Opções
de alimentos que garantam nutrientes necessários às
criações de gado ou mesmo de pequenos animais
são sempre bem-vindas - especialmente por se tratarem
de ser mais econômicas e resolverem a questão
de falta de alimento em períodos de seca no ano. Este
é o objetivo de duas linhas distintas de pesquisa -
uma, desenvolvida pela Embrapa Rondônia, localizada
em Porto Velho (RO), e a outra, pela Embrapa Semiárido,
em Petrolina (PE). O primeiro estudo avalia o aproveitamento
de resíduos da agroindústria extrativista da
região amazônica, ao passo que o segundo analisa
a utilização de Jacaratia corumbensis O. kuntze
- um arbusto com altura que varia de 2,5 metros (m) a seis
m, conhecido mais popularmente por mamãozinho-de-veado,
pelo fato de seus frutos serem consumidos frequentemente por
animais silvestres como os tatus, cutias, seriemas, caititus
e, em especial, os veados.
Nutriente amazônico
Avaliando a primeira pesquisa - em meio ao cenário
amazônico - a ideia era beneficiar a atividade pecuária
em função da indústria de extração
de palmito e da semente de pupunha, do óleo de castanha-do-Brasil,
da manteiga e da polpa de cupuaçu, por exemplo. De
acordo com a coordenadora do estudo, Ana Karina Dias Salman,
se aproveitados corretamente, os resíduos desse processamento
podem servir de alimento para a criação de animais,
além reduzirem o impacto ambiental. "Até
o momento, as principais informações que obtivemos
foi sobre o resíduo da extração da semente
do fruto da pupunha", declara Salman. "Os produtores
enfrentam um problema com esse resíduo porque o excesso
de umidade favorece a proliferação de agentes
patogênicos e isso foi verificado por outros pesquisadores
daqui da Embrapa Rondônia - José Roberto Vieira
Júnior e Cleberson Fernandes. No entanto, a pesquisadora
Virgínia Álvares, da Embrapa Acre [em Rio Branco
(RO)] fez alguns ensaios para testar tratamentos térmicos
que aumentam o tempo de estocagem desse resíduo em
temperatura ambiente sem alterar as características
químicas desse resíduo e isso pode viabilizar
a comercialização desse produto visando o uso
na alimentação animal", atesta.
A pesquisa tem estudado os resíduos gerados por uma
agroindústria localizada no distrito de Nova Califórnia,
na divisa com o Estado do Acre e a 370 quilômetros (km)
do centro da capital de Rondônia, Porto Velho. São
364 famílias associadas ao projeto Reflorestamento
Econômico Consorciado e Adensado (RECA), que produzem
principalmente pupunha, castanha-do-Brasil e cupuaçu.
Os pesquisadores analisam amostras dos resíduos provenientes
de diferentes etapas da produção industrial,
para indicar a composição química dos
materiais, como teores de matéria seca, de gordura,
de proteína, de carboidrato e sais minerais, componentes
importantes para a nutrição animal.
Alternativa ao milho
Entre as bases de alimentos estudadas até agora, além
do resíduo da extração da semente da
pupunha, já há análises de teores de
matéria seca, fibra, cinzas, proteína e extrato
etéreo dos resíduos da extração
do óleo da castanha-do-Brasil (denominado farelo de
castanha), da extração da manteiga de cupuaçu
(denominado torta de cupuaçu) e do beneficiamento do
palmito de pupunha (entrecasca da pupunha). "Por essa
análise inicial verificamos que todos têm potencial
de uso na alimentação de bovinos, no entanto,
estamos realizando ensaios de degradação ruminal
desses resíduos para verificar como os animais aproveitam
esses nutrientes no rúmen e, posteriormente, vamos
conduzir ensaios para verificar o nível de inclusão
dos mesmos na dieta de vacas em lactação",
explica a pesquisadora.
Com exceção da entrecasca do palmito, que tem
potencial de uso como alimento volumoso para ruminantes (bovinos,
bubalinos, ovinos e caprinos), os demais podem ser utilizados
em substituição ao milho (que é a fonte
de energia mais utilizada em ração animal) em
dietas para ruminantes e monogástricos (aves e suínos).
De acordo com Salman, o nível de substituição
do milho por esses resíduos, no entanto, deve ser avaliado
em experimentos específicos para cada espécie
animal, uma vez que cada uma apresenta suas particularidades
nutricionais.
A armazenagem desses resíduos, quando destinados à
formulação de ração animal, deve
ser feita seguindo os mesmos critérios dos ingredientes
tradicionalmente utilizados na ração, ou seja,
em local limpo, arejado, livre do ataque de insetos e ratos.
"No caso de alimentos com alto teor de umidade, como
o resíduo da extração da semente do fruto
da pupunha, a secagem é obrigatória para neutralizar
fatores antinutricionais e permitir a estocagem em temperatura
ambiente", ressalta Salman.
Em termos econômicos, o que se percebe é que
essa inclusão de subprodutos agroindustriais na alimentação
animal reduz os custos com a alimentação no
sistema de produção animal. No entanto, é
preciso que a viabilidade econômica da inclusão
desses ingredientes na dieta seja avaliada em ensaios de desempenho
dos animais.
Além da Embrapa Rondônia, fazem parte do projeto
a Embrapa Acre, Embrapa Agrobiologia, em Seropédica
(RJ), Faculdades Integradas Aparício Carvalho (Fimca)
e Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural de Rondônia (Emater-RO).
