Revista
Rural - Por que a sustentabilidade tornou-se uma das bandeiras
que o Icone passa a levantar?
Laura Barcellos Antoniazzi - O Icone surgiu para trabalhar
com temas internacionais do agronegócio com intuito
de aumentar a participação dos produtos agro
brasileiros no mercado internacional. No começo, o
foco era muito voltado para assuntos econômicos e comerciais,
como disputa comercial entre países, era muito ligado
na agenda de negociações multilaterais da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Com o passar do tempo, as
questões ambientais e sociais, em especial, as ambientais,
ganharam um peso muito grande na agenda internacional. Isso
veio incorporar as análises ambiental e social. Foi
uma própria demanda do mercado internacional.
Rural
- A partir do tema sustentabilidade o Icone elaborou desde
2007 o modelo brasileiro de uso da terra, ou como foi nomeado
oficialmente 'Brazilian Land Use Model - Blum'. Do que se
trata esse modelo?
Antoniazzi - O Blum foi uma ideia de melhorar as projeções
da agricultura no Brasil. Em outros países, principalmente
nos Estados Unidos da América (EUA), que é uma
referência nisso, já há institutos que
fazem essas projeções para a agricultura. Isso
é muito importante para o desenvolvimento de políticas
e esclarecimentos à sociedade sobre os rumos da agricultura
do país. Nesse sentido queríamos implantar essa
linha de estudo aqui no País. Só que, diferentemente
dos EUA, no Brasil temos a expansão da área
agrícola. Nesse sentido, a agricultura norte-americana
fica às voltas tão somente sobre a produção
e produtividade, pois não há a questão
de aumentar a área agrícola. Esta, lá,
é dada, e pode ser usada total ou parcialmente, dependendo
de como estiverem os preços. Portanto não há
avanço sobre áreas novas. Agora, aqui no Brasil,
é outra realidade, porque a expansão da área
agrícola é uma questão importante. Com
base nisso, criamos o Blum, que nada mais é que uma
adaptação do modelo de projeção
americano para a realidade brasileira, onde é possível
se estabelecer a expansão da área agrícola.
Com isso esse modelo brasileiro tem uma interface maior com
a conservação ambiental, e com uma área
de ciências ambientais que é diferente das ciências
econômicas e estatísticas, que quer saber quanto
de vegetação nativa existe no Brasil e como
se dá esse avanço no País.
Rural
- Quais as linhas de pesquisas utilizadas para a criação
do modelo brasileiro de uso da terra?
Antoniazzi - Temos dentro da equipe de modelagem econômica
três pesquisadores que trabalham com toda essa parte
de oferta e demanda de produtos agrícolas. Há
também um especialista em grãos, outro em carnes
e outro em cana-de-açúcar. Nesta última,
por exemplo, incorporamos não só a produção
de açúcar e etanol, como também a produção
de bioeletricidade. Dentro da soja, também foram incorporados
levantamentos sobre o biodiesel. Então, além
dos produtos agrícolas, como produtos de alimentação
e insumos agrícolas, há também a parte
da bioenergia compondo as análises. Tem uma equipe
que colabora com os estudos, liderada pelo professor Gerd
Sparovek, da Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz'
(Esalq), que trabalha com o Sistema de Informações
Geográficas (SIG). Há uma coleta de mapas de
diversas fontes que, no final, são definidas as áreas
que estão disponíveis em diferentes regiões,
com vegetação nativa, que já foram transformadas
pela ação do homem ou que possuam aptidão
agrícola. Todas essas informações são
calibradas junto com as equações de oferta e
demanda, e, daí, temos os resultados de projeção
da agricultura de dez anos para frente.
Rural
- Quais resultados podem ser destacados pelo Blum?
Antoniazzi - A primeira aplicação foi
no estudo de baixo carbono coordenado pelo Banco Mundial,
feito em quatro países em desenvolvimento, incluindo
Brasil. A pesquisa era para traçar cenários
de desenvolvimento da nação considerando políticas
de baixo carbono, no qual trabalhamos especificamente na parte
de LUCF (Land Use Change and Forestry) [Mudança de
Uso da Terra e Florestas]. O Blum foi usado fazendo uma projeção
tendencial, um cenário de referência de como
a agricultura cresceria. Aí, considerando a projeção
de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da população,
dentre outras referências gerais da economia. Quanto
aumentaria de área para todos os produtos como arroz,
feijão, milho, soja, pastagem e cana-de-açúcar
em uma projeção até 2030 e um cenário
de desmatamento, também dado a esse crescimento da
agricultura. A partir daí, desenhamos um cenário
de baixo carbono, discutindo quais seriam as medidas mais
eficientes em termos de reduzir as emissões de gases
de efeito estufa (GEEs) e rodamos o modelo novamente. Consideramos
as medidas de baixo carbono, que, no nosso caso, na área
de uso e mudança da terra e agricultura, há
restauração completa de áreas de preservação
permanente (APPs), e também a intensificação
da pecuária e o aumento das áreas de cana-de-açúcar
para a produção de etanol, porque isso é
importante para o cenário de transportes que deve ter
maior participação de combustíveis renováveis
e também uma maior área de florestas plantadas
para a produção de eucaliptos, focando a produção
de carvão vegetal para suprir a demanda de siderurgia
no País. Pela análise, fizemos um comparativo
do que seria o cenário de referência e o de baixo
carbono. A ideia era comparar o quanto que seria possível
reduzir as emissões e o quanto seriam os custos para
atingir esse cenário de baixo carbono.
