Eu
e minha esposa chegávamos a retirar até 100
quilos de peixe por dia. E não é história
de pescador, não, brinca. Até que
chegou um tempo que os peixes foram sumindo, recorda.
Com a falta do pescado, o ex-operário percebeu que
não dava mais para sobreviver da atividade e, que justamente,
a falta dele era consequência de uma pesca desordenada
na grande lagoa. Daí, Elias teve uma ideia que virou
caso de sucesso e fonte de renda para muita gente daquela
região, em torno da Lagoa do Juara. A partir de um
trabalho que conheceu (onde alguns pescadores se uniram em
uma associação e realizavam uma pescaria consciente),
ele arregaçou as mangas e partiu para uma campanha
com os moradores. E em fevereiro de 2000, surgiu a Associação
de Pescadores da Lagoa do Juara (APLJ) formada naquela época
por 30 famílias, das quase 90, que sobreviviam da pesca
na região. Muitos começaram a deixar a
atividade e migrar para a capital, em busca de trabalho,
conta.
À frente da associação, Elias procurou
alguns órgãos e instituições do
Estado. Assim estava dado o primeiro passo. Só
restava conseguir verba que não tínhamos, para
comprar os equipamentos, para aumentar a produção,
diz. Mesmo com a demora, conseguimos algum tempo depois
os recursos que precisávamos, frisa.
Unidos, eles se lançaram à busca de espaço
para a comercialização e de alguns meios para
isto, pois o volume de produto retirado da Lagoa ainda era
pequeno. Foi a partir daí, que o Serviço de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Espírito
Santo, a Prefeitura, o Banco do Brasil, entre outros parceiros,
entraram para a compor a história de um sonho.
Nesta parceria, o Sebrae-ES apresentou um projeto aos produtores,
articulou as questões de gestão e fez o caminho
para eles chegarem aos investimentos, com compras de equipamentos
necessários para o beneficiamento do peixe, além
de proporcionar a assistência técnica por meio
do Centro de Tecnologia em Aquicultura e Meio Ambiente (CTA)
empresa atuante no desenvolvimento e difusão
de tecnologia nos diversos segmentos das cadeias produtivas
aquícolas no Estado. A empreitada ainda contou com
a ajuda da Prefeitura de Serra, que auxiliou com tanques redes.
E por fim veio o apoio Fundação Banco do Brasil,
na cooperação da construção de
um restaurante.
Com a ajuda, as famílias conseguiram os recursos (não
somente financeiros) para o planejamento da área de
criação e, seguido de assistência técnica,
os produtores implantaram os parques de cultivo e tecnificaram
a produção. Com isso, garantimos o retorno
dos peixes que faltava na Lagoa do Juara, brinca ele.
O modelo de piscicultura, proposto aos associados, pelo Programa
do Sebrae-ES conhecido como Programa de Piscicultura
Integrada Peixe na Mesa - Tilápia nas Águas
Capixabas com incentivo ao associativismo
levou os produtores a implantar uma filetadora (unidade de
beneficiamento de tilápias que produz o filé
do peixe) e, por meio de um trabalho direcionado, o produto
chegou mais rápido nas mãos do consumidor, que
no caso deles vai direto para o restaurante (construído
pela própria associação), à beira
das águas. Muitos da região, não
conheciam nada de pescado e de comercialização
e passaram a entender, graças aos cursos promovidos
pelos parceiros, conta.
Elias lembra que no começo eram apenas 15 tanques,
que foram abastecidos com os primeiros alevinos (filhotes
de peixe) que chegaram por meio do CTA-ES. E para a surpresa
de todos, em junho 2004, os associados chegaram a retirar
dos tanques cinco toneladas de tilápias, que garantiram
até uma festa na cidade. Atualmente, os piscicultores
trabalham com 150 tanques de rede, que são colocados
a quatro quilômetros da margem da lagoa. Ao todo, 24
famílias (entre piscicultores e dez mulheres integram
hoje o projeto). No local, enquanto os homens criam as tilápias,
as mulheres (a maioria esposas dos pescadores) administram
o restaurante. Segundo o pescador, hoje dá para sobreviver
com a produção entre seis a oito toneladas,
em média por mês, de tilápias. Aqui,
o pescado é abatido na hora. O freguês também
pode escolher o peixe que quer levar.
Após quatro anos na presidência da associação
e com o sonho realizado, Elias promove agora o turismo na
Lagoa do Juara. Hoje, ele é o responsável pelos
passeios dos turistas. São 10 pedalinhos e um barco
que trafegam na lagoa. O percurso é de meia hora
em torno de quatro quilômetros. Agora, só trabalho
nisto. Passei a responsabilidade para outro... Há novas
pessoas no projeto. Eu já me aposentei, ri o
empreendedor.
