Confiança do rastreamento da carne brasileira pode
estar abalada. Denuncias no Porto de Santos (SP) apontam graves
irregularidades.
No final do mês de agosto, fiscais federais agropecuários
e ex-servidores do Serviço de Vigilância Agropecuária
(SVA), do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa), denunciaram ao Ministério Público
um esquema de liberação de produtos de forma
inapropriada no Porto de Santos (SP), o maior da América
Latina (com movimentação de 91 bilhões
de dólares), por ano em mercadorias. Segundo os empregados,
os próprios funcionários da Vigilância
de Agropecuária Internacional (Vigiagro), do Mapa,
que são os responsáveis pela supervisão
das mercadorias
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que entram e saem do País, por meio do porto, formaram
um esquema que comanda as autorizações sem usar
os critérios regulamentados para isso.
Segundo a denúncia, muitos containers carregados são
embarcados com autorização de quem não
poderia conferi-los. Outro problema seria autorizar o embarque
de produtos para países que vetaram a entrada da determinada
mercadoria, como é o caso do leite em pó para
a União Europeia (UE). Além disso, empresas
não cadastradas junto ao Mapa também receberam
autorização para embarcar mercadorias nos navios.
De acordo com os fiscais que denunciaram a ação
houve uma tentativa de acabar com essas irregularidades, mas
representantes do Mapa não tiveram a mesma vontade.
Na época, foi elaborado um projeto para que o sistema
funciona-se eletronicamente, mas não foi colocado em
prática nem mesmo levado em conta. A presença
dos fiscais (que denunciaram o fato) no porto atrapalhava
o esquema, e para burlá-los, os demais funcionários
usaram diferentes táticas. Algumas vezes, os
papéis sobre uma mercadoria chegava para nós
depois que a embarcação já estava em
alto mar. Ou seja, não tínhamos nem a chance
de verificar aquela mercadoria, exemplifica Alexandre
dos Reis Inácio Souza, fiscal federal agropecuário,
um dos nove que apresentaram a denúncia.
Os empregados dizem que ao tentar fiscalizar os containers
com as mercadorias e barrar alguns embarques, começaram
a sofrer ameaças. Muitos foram retirados de suas atribuições.
Segundo eles, o ministério colocou os funcionários
para atuar em áreas onde não tinham cargas para
ser vistoriadas e, logo depois, foram transferidos para outros
pontos de fiscalização, como no Estado de Mato
Grosso do Sul, para a cidade de Campinas e Cubatão,
em São Paulo.
O dossiê com a lista de algumas supostas irregularidades
apontam que a fiscalização dos produtos, como
carne, mel e ovos, deve ser realizada por um veterinário.
No caso de grãos, a responsabilidade é dos agrônomos.
Porém, não é isso que vem acontecendo
no Vigiagro. Documentos mostram que o agrônomo Orlando
Prieto Junior, apontado como um dos chefes do esquema, carimbou
guias de autorização de carregamentos de carne
bovina.
Correndo
riscos
A falta de fiscalização brasileira sobre os
próprios produtos exportados é um grave problema.
Isto faz com que o País corra o risco de perder a credibilidade
quanto à qualidade dos produtos. Um agrônomo
não tem condições de saber se um carregamento
de carne está em perfeito estado de conservação
ou não. A grande questão é que o Brasil
está correndo um sério risco de perder credibilidade
no mercado internacional de carnes e ter alguma sanção
futuramente, aponta o fiscal Alexandre Souza.
A União Européia (UE) enviou uma comissão
European Commission, ao Brasil para realizar um
estudo avaliando as condições brasileiras de
controle em segurança do alimento e de certificação
em relação à exportação
de carne bovina. A conclusão do relatório aponta
problemas exatamente na parte final da cadeia. Trecho do relatório
aponta: Em conclusão, a situação
é amplamente satisfatória em relação
a estabelecimentos produtores de carne e certificação
para carne bovina in natura a ser importada pela
UE. A certificação para carregamentos de carne
bovina in natura, introduzidos no território da UE
para trânsito com destino a países terceiros
necessita cuidadosa atenção....
Os empregados também reclamaram sobre uma auditoria
realizada pelo Ministério Público, no final
de 2008, que teria sido feita para mascarar os problemas e
apontar os próprios fiscais como os responsáveis
pelo mau andamento do processo. Porém, ao relatar os
problemas que deixam o País em descrédito, os
fiscais denunciantes viraram réus em processos
internos do Mapa, sendo que alguns deles não sabem
do que são acusados. O processo está aberto,
mas não há nenhum artigo em que sou enquadrada,
acusa Gyomara Caetani Fonseca, uma das fiscais do Mapa.
Já um outro fiscal, André Castreani Quirino,
diz que chegou a ser ameaçado de morte enquanto trabalhava
no Porto de Santos. Segundo o empregado, durante conversas
com os trabalhadores do porto, ele foi intimidado. Fui
ameaçado de morte mais de uma vez pelo pessoal do Vigiagro,
lembra o fiscal, que atualmente trabalha em Mato Grosso do
Sul.
Sobre as denúncias, o Mapa soltou um comunicado à
imprensa confirmando os processos administrativos dos fiscais
e informou que não irá se pronunciar antes que
esses processos se encerrem.
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