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SEMENTES - NEM SÓ DE PESCA SE VIVE NO MARAJÓ
rev 142 - dezembro 2009

Projeto de extrativismo sustentável auxilia as famílias da Ilha de Marajó (PA) a obterem renda e a preservar o meio ambiente. A Ilha de Marajó, localizada no Estado do Pará, é desconhecida pela maioria dos brasileiros. Cercado pelo oceano Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins, o arquipélago abrange 12 municípios e tem cerca de 50 mil quilômetros quadrados (uma área equivalente, ao Estado do Rio de Janeiro e um território maior que o de países como Holanda e Suíça). E é na região, constituída por belas paisagens, com praias, lagos e florestas – que dão vida a inúmeras espécies de animais – que existe um dos grandes projetos de desenvolvimento sustentável conferido pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O empreendimento começou, há exatos oitos anos, quando uma empresa de insumos criou um projeto inovador inicialmente com as comunidades de Salvaterra, Soure, Camará e Condeixa (municípios distantes a 80 quilômetros da capital de Belém). O trabalho, que reunia 26 famílias, focava em aproveitar a mão de obra local na coleta das sementes de andiroba, pracaxi e ucuúba, oriundas daquela região.
Aos poucos, a iniciativa ganhou forma e se tornou uma alternativa de conscientização ambiental e de renda (no período de escassez do pescado), para os moradores daqueles municípios: “Era comum que os pés de andiroba fossem cortados na região. As famílias também procuravam outras atividades, como a exploração indiscriminada dos recursos naturais renováveis, como a derrubada de árvores. Outras optavam também pelos trabalhos nas fazendas da região, o que lhes garantiam o sustento temporariamente”, lembra João Matos, gerente de biodiversidade da Beraca, a empresa incentivadora e uma das responsáveis pelo projeto. “Como os municípios estão localizados em regiões praianas, a única fonte de renda da maioria das famílias ribeirinhas, era somente o pescado. Porém, os pescadores já estavam acostumados a passar aperto nos meses de cheia, quando os peixes migram para outros lugares e ficam raros na região”, completa.
De acordo com Matos, no Marajó, durante a época da estiagem, que vai de junho a novembro, o pescado é abundante e as mesas são fartas. Por outro lado, na época das águas cheias (que se estende de dezembro a maio), o pescado diminui e as famílias sofrem por escassez de recursos alimentares. “Neste período, os peixes se afugentam e a gente fica sem pescado. Para sobreviver, nós pegávamos caranguejos, fazíamos carvão e recolhíamos algumas sementes de andiroba, que vendíamos aqui na região mesmo. Muitas vezes, a gente se cansou de fazer óleo extraído das sementes, para ganhar um pouco a mais”, diz a moradora de Salvaterra, Maria das Dores Conceição Neve, conhecida também como “Dadá”.
Na Região Paraense, quando o verão chega falta pouco para os campos secarem e a paisagem mudar outra vez. “Esse ciclo se repete todos os anos, e na ilha, as águas da cheia entram nas florestas alagadas e trazem as sementes para as praias. Se o peixe vai, as sementes vêm”, argumenta Matos. “Juntos, os extrativistas de Salvaterra já conseguiram até coletar 500 toneladas em uma só safra. Um cenário diferente de se ver, quando era comum encontrar grande quantidade de sementes de andiroba, que sem quase aproveitamento chegava apodrecer nas praias”, descreve.
Com a iniciativa, a Beraca – empresa especializada no desenvolvimento de tecnologias e matérias-primas para vários mercados, como os cosméticos, nutrição animal e para a indústria de alimentos e bebidas – trouxe uma nova vida para os moradores daquela região. Por meio de incentivo, tecnologia e treinamento, juntos, os moradores até formaram há dois anos uma cooperativa que, aliás, tem dona “Dadá”, de 50 anos, como a presidente da Cooperativa dos Produtores Extrativistas Marinhos e Florestais da Ilha de Marajó (Coopemaflima). “Hoje a cooperativa é formada por 26 pessoas, mas até 400 pessoas se beneficiam do projeto, já que nem todos que vendem as sementes são cooperados. Durante a safra, que dura cerca de três meses ao ano, cada família consegue ganhar entre um e três salários mínimos ao mês”, diz a presidente, que trabalha na coleta de sementes com o marido e um dos seis filhos.
A renda pode não parecer alta, mas é importante para os moradores das comunidades participantes, principalmente para as mulheres, que tomaram a frente da cooperativa que trabalha em mais de oito praias, organizando pessoas para na safra colherem sementes na praia e fornecerem à empresa. Atualmente, a Beraca compra 500 toneladas de sementes da cooperativa por ano, beneficiando a renda de cerca de mil habitantes. “Antes, só vivíamos a mercê dos atravessadores. O que vendíamos tinham valor muito baixo para a comercialização. Com o apoio destas parcerias, discutimos uma alternativa de preço, agregarmos valor ao produto por meio do processamento e já garantimos para a empresa o volume necessário para a produção”, diz “Dadá”.
No início do projeto, poucas famílias acreditavam na ideia e comentavam que aquilo não poderia render recursos. Hoje, tudo o que é recolhido, agora tem destino certo, a indústria que beneficia a própria comunidade. Com o foco neste mercado, o próximo passo da Coopemaflima é a construção de uma fábrica de extração de óleo, para que as sementes possam ser beneficiadas localmente. Uma loja para vender os extratos também deve ser aberta em breve.
Segundo o gerente da empresa, lá ainda existe a pesca, mas o extrativismo complementa a renda das famílias, que varia de acordo com a época do ano. “A comunidade adotou a semente de andiroba como alternativa econômica financeira, exercendo uma atividade socioambiental, com a consciência de que os frutos colhidos geravam a conservação de mangues e várzeas, e que o volume de frutos comercializados poderia aumentar a partir de um manejo adequado de suas áreas de capoeiras, uma espécie de vegetação secundária composta por gramíneas e arbustos esparsos, e mangues”, argumenta Matos.
E é neste cenário também que se insere a realidade das mulheres extrativistas dos municípios de Salvaterra, Soure, Camará e Condeixa, as quais antes de nascer do sol, saem coletando as sementes, e como elas mesmas dizem agora, “são as mulheres que vivem em função da maré”. Com o foco no desenvolvimento sustentável, o projeto de empreendedorismo é um dos ganhadores do Seed Awards 2009, prêmio conferido pela Seed Initiative, uma parceria entre a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Além das práticas tradicionais

