De acordo com os dados do Ministério Público, no dia 1º de junho, foram realizadas ações com o objetivo de “boicotar” propriedades que não respeitam às regras ambientais ou trabalhistas, principalmente, no Estado do Pará. Segundo os órgãos ligados ao governo e as ONGs, estudos recentes apontam que a pecuária ocupa a maior parte das áreas desmatadas, recentemente na Amazônia, além de ser um dos setores que mais concentra casos de trabalho escravo. Desde lá, as ações vêm dividindo opiniões de todos os envolvidos na cadeia produtiva da carne.
Para Lauriston Bertelli Fernandes, diretor técnico da Premix, empresa de nutrição animal, em um primeiro momento estas ações podem atrapalhar, porém, ele acredita que é uma grande oportunidade do setor de buscar outros recursos que amenizem os impactos ambientais. “Nós temos como contornar esta situação, dispondo de novas tecnologias, o que reduz a criação em áreas extensivas”, diz Fernandes.
O mesmo ponto de vista é mantido pelo gerente de pecuária da Agropecuária Jacarezinho, Luiz Fernando Boveda. Segundo ele, o fato ainda é recente e não dá para dizer o quanto isto afetará a cadeia da carne. “Mas, isto tudo pode ser positivo, uma vez que podemos estimular uma melhor produtividade e garantir a certificação da carne. O que não pode acontecer é generalizar uma situação. O pecuarista está fazendo suas contribuições de várias maneiras. Existe uma preocupação de maneira sustentável, para garantir a qualidade, sabemos que isto é importante e representativo para o PIB do País”, afirma Boveda. “Por outro lado, lembramos que os nossos sistemas de rastreabilidade ainda precisam ser melhorados. É preciso dar condições e esclarecimento, para que possamos atender às exigências deste programa [o Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov)]”, diz o gerente de pecuária.
Desde junho, pelo menos 35 empresas, incluindo grandes redes de supermercados, declararam que iriam parar de adquirir derivados de carne que venham de fazendas embargadas pelo Ibama, no Pará. Parte dos varejistas já havia boicotado fazendas flagradas. No entanto, alguns pecuaristas e especialistas temem um novo problema na comercialização das carnes. “O governo federal já dispõe de ferramentas que, quando integradas, seriam capazes de garantir ao consumidor a informação sobre a origem do seu produto, como as informações presentes nas Guias de Trânsito Animal, nos bancos de dados da Receita Federal do Brasil e até mesmo em plataformas como o Sisbov. De repente, aparece um outro órgão e quer mudar toda uma estrutura, já existente. Na minha opinião, não compete aos frigoríficos controlar a origem do produto, compete sim ao governo. E ele já tem feito um trabalho bom nisto. Agora, o Ministério Público no Pará se basear em uma organização para impor regras, isto não pode acontecer. Precisamos discutir cientificamente. Para isto, vamos iniciar um estudo para mostrar o que de fato acontece naquela região”, ressalta Antenor Nogueira, presidente do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Esse argumento também é seguido pelo membro do conselho de administração do JBS Friboi e ex-ministro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Segundo ele, é muito difícil exigir rastreabilidade de todos os produtores. Em todo o País, o JBS Friboi tem 16 mil fornecedores. “A questão é que a nova lei não tem definições muito claras, de quem está na lista. Na minha opinião é preciso melhorar a qualidade destes registros, não se pode punir indevidamente. Mais uma vez, o pecuarista é penalizado por erros do passado. Falta bom senso às autoridades ambientais para anistiar o que ocorreu em outra época”, argumenta Moraes.
“Eu diria que a cadeia da carne foi duramente afetada (...). O que pode ocorrer agora é o encarecimento do produto para o consumidor. No que diz respeito à cadeia produtiva da carne, o efeito pode ser maior ainda, uma vez que a imagem do País pode ser afetada, lá fora”, argumenta diretor da AgraFNP, José Vicente Ferraz. “Obviamente chegou ao conhecimento do mercado internacional e os concorrentes poderão usar isto, contra o Brasil, futuramente, afetando o nome de alguns frigoríficos. Já que a lei trouxe um impasse na própria cadeia, pois algumas redes irão manter o embargo, afetando outras empresas e penalizando 119 pecuaristas que lá produzem”, comenta.
Já para o pecuarista Ricardo Arantes, da Fazenda Nova Vida, localizada em Ariquemes, em Rondônia, não se pode vetar a comercialização de carne de todos os pecuaristas que estão situados na Amazônia Legal. “Não se pode condenar citando que todos produzem o ‘boi pirata’. Devemos separar os pecuaristas, aqueles que estão prejudicando ou fazendo uma produção de maneira errônea”, menciona Ricardo Arantes, pecuarista que realiza a cria, recria e engorda de 12 mil cabeças, em 18 mil hectares.
