Estimativas
realizadas na Embrapa mostram que o aumento da taxa de natalidade
de bovinos de 55% para 68%, a redução na idade
de abate de 36 meses para 28 meses, e a redução
na mortalidade até um ano de 7% para 4,5% permitiriam
que, em 2025, as emissões de metano em relação
ao equivalente carcaça produzida fossem reduzidas em
18%.
Uma das discussões que mais vêm ganhando espaço
mundialmente é, sem dúvida, a questão
ambiental, em especial, as fontes de emissão de gás
de efeito estufa (GEE), uma das razões apontadas por
especialistas como a causa do aquecimento global. Em meio
a esse fogo cruzado, a atividade pecuária se torna
um dos alvos de crítica por ser responsável
por grande parte da emissão de metano (CH4), um dos
principais GEEs. No entanto, a crítica de determinados
grupos para somente por aí, nessa informação
de que a produção de carne polui, sem uma análise
contextual mais ampla. "A pecuária na verdade
- saindo dessa questão só do metano - pode ter
um efeito muito benéfico e pode ser mais parte da solução
do que do problema", atesta Luís Gustavo Barioni,
pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária,
Campinas (SP), e especialista em produção animal
com ênfase em modelagem e simulação, e
no desenvolvimento de sistemas de suporte a decisões.
"Isso porque ela tem um efeito tampão em relação
à expansão de outras culturas agrícolas.
Se as analisarmos, há um prognóstico de aumento
da área cultivada, e a pecuária é a atividade
que mais tem potencial de crescimento de produtividade e ainda
pode absorver a demanda por área de grãos, sem
que haja necessidade de abertura de novas áreas. Ao
fazer isso, ela evita a maior fonte de emissão de GEE
atualmente no Brasil, que é o desmatamento", declara.
Especificamente no que se refere às emissões
de metano pelo animal, é possível minimizá-las
a partir de uma dieta mais rica nutricionalmente. De acordo
com o especialista em nutrição animal da Embrapa
Gado de Corte, Campo Grande (MS), Sergio Raposo de Medeiros,
a produção desse gás está diretamente
relacionada com a indigestibilidade da dieta, ou seja, quanto
mais digestível for o alimento, menor será a
produção de metano - portanto, quanto maior
a qualidade da nutrição, menor será a
produção de GEE.
Medeiros cita um estudo - Kurihara et al (1999) citados por
Berndt (2010) - que identificou a redução da
produção de CH4 em função do aumento
da qualidade nutricional da ração dada aos animais.
A pesquisa demonstrou que num tratamento com feno de baixa
qualidade houve uma produção de 75,4 gramas
de CH4 por quilo de matéria orgânica digestível
(g CH4/kg MO digestível); já com um feno de
alta qualidade o índice ficou em 64,6 g CH4/kg MO digestível;
e numa dieta rica em grãos, a emissão registrada
foi de 32,1 g CH4/kg MO digestível - o que representou
uma redução de 57,43% em relação
ao primeiro índice.
A gênese do metano
Mas por que o ruminante produz metano? Para responder essa
questão, Barioni, faz uma comparação
com o processo digestivo humano. "Em relação
a nós monogástricos, no estômago existe
uma certa digestão dos alimentos e depois tem a absorção
dos principais nutrientes digeridos no intestino. Na hora
que chega no intestino grosso, a maior parte dos nutrientes,
em especial os açúcares, já foi absorvido,
então a fermentação para nós é
relativamente baixa, em função dela ocorrer
num ambiente que chamamos anaeróbio - sem presença
de oxigênio. No ruminante é diferente porque
quando ele consome o alimento há uma fermentação
disso antes mesmo de chegar ao intestino". Essa característica
dá uma vantagem competitiva ao animal por poder ingerir
mantimentos de baixa qualidade em relação ao
homem.
A partir dessa fermentação no rúmen do
boi, há uma grande produção de hidrogênio.
"Esse hidrogênio se combina com o gás carbônico
(CO2), e gera o metano que então é eructado
[arrotado] pelo animal", explica Barioni. "Alimentos
de baixa qualidade e muito fibrosos tendem a gerar uma fermentação
mais longa e mais acética, ou seja, que gera uma quantidade
maior de ácido acético, e aí há
uma maior produção de hidrogênio, que,
por consequência, gera mais metano. Já numa fermentação
mais propiônica [estimulada por alimentos de melhor
qualidade nutricional], que gera mais ácido propiônico,
essa rota metabólica na verdade captura o hidrogênio
do meio e aí gera menos metano".
