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PSICULTURA - O LADO SUSTENTÁVEL DA TILÁPIAS
rev 140 - outubro 2009

Como a criação de tilápias virou fonte de renda lucrativa para pequenos produtores e sinônimo de associativismo. Aos 58 anos, Elias Floriano Effgen comemora a conquista de um sonho. Após trabalhar 21 anos na Companhia Vale do Rio Doce, em Porto de Tubarão – localizado em Vitória (ES) – ele deixou há 11 anos a metrópole e optou por um lugar mais tranquilo (ao lado da esposa) para terminar de educar três filhos. Hoje, segundo Elias todos estão “criados”. Com o que ganhou trabalhando na empresa, comprou seu primeiro barco e foi viver da pesca no município de Serra (distante a 20 quilômetros da capital), em um bairro próximo à Lagoa do Juara. E lá, começou a pescar tilápias e vendê-las ali mesmo.

“Eu e minha esposa chegávamos a retirar até 100 quilos de peixe por dia. E não é história de pescador, não”, brinca. “Até que chegou um tempo que os peixes foram sumindo”, recorda.
Com a falta do pescado, o ex-operário percebeu que não dava mais para sobreviver da atividade e, que justamente, a falta dele era consequência de uma pesca desordenada na grande lagoa. Daí, Elias teve uma ideia que virou caso de sucesso e fonte de renda para muita gente daquela região, em torno da Lagoa do Juara. A partir de um trabalho que conheceu (onde alguns pescadores se uniram em uma associação e realizavam uma pescaria consciente), ele arregaçou as mangas e partiu para uma campanha com os moradores. E em fevereiro de 2000, surgiu a Associação de Pescadores da Lagoa do Juara (APLJ) formada naquela época por 30 famílias, das quase 90, que sobreviviam da pesca na região. “Muitos começaram a deixar a atividade e migrar para a capital, em busca de trabalho”, conta.
À frente da associação, Elias procurou alguns órgãos e instituições do Estado. Assim estava dado o primeiro passo. “Só restava conseguir verba que não tínhamos, para comprar os equipamentos, para aumentar a produção”, diz. “Mesmo com a demora, conseguimos algum tempo depois os recursos que precisávamos”, frisa.
Unidos, eles se lançaram à busca de espaço para a comercialização e de alguns meios para isto, pois o volume de produto retirado da Lagoa ainda era pequeno. Foi a partir daí, que o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Espírito Santo, a Prefeitura, o Banco do Brasil, entre outros parceiros, entraram para a compor a história de um sonho.
Nesta parceria, o Sebrae-ES apresentou um projeto aos produtores, articulou as questões de gestão e fez o caminho para eles chegarem aos investimentos, com compras de equipamentos necessários para o beneficiamento do peixe, além de proporcionar a assistência técnica por meio do Centro de Tecnologia em Aquicultura e Meio Ambiente (CTA) – empresa atuante no desenvolvimento e difusão de tecnologia nos diversos segmentos das cadeias produtivas aquícolas no Estado. A empreitada ainda contou com a ajuda da Prefeitura de Serra, que auxiliou com tanques redes. E por fim veio o apoio Fundação Banco do Brasil, na cooperação da construção de um restaurante.
Com a ajuda, as famílias conseguiram os recursos (não somente financeiros) para o planejamento da área de criação e, seguido de assistência técnica, os produtores implantaram os parques de cultivo e tecnificaram a produção. “Com isso, garantimos o retorno dos peixes que faltava na Lagoa do Juara”, brinca ele.
O modelo de piscicultura, proposto aos associados, pelo Programa do Sebrae-ES – conhecido como Programa de Piscicultura Integrada “Peixe na Mesa - Tilápia nas Águas Capixabas” – com incentivo ao associativismo – levou os produtores a implantar uma filetadora (unidade de beneficiamento de tilápias que produz o filé do peixe) e, por meio de um trabalho direcionado, o produto chegou mais rápido nas mãos do consumidor, que no caso deles vai direto para o restaurante (construído pela própria associação), à beira das águas. “Muitos da região, não conheciam nada de pescado e de comercialização e passaram a entender, graças aos cursos promovidos pelos parceiros”, conta.
Elias lembra que no começo eram apenas 15 tanques, que foram abastecidos com os primeiros alevinos (filhotes de peixe) que chegaram por meio do CTA-ES. E para a surpresa de todos, em junho 2004, os associados chegaram a retirar dos tanques cinco toneladas de tilápias, que garantiram até uma festa na cidade. Atualmente, os piscicultores trabalham com 150 tanques de rede, que são colocados a quatro quilômetros da margem da lagoa. Ao todo, 24 famílias (entre piscicultores e dez mulheres integram hoje o projeto). No local, enquanto os homens criam as tilápias, as mulheres (a maioria esposas dos pescadores) administram o restaurante. Segundo o pescador, hoje dá para sobreviver com a produção entre seis a oito toneladas, em média por mês, de tilápias. “Aqui, o pescado é abatido na hora. O freguês também pode escolher o peixe que quer levar”.
Após quatro anos na presidência da associação e com o sonho realizado, Elias promove agora o turismo na Lagoa do Juara. Hoje, ele é o responsável pelos passeios dos turistas. São 10 pedalinhos e um barco que trafegam na lagoa. “O percurso é de meia hora em torno de quatro quilômetros. Agora, só trabalho nisto. Passei a responsabilidade para outro... Há novas pessoas no projeto. Eu já me aposentei”, ri o empreendedor.
Outro que viu uma grande mudança acontecer em sua vida foi o atual presidente da Associação de Pescadores da Lagoa do Juara, João Valadão, que atua faz quatro anos na entidade. Antes de ser pescador, era um homem da lavoura, como ele mesmo diz. “Plantava milho, feijão e café”. Tudo isto no município de Iúna, no Sul do Estado do Espírito Santo. Em 1993, ele a esposa e os cinco filhos decidiram buscar uma nova vida na cidade grande. O pescador conta que enfrentou uma rotina de trabalho duro. Entre os empregos que conseguiu o último foi o de porteiro. Até que em 1995, mudou para a Jacaraípe, no município de Serra e conheceu a associação. “Lá, vi a oportunidade que me garantiria uma renda maior”, diz ele, que recomeçou a vida aos 50 anos, aprendendo a pescar.
Valadão, como é mais conhecido, conta a nossa reportagem o que mudou em sua vida. Ele diz, com a voz mansa, que adoraria nos mostrar os detalhes dos trabalhos desenvolvidos por eles na lá, na Lagoa do Juara, que só lhe trouxe benfeitoria, entre elas: a qualidade de vida que tanto pedia.

