E
o que explicaria essa tamanha expressividade na área
de fruticultura no Nordeste? A resposta está justamente
nas condições de clima favoráveis da
região do Vale. "Nós temos uma característica
favorável ambiental, em função de uma
condição climática de alta temperatura
e baixa umidade", explica Maria Auxiliadora Coelho Lima,
especialista em pós-colheita de manga e uva e pesquisadora
da Embrapa Semiárido, localizada em Petrolina (PE).
"Essa alta temperatura favorece que os frutos acumulem
um maior teor de açúcares, ao mesmo tempo em
que baixam o nível de acidez (ácidos orgânicos)
do alimento, e isso melhora o sabor da fruta, tornando-a mais
doce e menos ácida".
Já em relação à baixa umidade,
Lima destaca que essa característica garante uma condição
interessante ao manejo fitossanitário, pelo fato de
não haver favorecimento de disseminação
de fungos. "Numa situação contrária,
em condições de alta umidade há crescimento
de fungos, que dificultam o controle de doenças no
campo, e cada vez que uma doença se instala, muitas
vezes ela afeta diretamente a fruta".
Para Jorge Noronha, coordenador técnico do Distrito
de Irrigação Nilo Coelho (DINC) - órgão
que atua no auxílio a pequenos e médios produtores
em Petrolina - fatores como o baixo índice pluviométrico
(chuvas), a possibilidade de controle sobre fornecimento de
água (irrigação) e a alta luminosidade
também são componentes que explicam a qualidade
dos frutos.
Já no quesito de manejo das duas culturas, Noronha
aponta que não há muitos mistérios em
função de todo um apoio técnico que está
a serviço dos fruticultores da região. "A
pesquisa realizada pela Embrapa e a assistência técnica
disponibilizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales
do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) repassam
a esses produtores tudo o que for necessário. A dificuldade
maior é na prática de política agrícola
a ser definida, como planejamento de safra x mercado, oscilações
de preços, fatores climáticos adversos e falta
de mão de obra qualificada para a cultura da uva",
aponta.
Variedades coloridas
A maior demanda no mercado de frutas é o externo. Do
total de mangas produzidas no Vale, 70% são exportados
e os 30% restantes são comercializados aqui no País.
Já a produção de uva destina 80% para
fora e os 20% que sobram são consumidos aqui. Em função
do cliente desse tipo de alimento ser estrangeiro, e por isso,
mais exigente, a seleção dos frutos também
deve ser. "Atualmente, a questão da coloração
da manga tem sido uma questão fundamental", destaca
o produtor de manga e também consultor técnico,
Manoel Elizeu Alves. "Hoje o fruto da manga não
tem mais como não ser colorido. Para isso há
variedades e manejos para garantir a captação
maior de luz para melhorar essa coloração. A
parte de nutrição da planta também é
responsável por essa coloração, mas especialmente
a luz solar é fundamental para isso", atesta.
Entre as variedades mais difundidas na região estão,
no caso das uvas, Festival Seedless, Thompson Seedless, Crimson
Seedless, Itália, Benitaka, Red Globe, Brasil e Itália
Melhorada. Já a cultura de manga tem como representes
a Tommy Atkins, Kent, Keith, Haden e Palmer.
"Quando se fala em coloração, falamos de
um grupo de substâncias, de compostos que são
produzidos e que dão essa cor, e quando falamos do
sabor, tem elementos, os açúcares, que são
muito importantes. Desse modo, há dois mecanismos que
atuam separadamente, mas que têm um vínculo com
a luz", esclarece a pesquisadora da Embrapa Semiárido.
Luz, só pra pegar uma 'corzinha'
A alta temperatura gera uma tendência dos frutos acumularem
mais açúcares além de sintetizarem mais
pigmentos, em especial, o vermelho, como é o caso da
variedade mais produzida, a Tommy Atkins. "Mas quando
se fala de alta temperatura, isso é até um certo
limite, como tudo demais estraga, então, ela em excesso
pode causar prejuízos", alerta Lima.
A manga, por exemplo, requer essa luz, principalmente as variedades
que tem a coloração vermelha pra poder sintetizar
esse pigmento. Entretanto, se a fruta ficar exposta nos períodos
mais quentes do ano, que lá vão de setembro
a dezembro, isso poderá causar a queima da casca -
segundo a pesquisadora, temperaturas acima de 35° já
podem influir negativamente na produção, se
não houver o cuidado do produtor.