A produção de ácidos no rúmen,
os denominados ácidos graxos voláteis que fluem
pela corrente sanguínea do boi, é um processo
natural e são esses compostos que representam a fonte
de energia para o animal. "Nesse caso, a emissão
de metano representa perda de energia, ou seja, parte da dieta
consumida pelo animal não é transformada em
carne ou leite e sim perdida na forma de metano", acrescenta
Luiz Gustavo Ribeiro Pereira, especialista em nutrição
animal e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, localizada
em Juiz de Fora (MG). "Dietas de melhor qualidade, além
de renderem uma menor emissão de metano por alimento
ingerido, garantem uma maior eficiência no desempenho
dos animais, com a redução de idade de abate
a garantia de maior produção de leite. Assim,
é possível produzir mais e emitir menos metano
por unidade de carne ou leite gerado", destaca.
Para se ter uma ideia, baseando-se em dados internacionais,
por exemplo, se o animal tiver ganhos de 200 kg por ano, com
uma idade de abate de mais ou menos três anos e meio,
ele vai produzir numa faixa de 200 kg de metano - como conta
Barioni. Ao passo que se for trabalhar com o animal ganhando
300 kg por ano ele vai produzir da faixa de 165 kg de metano,
e se abatê-lo superprecoce em um ano e meio, com ganho
anual de 365 kg, a rês produzirá apenas 60 kg
de metano.
Rica, adequada ou econômica?
No que diz respeito à alimentação do
gado - há que se ponderar, previamente, os caminhos
a se traçar para equilibrar as contas do sistema de
produção como um todo. Segundo Medeiros, não
existe "a dieta certa" para o rebanho - o que deve
ser feito é um planejamento nutricional, que envolve
especialmente o manejo de pastagem aliado a suplementação
estratégica. "Na verdade, mais importante que
ser a dieta que produza o mínimo de metano, deve ser
o plano nutricional que maximiza o resultado técnico-econômico",
assegura Medeiros. "Assim, apesar de não necessariamente
ser o plano nutricional com máxima digestibilidade
que dê o maior desempenho - por ser mais caro - estaremos
caminhando em direção oposta a situação
de dieta com baixa digestibilidade. O resultado é que
ficamos com a dieta que melhor combina ambas as necessidades,
como sustentabilidade ambiental e economia. Isso que é
interessante, pois o produtor não precisa estar interessado
em reduzir a emissão de metano para se interessar por
isso. Basta que queira melhorar seu resultado técnico-econômico".
Para Pereira, o produtor precisa desapegar-se de "estratégias
milagrosas" e, sim, tender-se a uma produção
de forma mais eficiente - e isso deverá gerar menos
GEE em relação ao volume produzido. "Por
exemplo, estimativas realizadas na Embrapa mostram que o aumento
da taxa de natalidade de bovinos de 55% para 68%, a redução
na idade de abate de 36 meses para 28 meses, e a redução
na mortalidade até um ano de 7% para 4,5% permitiriam
que, em 2025, as emissões de metano em relação
ao equivalente carcaça produzida fossem reduzidas em
18%, mesmo com o aumento estimado em 25,4% na produção
de carne", frisa o pesquisador.
Nesse sentido, como a maior parte do rebanho nacional é
criado a pasto, é a partir dele que deve começar
então uma pecuária mais produtiva. Tecnologias
de manejo de pastagem, lotação adequada de unidade
animal por hectare, cultivares mais produtivas e adaptadas
às condições da região, rotação
do pasto com produção de grãos e leguminosas
são algumas das ferramentas que vão garantir
maior sucesso à atividade. "A recuperação
de pastagens degradadas é uma opção que
permite não somente a retomada da produtividade animal,
mas também mantém a integridade química
e física do solo, com o aumento dos estoques de carbono
nele. Portanto, pastagens produtivas e manejadas adequadamente,
além de propiciarem condições favoráveis
para aumentos significativos no desempenho animal e índices
zootécnicos, também podem absorver grande parte
do carbono emitido pela atividade pecuária, tornando-se
componente importante no balanço de GEE", certifica
Pereira.