Além da Coopemaflima, hoje uma outra cooperativa vem ganhando um grande “empurrão”: é a Cooperativa Mista de Pequenos Produtores Rurais de Curralinhos (Cooped). Graças à ação de parceiras com a organização não governamental (ONG) Bolsa Amazônia – um espaço de promoção para empresas de responsabilidade social e ecológica, contribuindo para o aumento da renda dos pequenos produtores amazônicos – outras famílias dos municípios de Breves, Curralinho e regiões próximas também puderam ser auxiliadas. “Essas ações só promovem a qualidade de vida da comunidade e a sustentabilidade da região”, afirma o diretor executivo da Bolsa Amazônia, Claudionor Lima Dias, e coordenador do projeto.
Segundo Dias, a coleta de sementes de andiroba sempre foi prática tradicional nos municípios, o que ocorreu foi apenas um incentivo de transformar a atividade em uma fonte complementar de renda para as comunidades e de oportunidade para a empresa. “Hoje além da pracaxi, andiroba e o açaí, há a ideia da produção da farinha de buriti. Agora no mês de dezembro, a cooperativa além de iniciar uma melhoria na coleta das sementes, pretende agregar maior valor com a extração do óleo das sementes”, acrescenta.
O resultado destas ações entre cooperados, empresas e ONGs possibilitou as comunidades a obter certificações orgânicas e ambientais para as matérias-primas coletadas, colaborando para o aumento do valor agregado dos produtos. “A Cooped, por exemplo, foi criada em 1998, mas apenas um ano ingressou em um trabalho de parceria com a empresa. E de lá pra cá várias atividades foram desenvolvidas. Agora temos um potencial grande de comercialização, antes somente limitadas ao açaí”, diz Joval de Matos, presidente da cooperativa, localizada em Curralinho, a 107 quilômetros da capital paraense.
Atualmente são 117 famílias que vivem da coleta das sementes. Porém, o açaí ainda é a grande “vedete”. No período de entressafra, por exemplo, cada rasa – medida utilizada no local e que corresponde a aproxidamente 14 quilos do fruto – de açaí saí por cerca de R$ 45 reais.“Os cooperados entregam a quantidade solicitada à empresa e a sobra é rateada para o benefício da própria cooperativa. Hoje, as frutas e sementes produzidas aqui, ganham o mundo. Em uma feira em Bogotá, na República da Colômbia, oito de nossos produtos foram apresentados lá, como o açaí, o biscoito de cupuaçu, a castanha-do-pará, a andiroba, o pracaxi e a ucuúba. E o mundo de olho nas nossas riquezas”, orgulha-se Matos.


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