Para o representante da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), Juan Lebrón, ainda é cedo para garantir qual será o futuro da cadeia produtiva da carne, até mesmo porque é uma questão de região. “Não afeta uma cadeia como um todo. Mas, provavelmente é certo que a indústria e o pecuarista terão de se adaptar às novas exigências”, diz. E se com isto os confinamentos saíssem ganhando? Ele responde: “Eu acho que sim, o sistema do confinamento inibe o desmatamento, tem uma alta produção, a qual o espaço de terra é mais controlado”, ressalta. Segundo Lebrón, a questão desta discussão é o consumidor. “É ele quem determinará o que ele quer. Se quer pagar por isto e não por aquilo. Não é questão de baixar a portaria. No meu ponto de vista, quem determina é o consumidor e pronto”, finaliza.
Retomada das negociações
Após um mês de negociações, o governo do Pará assinou, no dia 8 de julho, um acordo com o Ministério Público Federal para apoiar a regularização da pecuária no estado. Pelo acordo assinado pela governadora Ana Julia Carepa (PT), o estado se comprometeu em auxiliar na recomposição de áreas de preservação permanente e reservas, implantar o Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE) em todo o estado, fazer a regularização fundiária de áreas estaduais, agilizar o licenciamento ambiental, implementar a Guia de Trânsito Animal Eletrônica e intensificar o cadastro ambiental rural.
Dois dos maiores frigoríficos – Minerva e Bertin – já se prontificaram a favor do acordo, assinando o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Em comunicado à imprensa, o Minerva reiterou que não possui plantas em operação no Estado do Pará e que já estava alinhada às normas em vigência sobre a comercialização de animais provenientes de fazendas habilitadas, inclusive exigindo isso de seus fornecedores de carne.
Para o diretor-presidente da Bertin S.A, Fernando Bertin, a assinatura do TAC reitera o compromisso da empresa de evoluir com a pecuária sustentável sendo muito mais do que uma moratória. Além de não adquirir gado de fazendas de áreas de desmatamento, a empresa também pretende contribuir para que os produtores consigam se adequar às normas socioambientais, de forma a evitar o desmatamento da Amazônia e recuperar as áreas degradadas, sem deixar de gerar renda e emprego para o Estado. Além disso, em parceria com o Ministério Público Federal, no prazo de dois anos, a Bertin se comprometeu a não medir esforços para incentivar a existência de um sistema público de rastreabilidade de animais que tenha por finalidade garantir dados sobre a origem e destino do gado, desde a fazenda de produção até o consumidor final.
A revogação
Segundo uma nota divulgada à imprensa, logo após a assinatura do TAC, no dia 14 de julho, o MPF enviou uma carta aos clientes da Bertin para o cancelamento de todas as recomendações em relação ao Inquérito Civil Público, que apura a origem da carne do Pará. Na carta, o órgão reconheceu o total compromisso do Grupo Bertin com a legalidade de suas operações e a transparência na relação com o cliente.
No fim de maio, o MPF havia recomendado por meio de correspondência diretamente aos clientes do Grupo, que não adquirissem mais produtos da companhia com a advertência de serem co-responsabilizados por práticas ambientais ilegais, já que alguns dos fornecedores da Bertin, no Pará, foram embargados por questões ambientais. Grandes varejistas e outros clientes pararam de comprar carnes do Grupo, vindas das unidades do Pará, e a empresa teve de começar a fornecer produtos de outras regiões.
Segundo a empresa, a nova carta enviada pelo órgão aos clientes da companhia, foi essencial para restabelecer a relação de confiança entre seus clientes, criada ao longo de 32 anos. Para o diretor-presidente da Bertin S.A, Fernando Bertin, houve um abalo na reputação com as informações divulgadas, que agora, a empresa pretende restabelecer.
Veja os principais compromissos assumidos pelos frigoríficos com o Ministério Público Federal:
Os frigoríficos comprometem-se a não adquirir gado bovino de fazendas:
- que figurem nas listas de áreas embargadas e de trabalho escravo;
- que estejam sendo processadas por trabalho escravo;
- que tenham condenação judicial de primeiro grau por invasão em terras indígenas, por violência agrária, por grilagem de terra e/ ou por desmatamento;
Os frigoríficos comprometem-se a adquirir animais somente do fornecedor que:
- Apresente, no prazo de seis meses, comprovante de que deu entrada ao pedido de obtenção do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema);
- Apresente, no prazo de 12 meses, o pedido de licenciamento ambiental junto à Sema;
- No prazo de 24 meses, tenha a licença ambiental, contados a da assinatura do TAC;
- No prazo de 60 meses, tenha a situação fundiária regularizada.
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