Entre as passagens de Mantega pela administração
pública, pode se destacar o comando do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão cargo
para o qual foi designado em janeiro de 2003 e exercido até
novembro de 2004 e a presidência do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
a qual exerceu até março de 2006.
Revista
Rural Com a proximidade do fim de 2009, qual a avaliação
que o senhor faz sobre os impactos no Brasil da crise dos
Estados Unidos? Quais setores da economia foram mais afetados?
Guido Mantega A crise foi a mais forte desde 1929.
Em um ano, as bolsas de valores registraram perdas de US$
30 trilhões. A crise, que atingiu o auge após
a quebra do Lehman Brothers, provocou escassez global de crédito,
além de recessão, desemprego e deflação
nos EUA, gerando uma crise de confiança na principal
economia do mundo, provocando efeito manada. Porém,
ações ousadas dos governos estancaram a quebradeira
dos bancos, que poderia levar a turbulência a uma dimensão
ainda maior. No Brasil, a indústria de um modo geral
foi bastante afetada pela retração econômica.
Em especial, podemos citar os segmentos que atuam no mercado
externo, incluímos o agronegócio e o setor automobilístico,
além da construção civil, pois são
dependentes de recursos internacionais e de matérias-primas
importadas. A escassez e o encarecimento do crédito
internacional também afetaram outros segmentos, como
as pequenas e médias empresas. Apesar disso, com a
melhora do cenário global, a indústria nacional
já está se recuperando, ainda que lentamente.
O governo agiu de forma a reduzir os impactos da crise global
na economia e os setores afetados reagiram positivamente.
Rural
Em especial, no setor agrícola, quais foram as
ações adotadas pelo governo?
Mantega No caso específico do setor agrícola,
o governo atuou fortemente para assegurar a liquidez necessária
ao financiamento da safra, com antecipação de
desembolsos do Banco do Brasil, alocação de
recursos adicionais de mais de R$ 20 bilhões e aumento
do crédito direcionado, tanto dos depósitos
à vista quanto da poupança rural, bem como linhas
especiais para agroindústrias e cooperativas agropecuárias.
Em outra frente, ampliamos programas do BNDES voltados para
aquisição de bens de capital, liberando mais
recursos e reduzindo as taxas de juros. Para garantir o financiamento
do investimento e da produção, mantivemos a
Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) em 6,25% ao ano, além
de liberar mais dinheiro para capital de giro destinado para
pré-embarque de exportações e empréstimos
ponte.
Rural
E quais os setores que sobressaíram, diante
da crise financeira?
Mantega Um dos setores mais preservados diante da crise
foi o de bens de consumo duráveis, pois a partir das
medidas anticíclicas, incluindo as desonerações,
o governo manteve a oferta de crédito para que a população
continuasse a ter poder de compra e a roda da economia funcionasse,
com manutenção do emprego e da renda.
Rural
Estimular o consumo foi a medida encontrada pelo governo
para não ceder à crise, com uma possível
recessão no País. Esse foi o motivo pelo qual
o governo optou pela isenção do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) sobre os carros e que ainda
continua para a chamada linha branca. Que balanço que
se pode fazer a partir dessa medida? Quanto girou o consumo
no País? Quanto foi injetado na economia? A medida,
de certa forma, prejudicou os cofres públicos?
Mantega Essa foi uma medida acertada, que se não
tivesse sido tomada levaria o Brasil a registrar crescimento
negativo esse ano, como alardeado por vários analistas
no auge da crise. Felizmente, o País não enfrentou
recessão e ainda vai crescer cerca de 1% em 2009, graças
à política anticíclica do governo federal.
As ações fiscais e as desonerações
custaram aproximadamente R$ 25 bilhões. O que foi injetado
na economia corresponde ao impacto que a redução
dos impostos provocou nos preços. Ou seja, o consumidor
está pagando menos para adquirir produtos que tiveram
as alíquotas do IPI reduzidas. No total, os gastos
com investimos e desonerações representaram
no Brasil o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB),
enquanto a China gastou 13% e os EUA 6,7% dos respectivos
PIB. Com relação aos impactos nos cofres públicos,
cabe lembrar que o próprio caráter das medidas
implica dizer que elas não são perenes e se
revertem em manutenção do consumo, até
que a economia possa andar com as próprias pernas.