A opção da Caatinga
Quando a seca no semiárido nordestino atinge o período
mais crítico, entre os meses de agosto e dezembro,
o mamãozinho-de-veado flora e frutifica com abundância.
O "segredo" da planta é o mesmo que possui
os pés de umbuzeiro - a raiz em forma de batata, tecnicamente
chamada de xilopódio ou túbera, que armazena
água e substâncias nutritivas numa quantidade
que vai permitir a planta atravessar vários meses de
estiagem que caracteriza o clima semiárido. Em alguns
pés de "mamãozinho" já foram
colhidas batatas com 546 quilos (kg).
Na época de escassez de alimento para os rebanhos,
pequenos agricultores ou agricultores familiares costumam
recorrer à retirada dos xilopódios dessas plantas
como uma das poucas alternativas de alimento para fornecer
aos animais. Com o objetivo de domesticar essa planta para
a melhor aplicação nesse tipo de criação
de pequenos rebanhos, Nilton de Brito Cavalcante, especialista
em extensão rural da Embrapa Semiárido, vem
estudando a planta há cerca de 14 anos. De acordo com
o pesquisador, o extrativismo do "mamãozinho"
nos períodos críticos de seca é um indicador
da importância que têm a planta para os pequenos
criadores de poucos recursos técnicos e financeiros.
O corte indiscriminado nessas épocas diminui a população
da espécie e ao longo do tempo pode se tornar uma ameaça
concreta à extinção da planta.
Nesse sentido, um dos pontos da pesquisa foi demonstrar aos
produtores como poderia se estabelecer o cultivo dessa planta
com o objetivo de multiplicá-la e, assim, servi-la
como alimentação às criações.
Na pesquisa, Cavalcante entrevistou agricultores, fez testes
em campo experimental e realizou análises laboratoriais
de J. corumbensis. Em termo de matéria seca, foi registrado
30% de proteína nas folhas e ramos novos, e 12% no
tubérculo. E água há em abundância
- cerca de 78%, que pode suprir parte das necessidades dos
animais no período de seca. "Portanto a espécie
é uma boa fonte de nutriente e de água para
os animais", enfatiza.
Parte da pesquisa foi dedicada à entrevista com agricultores
e a medição da população das plantas
de "mamãozinho" em comunidades dos municípios
de Juazeiro, Curaçá, Uauá e Jaguarari,
na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco. Lá foram encontradas
densidades que variaram de sete a 16 pés por hectare
(ha).
Segundo o especialista, com mão de obra familiar, pouco
recurso financeiro e conhecimento básico, é
possível o pequeno criador do semiárido fazer
essa quantidade crescer para até 7.500 plantas/ha no
espaçamento de 1,5 x 1,5 m em área de caatinga
degradada, ou então repovoar a vegetação
nativa com 1.200 pés/ha.
"Como o peso médio da raiz no primeiro ano de
cultivo alcança 3,46 kg, nas duas situações,
o agricultor vai dispor de um bom volume de reserva forrageira
para o rebanho dele", afirma Cavalcante.
Plantio
Mais do que constatar o potencial forrageiro da espécie,
o pesquisador definiu práticas de manejo de cultivo
que os agricultores podem adotar, da mesma forma se faz com
o capim, a palma, ou mesmo o feijão. Uma delas é
que o plantio pode ser feito em qualquer tipo de solo da caatinga
desde que não esteja em área sujeita a alagamento.
Para isso, o pesquisador orienta a colheita dos frutos do
mamãozinho no período de safra, que vai de dezembro
a março, na região. Após retirar as sementes,
deve-se por para secá-las e, só então
armazená-las por 30 a 60 dias até o momento
do plantio.
O agricultor pode fazer o cultivo direto depositando de três
a cinco sementes em covas com três a quatro centímetros
(cm) de profundidade. "O ideal, porém, é
que o plantio seja feito em canteiros. Posteriormente, são
repicadas para sacos com substrato de solo, areia e esterco
que, passados 60 dias da germinação, devem ser
levadas para o campo. O transplantio deve ocorrer entre os
meses de janeiro e abril para um melhor desenvolvimento das
mudas", explica Cavalcanti.
A melhor data para o plantio das mudas no campo é logo
após as primeiras chuvas. Uma planta adulta de "mamãozinho"
chega a produzir 680 frutos por safra e cada um deles chega
a conter até 14 sementes.
O pesquisador da Embrapa Semiárido ressalta também
que o plantio do mamãozinho-de-veado pode ser feito
também na forma de consórcio com outras culturas,
a exemplo do milho, feijão, palma forrageira, áreas
de pastagens, ou na própria caatinga. "O agricultor
só precisa distribuir as covas de forma que a distância
entre as plantas seja de 1,50 m. O espaçamento nas
entrelinhas, por sua vez, passa a depender da espécie
consorciada. O porcentual de germinação das
sementes chega a até 80%", testifica.
É recomendada ainda uma capina no final do período
das chuvas. Após um ano de plantio, os agricultores
já podem fazer a colheita, mas quanto mais tempo as
plantas ficarem no campo, maior será o desenvolvimento
da batata.
A grande vantagem do cultivo dessa planta é que após
o plantio não é preciso mais se preocupar com
o mamãozinho - a condição de nativa da
caatinga garante a adaptação da espécie
às adversidades climáticas da região.
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