“Peixe na Mesa”

De acordo com o presidente da APLJ, cada associado ganha em média R$ 800 reais, por mês. “Hoje o peixe rende. Tudo o que é faturado com o pescado é dividido entre as famílias. O restante vai para a manutenção dos tanques, para a ração e a aquisição de alevinos que vêm de várias empresas que atendem à associação”, explica Valadão.
Para ele, com os ganhos “dá pra se levar”. “Apesar do gasto com a criação. O que encarece é a manutenção e a comida para os peixes”, diz. “A gente pede a Deus para melhorar, a cada dia mais, a produção e nossos rendimentos. Mas, tá bom, pois sempre aparece um ou outro que quer entrar na associação, então é sinal que tem vantagem”, frisa.
A criação de tilápias não foi só uma alternativa do Elias e do Valadão, mas a de muitos pequenos produtores rurais da região, e dos demais municípios da região Sul-Serrana, Centro e Norte do Estado, que hoje fazem da criação uma fonte de renda lucrativa. “Com a atividade, eles ganharam uma alternativa de diversificação de renda, aumento no orçamento familiar e a fixação deles no campo”, diz a gestora de Projeto de Aquicultura do Sebrae, Silvia Anchieta de Paula.
Há 15 anos, o Sebrae-ES mantém um projeto Peixe na Mesa” de aquicultura em todo o Estado. “Atualmente, os trabalhos desenvolvidos envolvem outras associações de pescadores artesanais, além da Associação de Pescadores da Lagoa do Juara”.
Segundo a gestora, a metodologia é parecida, mas cada uma tem sua particularidade. O projeto beneficia muitas famílias naquele Estado, principalmente os pescadores artesanais que apostam na produção de tilápias, em tanques rede, como alternativa de renda à pesca extrativista. “Hoje, já estamos no processo de transformar a associação em cooperativa. Com isto, pode agregar melhor a produção e às vendas”, diz Valadão.
Hoje, o Espírito Santo é uma referência nacional em termos de organização e desenvolvimento de cadeias produtivas aquícolas, não somente da tilápia, mas também do camarão de água doce e da produção de mariscos, principalmente, por causa dos trabalhos desenvolvidos em parcerias. E o motivo do sucesso do projeto e da fama do Estado, segundo aponta a gestora do Sebrae “é que o capixaba gosta muito de peixe”.

Uma questão de sustentabilidade

Hoje, são várias as propriedades rurais, nos municípios do Estado, em que há viveiros escavados. Lá no Juara, o local de criação foi beneficiado pela natureza. “Além disto, o projeto traz pontos interessantes, no que diz respeito a sustentabilidade. Os pescadores aprenderam a criar o peixe, diminuindo a predação do estoque pesqueiro da lagoa. Há também uma inclusão social, além de aprender um novo ofício os pescadores trabalham juntos com as esposas e obtém uma renda mensal, aliado a exploração do turismo na própria Lagoa”, explica Zootecnista do CTA e executor do técnico, Thiago José Millani.
Existem também uma preocupação com a produção, na Lagoa são utilizadas tilápias tailandesas da linhagem ‘Thai-Chitralada’, espécie revertida sexualmente, que apresenta um melhor desempenho em confinamento (gaiolas). “Os indivíduos (as tilápias) são revertidos para macho, o que garante ganho de peso mais rápido. Há também um acompanhamento diário quanto às questões de sanidade em cada fase do desenvolvimento das tilápias. Lá, há também reaproveitamento do couro da tilápias, que são destinados às empresas que produz bolsas e cintos no Estado de Minas Gerais”, descreve.
A comercialização dos peixes chega no seu ápice no verão e as vendas esquentam nos feriados, principalmente na Semana Santa. Atualmente, o quilo da tilápia custa R$ 7,00. Para Millani, o projeto que começou com um grande investimento dos parceiros envolvidos, não só ajudou o estoque pesqueiro da Lagoa do Juara, mas mudou a vida de muitos sonhadores, como o Elias.


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