O aumento dos gastos com a política anticíclica
não levou o Brasil ao endividamento. Ao contrário
de outros países, o Brasil está saindo rapidamente
da crise e com uma situação melhor, com a dívida
crescendo menos, cerca de 2%, contra aproximadamente 50% dos
EUA. Além disso, nosso déficit nominal em 2009
será um dos menores entre os países do G-20.
Sairemos com uma situação fiscal forte.
Rural
Recentemente, conversando com um produtor de arroz
de Uruguaiana (RS), foi citado justamente que essa medida
teve seus méritos, mas que não é essencialmente
uma praxe da política nacional (baixar tributos). Segundo
ele, o que o governo busca sempre é disponibilizar
crédito, que deve ser pago posteriormente. E ele indaga:
Se a atividade não remunera, como a conta vai
ser paga depois?. Diante disso, especificamente para
o setor do agronegócio brasileiro, qual a política
econômica mais realizada? É a disponibilidade
de crédito? Quanto à desoneração
sobre o custo de produção, que políticas
econômicas são desenvolvidas?
Mantega O setor agropecuário demanda financiamento
em quantidade suficiente, disponível no momento adequado
e a taxas de juros compatíveis com a rentabilidade
da atividade. Durante o período da crise, reduziu-se
substancialmente a oferta de financiamentos pelo setor privado,
em especial pelas tradings, em função das restrições
de liquidez enfrentadas pelas empresas. Isso representou uma
maior demanda por financiamentos com recursos controlados
do crédito rural na safra 2008/2009. Em função
disso, uma das prioridades do governo federal foi garantir
a oferta de crédito para o setor. Além do financiamento,
o governo federal mobilizou diversos instrumentos no âmbito
da Política de Garantia de Preços Mínimos
(PGPM) como instrumento de proteção ao produtor
rural e suas cooperativas em relação às
oscilações do preço dos produtos. Esses
instrumentos incluíram aquisições de
produtos, financiamento de estocagem pelos produtores e pelas
agroindústrias e subvenções para o escoamento
dos produtos das regiões produtoras até os mercados
consumidores. Para se ter uma ideia do alcance dessa política,
entre 2008 e 2009, foram destinados R$ 1,1 bilhão para
garantia de preços aos produtores de algodão;
R$ 400 milhões destinados à aquisição
e lançamento de contratos de opção de
venda de arroz; cerca de R$ 2 bilhões para garantia
de preços e apoio ao escoamento de milho; R$ 1,1 bilhão
para contratos de opção de trigo; e cerca de
R$ 2 bilhões para garantia de preços de café.
Outros produtos importantes também vêm recebendo
apoio governamental, com destaque para o feijão e o
leite. Além dessas ações, o governo tem
atuado no sentido de garantir a renda da atividade agropecuária
por meio da ampliação dos recursos destinados
à subvenção ao prêmio ao seguro
rural. Também está em fase final de negociação
no Congresso Nacional o Projeto de Lei que cria o Fundo Catástrofe,
que contará com subsídio público e deverá
estimular a ampliação do seguro no âmbito
rural. No caso da agricultura familiar, vale destacar inovações
recentes, como a autorização para cobertura
de créditos de investimento pelo Programa de Garantia
da Atividade Agropecuária (Proagro); a ampliação
do limite do Proagro Mais, destinado à
cobertura da renda esperada do empreendimento financiado;
e a inclusão de novas culturas e atividades no Programa
de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF).
Rural
O dólar está em queda gradativa desde
fevereiro deste ano, prejudicando as exportações
brasileiras. Que tipo de quadro econômico que se pode
traçar a partir desse fato? Há alguma saída
para que o produtor brasileiro não se sinta desestimulado
em exportar?
