área e
exigem intensa mão de obra, o que as caracterizam como
apropriadas para a sustentabilidade da agricultura familiar.
"E Vacaria é um dos melhores exemplos desta realidade.
Os produtores tiveram de superar várias barreiras, em
especial, de cunho tecnológico e de mercado. Produzir
foi o primeiro entrave e, atualmente, o desafio é a comercialização,
já que o número de fruticultores e a oferta de
produto no mercado se ampliaram expressivamente nos últimos
anos", diz.
Segundo ele, apesar do interesse do consumidor, o mercado ainda
precisa ser desenvolvido para estimular a compra, especialmente
com o apelo dos benefícios para a saúde. "Mas
os ganhos têm sido significativos, tanto na renda do produtor
quanto na sua especialização e domínio
do manejo com a lavoura. Outros avanços importantes têm
sido a qualificação de técnicos, o envolvimento
com os pesquisadores e a promoção de eventos,
tais como o Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas,
realizado a cada dois anos, no município, com a parceria
de diversas instituições, tais como Emater, Prefeitura
Municipal e Universidade de Caxias do Sul (UCS), além
de dias de campo, palestras, seminários e outros eventos.
Merece ainda destaque a própria Apperfrutas, que tem
permitido a organização da cadeia e que contribui
significativamente para a sustentabilidade da atividade".
Com exceção do morango, as pequenas frutas são
espécies novas para o Brasil e isso implica em desafios
a serem vencidos. "Dentre eles estão a definição
de cultivares, ajuste do sistema de produção,
tecnologia de colheita e pós-colheita, registro de produtos
para controle de pragas e doenças", explica Hoffmann.
Para ele, é exatamente ai que entra a contribuição
da Embrapa. O trabalho é desenvolvido pelas unidades
Clima Temperado e Uva e Vinho, sendo que esta segunda mantém
no município uma estação experimental que,
entre outras culturas, desenvolve tecnologias para essas frutas.
"O mirtilo é uma das espécies do grupo que
mais tem chamado a atenção, pela oportunidade
de retorno financeiro, como também pela oferta de um
produto pelo qual o mercado tem grande interesse. Para esse
fruto, nosso trabalho tem sido centrado na avaliação
e indicação de cultivares, definição
de manejo do solo e adubação, bem como em estudos
de pós-colheita", frisa. A unidade desenvolve ações
de melhoramento genético para futura criação
de cultivares.
Assim como Jair de Souza, Alexandre Hoffmann também acredita
que o potencial de demanda é grande e crescente, tanto
na forma in natura quanto de processados. "Mas o mercado
precisa ser ampliado e, neste sentido, é essencial dar
atenção às campanhas de promoção
e eventos com a mesma finalidade, nos quais a Embrapa Uva e
Vinho contribui com informações tecnológicas
que subsidiam a divulgação das vantagens do consumo
dessas frutas. Um grande passo neste sentido refere-se à
Feira de Pequenas Frutas e à do Artesanato e Mel, que
projeta não somente o município de Vacaria, como
também as frutas e seus benefícios", exemplifica.
Lado a lado com a associação, também está
a Emater, que tem procurado discutir alternativas de mercado
e atualizar os fruticultores na questão de manejo dos
pomares, dando grande ênfase para a produção
limpa e à questão de boas práticas agrícolas,
conforme aponta o engenheiro agrônomo Eduardo Pagot. "Todos
os processos que envolvem essas culturas tão delicadas
exigem o máximo de atenção. Um dos principais
pontos do trabalho atual é capacitar e qualificar pessoas
para fazer a gestão da nova cooperativa e da agroindústria
e de todo o processo gerencial desse empreendimento. Esperamos
e vamos fazer o possível para que ela se transforme em
um grande canal de comercialização para os produtores
familiares ao mesmo tempo vemos que a iniciativa privada está
interessada nas frutas da região", diz.
Apostas no mirtilo
Apesar de uma empresa de capital italiano e brasileiro realizar
o plantio do mirtilo desde o início da década
de 1990, foi só a cerca de quatro anos que os pomares
da região se expandiram. O que significa que eles ainda
não atingiram idade adulta, ou seja, a produtividade
máxima. "Eles estão em processo de crescimento.
O mirtilo tem um custo de implantação mais alto
e a dificuldade de produção de mudas também
é maior que das outras frutas. É uma cultura para
a qual acreditamos na manutenção de área
e até mesmo um pequeno acréscimo. Temos empresas
chilenas importando-o, mas a dificuldade dos produtores é
distribuí-lo para os grandes centros urbanos. O mirtilo
pega carona na logística do morango e vale lembrar que
de todas as pequenas frutas, ele é o que tem melhor pós-colheita
e chega a durar mais de 20 dias em câmera fria",
salienta.
De acordo com Pagot, atualmente, em Vacaria, existem dois viveiros
de produção de mudas bem instalados e excelente
tecnologia. No início se importava muito material in
vitro do Uruguai, que tem uma estrutura forte no desenvolvimento
de mirtilo. "São grandes empresas que exportam pros
Estados Unidos e Europa e que hoje veem o mercado brasileiro
como potencial".
A pesquisadora Andrea de Rossi Rufato, da Estação
Experimental de Fruticultura Temperada da Embrapa Uva e Vinho,
fala que para o estabelecimento do pomar de mirtileiro, é
importante que se escolha uma área onde o pH do solo
seja baixo. "O ideal é que ele varie de 4,2 a 5,5.
Se a área tiver pH maior que 5,5, pode-se diminuí-lo
com o emprego de enxofre; porém, essa aplicação
deve ser realizada no mínimo um ano antes do plantio.
Para se obterem resultados satisfatórios em termos produtivos
e de qualidade dos frutos, recomenda-se ter um sistema de irrigação
desde que o começo do pomar de mirtilo", descreve.
Em termos de doenças na região dos Campos de Cima
da Serra, Andrea Rufato e os pesquisadores Régis Sivori
Silva dos Santos e Silvio André Meirelles Alves destacam
que tem-se observado a ocorrência de Pestalotia sp., ferrugem
do mirtilo (Pucciniastrum vaccinii) e Alternaria sp. "Esses
agentes causadores de doenças podem, em ataques severos,
causar desfolhamento precoce da planta, comprometendo a produção.
A Alternaria pode causar podridão em frutos. No caso
de pragas, é fundamental o controle inicial de formigas
cortadeiras, que podem, em poucas horas, danificar as mudas
que possuem pouca área foliar. Além disso, a abelha
irapuá tem causado danos expressivos nas flores de mirtilo,
podendo causar abortamento de flores. Na região dos Campos
de Cima da Serra, tem-se observado a ocorrência de corós
nas áreas com mirtilo. Esses insetos não têm
o hábito de se alimentar da planta de mirtilo, portanto,
é recomendado se faça o plantio de alguma gramínea
nas entrelinhas do pomar, que servirão de isca para os
corós", finaliza.
Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas
Um dos principais eventos nacionais de atualização
técnica sobre o cultivo das chamadas pequenas frutas,
frutas vermelhas ou berries, como são conhecidas em inglês,
o Seminário Brasileiro sobre Pequenas Frutas terá
a sua sexta edição nos dias 14 e 15 de julho,
em Vacaria, no Centro de Eventos Bortolon. A promoção
conjunta é da Embrapa Uva e Vinho, Embrapa Clima Temperado,
Emater-RS/Ascar, Prefeitura Municipal de Vacaria, Universidade
de Caxias do Sul (UCS) e Universidade do Estado de Santa Catarina
(Udesc). |