Rural
- Em quanto seria possível reduzir os GEEs?
Antoniazzi - O estudo foi publicado em 2010, mas iniciado
em 2008, feito bem em sintonia com o governo e vários
ministérios, pois era bem na época que se estavam
sendo lançadas as metas de compromissos brasileiros
de redução de GEEs. Em termos de redução
de emissões, a opção de baixo carbono
para mitiga-las era basicamente reduzir o desmatamento. Reduziu-se
total o desmatamento no cenário de baixo carbono por
conta da intensificação da pecuária.
A restauração de APPs já diminuiria a
área agrícola, o aumento da área de cana
também já era uma nova demanda por terra. Aumentar
a área de floresta também se trata de uma nova
demanda. Tudo isso teve de ser comportado na intensificação/identificação
da pastagem para não ter nenhum desmatamento comparado
com o cenário de referência e, daí, houve
uma redução de 63% nas emissões totais
de uso da terra, o que significaria 530 milhões toneladas
de CO2 equivalente. De 530 passou para 190 milhões
de toneladas de carbono equivalente. O que também é
interessante é ver os custos disso tudo, o que também
é bastante pertinente para essa discussão de
reforma do Código Florestal. O custo de restaurar todas
essas áreas de preservação permanente
é altíssimo. É um fato interessante,
já trouxemos essa discussão há alguns
anos e estamos nessa questão agora. Foram 44 milhões
de hectares de APPs que não tinha vegetação
nativa que foram restaurados no cenário de baixo carbono.
Isso tem um custo de reflorestamento bem significativo. Se
fosse pagar por toneladas de carbono, esse carbono precisaria
ter um valor altíssimo para se valer esse investimento.
Claro que poderia ter outras medidas de subsídios para
isso.
Rural
- Esse projeto pode subsidiar as tomadas de decisões
do próprio governo. Diante disso, como tem sido o feedback
desse estudo, no sentido de trazer a teoria à prática?
Antoniazzi - Temos uma preocupação bem
grande de fazer estudos e pesquisas que sejam de fato para
responder perguntas importantes para formadores de políticas
e para o setor privado também. Temos tido uma relação
bem positiva tanto com o setor privado quanto com o governo.
O histórico do Icone é com negociações
comerciais internacionais e nessa época trabalhávamos
diretamente com a equipe do Itamaraty [Ministério das
Relações Exteriores] que negociava na OMC. Hoje,
nessa agenda diferente é outro tipo de fórum,
temos contato com Itamaraty bastante forte na área
de mudança do clima. Acompanhamos a equipe que participa
da convenção do clima e temos um diálogo
bem satisfatório com eles sobre quais são as
dificuldades da agricultura em se adequar a uma economia de
baixo carbono. Participamos do grupo setorial de agricultura
dentro da política nacional da mudança do clima.
O Brasil em 2009, às vésperas de Copenhagen,
assumiu o compromisso voluntário de redução
de emissão de GEEs e a partir desses compromissos foram
criados grupos para se discutir a diminuição
do desmatamento no Cerrado, a Amazônia, a agricultura,
a siderurgia e o setor energético. Participamos, ao
longo de todo ano de 2010, desse grupo de trabalho para elaborar
de política nacional de mudança do clima na
área de agricultura. Recentemente, o André Nassar
[diretor geral do Icone] participou de uma audiência
pública no Senado, a convite do senador Cristovam Buarque
para discutir expansão da agricultura, conservação
ambiental e segurança alimentar, que é parte
de um processo preparatório para a Rio + 20. Através
de diversas formas, nossos estudos e pesquisas, contribuem
para a formação da política nacional.
Rural
- Em relação à agricultura sustentável,
há quem afirme que ela já é feita a muito
tempo no Brasil. Qual sua opinião sobre o jeito de
se fazer agricultura hoje no País?
Antoniazzi - Muito antes de se falar em sustentabilidade,
de um jeito ou de outro, os produtores sempre tiveram essa
preocupação, porque a agricultura depende de
recursos naturais, da terra. Pela própria natureza
da profissão, da atividade, o produtor rural é
sensível à conservação ambiental.
Claro que isso ao longo do tempo foi ganhando roupagem diferente,
a questão da pesquisa, a ciência foi evoluindo
em relação ao assunto e isso foi passado aos
produtores, via extensão rural. É um processo
em constante desenvolvimento e aprimoramento. Essa questão
da sustentabilidade tem muito a ver com se manter as características
de produção ao longo do tempo. Em agricultura,
por exemplo, temos a conservação do solo. Por
que um produtor tem de praticá-la na propriedade? Porque
o solo é a base da agricultura, se ele não o
conserva, há erosão, perda e empobrecimento
de solo e isso reflete na produção. O que pode
ocorrer também, em casos do solo se exaurir, é
do produtor optar por uma nova área. Uma situação
que, conforme vai tendo mais restrição de terra,
gera menos possibilidade de mudar de área. Nos últimos
dez anos formou-se o consenso de que não há
terra à vontade aqui no País. Está cada
vez mais forte essa ideia de que temos uma limitação
que temos de cuidar bem do espaço onde cultivamos.
Está aí a raiz o debate na agricultura brasileira:
produzir com menos impacto ambiental e o máximo possível
em uma menor área. A questão da produtividade
é o ponto chave.
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