Mantega Há atualmente no País um cenário
cambial com menos volatilidade, graças às ações
tomadas pelo governo, com dólar estabilizado na casa
de R$ 1,70. Nós estávamos sofrendo um fluxo
muito forte de capital estrangeiro, principalmente na bolsa
e esse fluxo foi atenuado pelas medidas de IOF (aplicação
de alíquota de 2% sobre investimento externo de curto
prazo) que nós tomamos. Além disso, esse excesso
de dólares no mercado está sendo absorvido pelo
Banco Central. Para os exportadores, além da redução
do custo de financiamento pré-embarque e pós-embarque
do BNDES, estamos fazendo medidas também que reduzem
o custo do investimento. Por exemplo, neste ano, nós
reduzimos as taxas para aquisição de equipamentos
agrícolas que caiu para 4,5% no Finame, com equalização
do Tesouro. Portanto, o exportador que estiver adquirindo
estas máquinas a um preço reduzido terá
mais competitividade porque poderá oferecer o produto
a um preço menor.
Rural
Quanto à saúde das contas do governo,
qual o balanço que pode fazer até o momento?
Gastou-se mais? Quanto das dívidas externa e interna
foram pagas?
Mantega A situação da dívida líquida
do setor público está sob controle. No ano passado
ela caiu para 36% do PIB, mesmo em um ambiente de alta volatilidade.
A situação da dívida permite que o Tesouro
Nacional tenha uma estratégia mais cautelosa de gerenciamento,
evitando se refinanciar a preços muito mais altos.
A gestão da dívida reduziu significativamente
o seu risco, permitindo que o Brasil passe por crises externas
com resultados positivos. Além disso, este ano, mesmo
com a ação anticíclica no enfrentamento
da crise, vamos cumprir a meta de superávit primário
(economia que o governo federal faz para pagar os juros da
dívida), com a possibilidade de abatimento dos investimentos
do Projeto Piloto de Investimento (PPI). Não são
apenas perspectivas, mas resultados fortes, que mostram que
o País tem fundamentos sólidos. É bom
lembrar que nossas reservas internacionais permanecem no patamar
de US$ 200 bilhões. Somos hoje credores em dólares.
O aumento das reservas internacionais é uma estratégia
do Banco Central para garantir um colchão
de proteção e reduzir o impacto de crises internacionais
que possam levar a uma fuga de dinheiro do Brasil. Elas mostram
também que o País tem dinheiro para pagar sua
dívida externa, o que reduz as chances de um calote,
tranquilizando os credores. Quanto aos gastos do setor público,
o Tesouro Nacional trabalha para melhorar a qualidade dos
gastos. Em outubro, por exemplo, constatamos um aumento das
despesas de capital e queda nas despesas de custeio, que era
uma meta perseguida ao longo de todo o ano. Além disso,
tenho um projeto antigo no qual gostaria de reduzir o custo
da folha de pagamento sem reduzir salário, naturalmente,
reduzindo os encargos, que são muito elevados no Brasil.
Só que esse projeto foi comprometido pela crise que
tivemos esse ano que reduziu a nossa arrecadação
e nos obrigou a fazer desonerações. Então,
esse ano nós procuramos fazer mais desonerações,
estimulando o consumo diretamente.
Rural
Sobre o crescimento econômico do País,
qual é saldo esperado para este ano? Qual é
a perspectiva que se faz para o próximo ano, 2010?
Mantega Em 2009, trabalhamos com o PIB positivo em
cerca de 1%, seguido de crescimento de 5% em 2010. Já
em 2011, nossa expectativa é de que o País retome
o ciclo de crescimento, interrompido no último trimestre
de 2008 e ao longo de 2009. Ou seja, em 2011, o Brasil voltará
a registrar taxa de crescimento acima de 5%.
Rural
- Após sete anos do governo do Partido dos Trabalhadores,
qual é o legado que se deixa à economia brasileira?
Caminhamos a passos mais sólidos para sermos um País
mais forte economicamente e de referência mundial?
Mantega Após sete anos no governo, podemos afirmar
que estamos deixando como legado um novo ciclo de desenvolvimento
econômico. A crise internacional trouxe exatamente o
reconhecimento de que o País está mais forte
economicamente, e se torna mais e mais uma referência
em termos de crescimento sustentado para o resto do mundo.
Estamos tomando as medidas necessárias para incentivar
o crescimento e, especialmente, para fortalecer os investimentos,
de forma a dar estrutura para o Brasil competir nos mercados
internacionais, além de fortalecer simultaneamente
o mercado interno e a distribuição de renda.
|