Óleos, taninos e forrageiras
Se a opção é incrementar a dieta a pasto,
a saída pode ser a busca de uma suplementação
estratégica para maiores ganhos. Já, especificamente
acerca do metano gerado, há alguns alimentos ou compostos
que são considerados antimetanogênicos, ou seja,
que podem inibir ou mesmo diminuir a produção
desse gás ainda no rúmen do animal. "Por
exemplo, alguns óleos", cita Barioni, "porque
uma boa parte do metano é produzida por protozoários
que vivem no rúmen (...). O que ocorre é que
os óleos inibem a ação desses protozoários
em função de reduzir as populações
desses micro-organismos e, também, de bactérias
metanogênicas".
Alimentos como o caroço de algodão, a soja ou
a bandinha de soja são opções por serem
ricos em óleo. Em certos casos, até o óleo
puro, que pode ser o resíduo de processamento de restaurantes
- refugo da fritura - também pode ser utilizado. "É
lógico que a quantidade de óleo no rúmen
precisa ser limitada, porque senão você diminui
muito a digestibilidade da fibra pelo animal. Então,
normalmente não se indica que se passe de 5% a 6% do
total da dieta. É o que chamamos de extrato etéreo
- a fração oleosa da dieta", adverte Barioni.
Outra opção, de acordo com pesquisador da Embrapa
Informática Agropecuária, pode ser a partir
da adição de taninos na dieta dos animais -
estas substâncias, presentes em algumas plantas, especialmente
leguminosas, têm propriedades antimetanogênicas,
como é o caso da leucena e do trevo.
Já no caso das forragens, a crescente busca por variedades
de cultivares mais nutritivas, produtivas, com melhor qualidade
e com característica de serem menos metanogênicas
vem garantindo boas opções à classe pecuarista
- um trabalho que vem norteando as pesquisas tanto nas unidades
da Embrapa como em outras instituições científicas
e privadas do setor agrícola brasileiro.
Nitratos e ionóforos
Outra área de peso na pesquisa tem sido a busca de
novas substâncias inibidoras da produção
de metano na bovinocultura. De acordo com Barioni, há
até produtos patenteados que estão em fase de
testes e estudos - ainda não dispostos no mercado.
É o caso dos nitratos. "Lembra daquela questão
do hidrogênio, que se combina com o gás carbônico?
Então, os pesquisadores que estão no estudo
desse produto afirmam que o nitrato é um dreno mais
forte para o hidrogênio do que o gás carbônico.
(...) Ele o captura do meio e evita a geração
de metano. Essa combinação gera amônia,
que é utilizada por micro-organismos do rúmen
para obtenção de proteína". No final
das contas, esse composto não permite que o hidrogênio
se perca em forma de metano e o animal ainda se beneficia
indiretamente, por se utilizar dessa proteína microbiana
para a nutrição dele.
O fator complicador dessa tecnologia é que, dependendo
do nível e condições, o nitrato se torna
altamente tóxico. "É por isso que ainda
se trabalha no sentido de aferir os níveis de proteção
para que esse produto possa ser comercial. (...) Então
ninguém pode sair aí usando nitrato!",
alerta Barioni.
Numa linha semelhante a dos nitratos, estão os ionóforos
- que já têm um histórico de aplicabilidade
na bovinocultura de corte. Compostos como os tipos monensina
e lasalocida, segundo Barioni, têm um efeito de redução
de emissão de metano, aparentemente não tão
duradouro. De acordo com pesquisas da Embrapa Gado de Corte,
os ionóforos são um tipo de antibiótico
que, seletivamente, deprimem ou inibem o crescimento de micro-organismos
do rúmen. Eles são produzidos por diversas linhagens
de Streptomyces, e pelo menos 74 deles foram descobertos depois
de lasalocida, em 1951 - a partir da década de 1970
começaram a ser utilizados na dieta de ruminantes.
A lasolacida e a monensina têm sido empregadas no Brasil
como promotores de crescimento no sistema de gado confinado.