Outro que viu uma grande mudança acontecer em sua vida
foi o atual presidente da Associação de Pescadores
da Lagoa do Juara, João Valadão, que atua faz
quatro anos na entidade. Antes de ser pescador, era um homem
da lavoura, como ele mesmo diz. Plantava milho, feijão
e café. Tudo isto no município de Iúna,
no Sul do Estado do Espírito Santo. Em 1993, ele a
esposa e os cinco filhos decidiram buscar uma nova vida na
cidade grande. O pescador conta que enfrentou uma rotina de
trabalho duro. Entre os empregos que conseguiu o último
foi o de porteiro. Até que em 1995, mudou para a Jacaraípe,
no município de Serra e conheceu a associação.
Lá, vi a oportunidade que me garantiria uma renda
maior, diz ele, que recomeçou a vida aos 50 anos,
aprendendo a pescar.
Valadão, como é mais conhecido, conta a nossa
reportagem o que mudou em sua vida. Ele diz, com a voz mansa,
que adoraria nos mostrar os detalhes dos trabalhos desenvolvidos
por eles na lá, na Lagoa do Juara, que só lhe
trouxe benfeitoria, entre elas: a qualidade de vida que tanto
pedia.
Peixe
na Mesa
De acordo com o presidente da APLJ, cada associado ganha em
média R$ 800 reais, por mês. Hoje o peixe
rende. Tudo o que é faturado com o pescado é
dividido entre as famílias. O restante vai para a manutenção
dos tanques, para a ração e a aquisição
de alevinos que vêm de várias empresas que atendem
à associação, explica Valadão.
Para ele, com os ganhos dá pra se levar.
Apesar do gasto com a criação. O que encarece
é a manutenção e a comida para os peixes,
diz. A gente pede a Deus para melhorar, a cada dia mais,
a produção e nossos rendimentos. Mas, tá
bom, pois sempre aparece um ou outro que quer entrar na associação,
então é sinal que tem vantagem, frisa.
A criação de tilápias não foi
só uma alternativa do Elias e do Valadão, mas
a de muitos pequenos produtores rurais da região, e
dos demais municípios da região Sul-Serrana,
Centro e Norte do Estado, que hoje fazem da criação
uma fonte de renda lucrativa. Com a atividade, eles
ganharam uma alternativa de diversificação de
renda, aumento no orçamento familiar e a fixação
deles no campo, diz a gestora de Projeto de Aquicultura
do Sebrae, Silvia Anchieta de Paula.
Há 15 anos, o Sebrae-ES mantém um projeto Peixe
na Mesa de aquicultura em todo o Estado. Atualmente,
os trabalhos desenvolvidos envolvem outras associações
de pescadores artesanais, além da Associação
de Pescadores da Lagoa do Juara.
Segundo a gestora, a metodologia é parecida, mas cada
uma tem sua particularidade. O projeto beneficia muitas famílias
naquele Estado, principalmente os pescadores artesanais que
apostam na produção de tilápias, em tanques
rede, como alternativa de renda à pesca extrativista.
Hoje, já estamos no processo de transformar a
associação em cooperativa. Com isto, pode agregar
melhor a produção e às vendas,
diz Valadão.
Hoje, o Espírito Santo é uma referência
nacional em termos de organização e desenvolvimento
de cadeias produtivas aquícolas, não somente
da tilápia, mas também do camarão de
água doce e da produção de mariscos,
principalmente, por causa dos trabalhos desenvolvidos em parcerias.
E o motivo do sucesso do projeto e da fama do Estado, segundo
aponta a gestora do Sebrae é que o capixaba gosta
muito de peixe.
Uma
questão de sustentabilidade
Hoje, são várias as propriedades rurais, nos
municípios do Estado, em que há viveiros escavados.
Lá no Juara, o local de criação foi beneficiado
pela natureza. Além disto, o projeto traz pontos
interessantes, no que diz respeito a sustentabilidade. Os
pescadores aprenderam a criar o peixe, diminuindo a predação
do estoque pesqueiro da lagoa. Há também uma
inclusão social, além de aprender um novo ofício
os pescadores trabalham juntos com as esposas e obtém
uma renda mensal, aliado a exploração do turismo
na própria Lagoa, explica Zootecnista do CTA
e executor do técnico, Thiago José Millani.
Existem também uma preocupação com a
produção, na Lagoa são utilizadas tilápias
tailandesas da linhagem Thai-Chitralada, espécie
revertida sexualmente, que apresenta um melhor desempenho
em confinamento (gaiolas). Os indivíduos (as
tilápias) são revertidos para macho, o que garante
ganho de peso mais rápido. Há também
um acompanhamento diário quanto às questões
de sanidade em cada fase do desenvolvimento das tilápias.
Lá, há também reaproveitamento do couro
da tilápias, que são destinados às empresas
que produz bolsas e cintos no Estado de Minas Gerais,
descreve.
A comercialização dos peixes chega no seu ápice
no verão e as vendas esquentam nos feriados, principalmente
na Semana Santa. Atualmente, o quilo da tilápia custa
R$ 7,00. Para Millani, o projeto que começou com um
grande investimento dos parceiros envolvidos, não só
ajudou o estoque pesqueiro da Lagoa do Juara, mas mudou a
vida de muitos sonhadores, como o Elias.
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