O manejo tem de se dar em dois aspectos o de se expor à
luz e também o de se proteger dela. "Então
o produtor precisa expor o fruto, tirar a folhagem para haver
esse fornecimento de luz, para se promover a coloração
na casca. Assim que essa pigmentação estiver
bem aparente, é preciso proteger as frutas", diz.
No caso da manga, uma medida interessante é a pulverização
de cal diluída nos frutos, criando uma barreira que
irá protegê-los. O fato da casca ser grossa e
espessa permite esse tipo de manejo. Já no caso das
uvas, que possuem cascas mais frágeis, o ideal é
que essa proteção seja feita com um saco de
papel, encobrindo o cacho, ou mesmo utilizar o que pode se
chamar de "chapéu chinês", uma pequena
cobertura que irá por cima do cacho, e pode ser feita
a partir de um plástico mais firme.
Períodos chuvosos
Pode ser uma região com baixa umidade, mas há
épocas de chuva também - e bem concentradas,
segundo Lima. A região que compreende Petrolina e Juazeiro
chega a registrar 540 milímetros anuais. Esse nível
de pluviosidade ocorre frequentemente ao longo de dezembro
a março - mais intensamente a partir de janeiro.
Nesse sentido, as frutas produzidas nesse período requerem
um cuidado maior para o controle de doenças e possíveis
pragas. "Muitas vezes são fungos e, em outros
casos, também podem ser bactérias, e isso pode
causar até perdas grandes na produção",
alerta a pesquisadora. "Sem um manejo adequado há
dano superficial, em função de fungos se desenvolverem
sobre as frutas, causando manchas, e daí, desprestigiando
o fruto comercialmente. Em alguns casos o dano pode ser tão
sério que causa o apodrecimento da fruta".
No Vale do São Francisco diversos problemas fitossanitários
podem afetar a cultura da uva, provocados pelo ataque de insetos
e pela infestação de doenças causadas
por fungos, bactérias e vírus, de acordo com
Noronha. "Entretanto, as maiores preocupações
estão relacionadas às doenças como míldio
(Plasmopora viticola), oídio (Uncinula necator) e cancro
bacteriano (Xanthomonas campestris pv. vitícola) que
é uma praga quarentenária presente na região",
enumera o coordenador técnico do DINC. Para ambas as
culturas, de manga e uva, um problema característico
é a mosca-das-frutas (Ceratitis capitata).
Manejo integrado e de qualidade
Para lidar corretamente com as pragas e doenças e não
prejudicar os frutos, a ação integrada entre
o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), juntamente com a Codevasf, órgãos como
o DINC e empresas exportadoras de frutas na região,
vem permitindo um controle bem efetivo no que se refere a
fitossanidade da produção. "É feito
um tipo de controle a partir de um manejo integrado para o
controle de pragas e doenças, com o acompanhamento
de órgãos oficiais, que exigem e dão
orientações da produção, para
não se fazer aplicações desregradas,
muito porque o mercado consumidor, principalmente o internacional
não comporta receber produtos com problemas",
conta Alves.
Uma medida importante é o pré-cozimento das
frutas para evitar o transporte ou mesmo transferência
de larva de mosca-das-frutas aos países compradores.
O beneficiamento é feito por grandes produtores de
frutas lá da região.
Além de garantir a segurança dos alimentos,
um bom manejo reflete em frutas de maior qualidade. Nesse
aspecto estão a forma de cultivo e a escolha da variedade
mais adequada à região ser estabelecida. "Muitas
vezes você não tem uma fruta de qualidade porque
a variedade escolhida para plantá-la não se
adapta a condição ambiental do lugar",
diz Lima. "Então você tem uma fruta pequena,
que não se desenvolve bem, ou você tem uma praga
que ocorre com muita frequência e causa danos à
fruta. Muitas vezes falamos de sabor, de uma fruta mais doce,
mas também de uma fruta com um teor de vitamina C mais
alto, um teor de alguns pigmentos que são convertidos
em vitamina A quando são consumidos e algumas condições
que favorecem a produção desses compostos, dessas
vitaminas", acrescenta.
Outras questões que podem influir na qualidade são
também o tipo de poda que se adota, o número
de frutos deixados na planta, pois, se há uma carga
excessiva, os frutos não se desenvolvem bem, não
chegando a atingir o padrão comercial.
"Então costumamos dizer que qualidade é
uma soma de fatores, voltada para a aparência do fruto,
onde você tem cor, formato, tamanho, peso, presença
de manchas como componentes importantes da aparência;
qualidade voltada para o sabor, e aí são os
açúcares, os ácidos; e tem a parte nutricional
também, que são os componentes voltados para
a área de alimentação", conclui
a pesquisadora.
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