Reação em cadeia
Dietas mais ricas, além de influírem em menos
produção de metano, têm um segundo efeito
que é a diminuição do tempo de vida desse
animal, ou seja, o animal chega ao peso ideal de abate num
curto espaço de tempo. Outro efeito é o incremento
das taxas de fertilidade do rebanho - há mais bezerros
por vaca, estatisticamente. "No entanto, a inclusão
de ingredientes nas dietas com intuito de reduzir as emissões
de metano deve ser considerada como opção, e
não como solução do problema", ressalta
o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, "e deve estar
associada também às práticas de melhoria
de eficiência produtiva, as quais devem envolver melhorias
no manejo alimentar, reprodutivo e sanitário do rebanho".
Mesmo que a atividade de produção de carne se
torne mais intensiva (o que leva a um sistema de geração
de menos metano por quilo de carne produzida), a questão
primordial que resta é se justamente a adoção
desse sistema pode ser sustentável economicamente.
"É impossível pensar o Brasil com 100%
da produção de animais superprecoces em confinamento
- que seria o sistema menos poluente em termos de metano,
mesmo levando em conta todo os demais GEEs produzidos, desde
a plantação dos grãos utilizados até
o uso das máquinas no confinamento", analisa Medeiros.
"Assim, desde o sistema baseado 100% em terminação
com pastagem e apenas suplementação estratégica
na seca (abate de animais a partir de 24 a 30 meses) até
os superprecoces (abate com 12 meses), tudo é válido,
desde que sejam as melhores escolhas do ponto de vista técnico-econômico,
pois são sistemas que reduzem bastante a emissão
quando comparados à média e, ao mesmo tempo,
viabilizam em longo prazo a produção".
Pelo que se nota, a partir de toda tecnologia disposta ao
produtor, o caminho para uma pecuária sustentável
não é tão árduo como se imagina.
O ideal é estar em constante atualização
sobre as novidades de práticas de manejo, recomendações
e inovações que possam agregar mais dinamismo
à bovinocultura. E foi pensando nisso, em poder garantir
mais e melhores informações quanto à
produção de GEE na pecuária, que nasceu
a ideia do projeto RumenGases, coordenado pela Embrapa. As
unidades Gado de Leite e Cerrados, esta última localizada
em Planaltina (DF), estão desenvolvendo esse estudo
em parceria com outras 15 instituições. De acordo
com Pereira, o principal objetivo é avançar
conceitualmente e desenvolver estratégias para a atenuar
(mitigar) as emissões de metano por ruminantes nos
trópicos. "Precisamos conhecer de forma mais detalhada
a emissão de GEE por ruminantes em condições
tropicais e, assim, desenvolver estratégias de mitigação,
seja por melhoria nos sistemas de produção ou
por inclusão de ingredientes alimentares nas dietas
dos animais".
Para o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, as discussões
sobre como reduzir as emissões de GEE têm focado
tanto em alterações na cadeia de produção
e abastecimento de alimentos como na demanda, por meio de
mudanças significativas nos padrões de consumo.
Medidas políticas que levam a reduções
radicais no consumo de alimentos de origem animal têm
sido propostas como meio de reduzir as emissões mundialmente,
no entanto, a avaliação do impacto climático
da produção de diferentes tipos de alimentos
deve levar em consideração o valor nutricional
que cada um deles proporciona. "Pesquisas realizadas
nos países nórdicos da Europa mostraram a importância
de se considerar a densidade de nutrientes do alimento em
relação à emissão de GEE gerado
por cada um desses produtos, como leite, refrigerante, suco
de laranja, cerveja, vinho, água mineral gasosa e bebidas
de soja e aveia", relata Pereira. "Os pesquisadores
verificaram que, para cada 100 g de leite, 99 g de equivalente
CO2 eram gerados, um dos valores mais elevados quando comparado
às demais bebidas. Entretanto, quando a comparação
foi realizada levando-se em consideração a quantidade
de nutrientes, o leite apresentou vantagem em relação
aos demais alimentos, devido ao seu alto valor nutricional,
evidenciando que a produção de refrigerantes,
por exemplo, gera menos GEE, mas também não
tem contribuição significativa com nutrientes
para alimentação humana. Esse resultado representa
argumento convincente de embate às críticas
infundadas que a pecuária vem recebendo", conclui.
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