A
salvação da lavoura algodoeira, na região
mineira de Catuti, chegou já com a primeira versão
transgênica da planta que conferia maior resistência
às pragas. E ela trouxe de volta ao campo o pequeno
cotonicultor, Francisco de Deus Correa Neto, o Chiquinho
que ficara afastado por 15 anos da cultura da fibra
por causa da inviabilidade econômica da lavoura. A
produção nos tempos áureos rendia 100
a 120 arrobas por saca, quando eu parei, o rendimento da lavoura
era de 20 arrobas por saca. Naquela época eu tinha
de brigar com dois bicudos, o da roça, que não
me deixava produzir, e o comprador, que sempre pagava mal,
lembra o produtor.
A safra 2007/2008 marcara o retorno de Francisco à
cultura do algodão. Em apenas 1,5 hectare (ha), ele
conseguiu um total 234 arrobas de algodão. Para a safra
deste ano, a estimativa é de 1.200 arrobas numa área
total de 14,66 ha. A cultura desse ano foi prejudicada
em função das chuvas, que foram poucas,
explica o cotonicultor. Apesar das baixas, o ânimo do
cultivo do algodão é persistente, principalmente
em função do manejo de defensivos com a lavoura.
Antes da semente transgênica, eram necessárias
cerca de 20 aplicações. Atualmente, bastam quatro
para controlar, em especial, o bicudo-do-algodoeiro. Francisco
adota um manejo preventivo contra a praga, e hoje percebe
os resultados com um ciclo curto de 100 dias, entre
o plantio e a colheita, a lavoura pode render R$ 25 por arroba
vendido diretamente à indústria têxtil,
e com todos os incentivos de produção garantidos
pelos governos estadual e federal.
José Rodrigues de Souza, o Zezão,
também é um dos remanescentes produtores de
algodão catutienses. Ele resistiu à crise algodoeira,
e começou a se recuperar de uns três anos para
cá. Ele já conseguiu um rendimento de cerca
de 200 arrobas por ha. A terra aqui é boa e quando
chove controladinho, ela se torna a melhor para o cultivo
do algodão, atesta Souza. Já visitamos
várias cidades e regiões, que onde se faz o
cultivo do algodão e nunca encontramos um lugar com
as características de nossa região, com o nosso
clima, declara. Para ele, o que faz falta são
mais máquinas para o melhor trato da plantação
e da colheita. Apesar da falta de maquinário, a menor
preocupação com as pragas da cultura e os índices
de produtividade alcançados elevam as expectativas
dos produtores. Nós temos tudo para dar certo.
Tem um vizinho nosso que deverá colher bem nessa safra
porque lá a chuva foi boa. Ele deve chegar a colher
de 300 a 350 arrobas por ha este ano, diz.
A
retomada do algodão
Os municípios do norte de Minas, como Catuti, Mato
Verde, Monte Azul, Porteirinha, Pai Pedro, Janaúba,
Matias Cardoso e Jaíba compreendem uma região
na qual o algodão detinha uma grande força.
Antes eram 20 mil produtores, atualmente são contabilizados
63, que se uniram em forma de uma cooperativa, a Coopercati
(Cooperativa de Produtores Rurais de Catuti) da qual
fazem parte Chiquinho e Zezão.
Com a criação do Projeto Retomada do Algodão
(PRA), a partir de 2000, pela Associação Mineira
dos Produtores de Algodão (Amipa), tanto a organização
dos produtores como os rendimentos ob-tidos a partir da nova
semente foram aumentando. A chegada da tecnologia para
os pequenos cotonicultores de Catuti elevou a produtividade
de 40 arrobas por ha, em 2006, para 230 arrobas por ha, atualmente,
destaca o coordenador técnico do PRA, José Tibúrcio
de Carvalho. Hoje a área plantada é de
350 ha e devido ao clima da região, o cultivo do algodão
se torna muito favorável. Como o ciclo produtivo é
curto, em torno de 100 dias, os ganhos no final se tornam
altos para os produtores, enfatiza. Na região,
o plantio geralmente é programado para os meses de
novembro a janeiro, e entre os meses de março a maio,
é realizada a colheita. Também, segundo Carvalho,
o que antes era gasto com defensivos, hoje se usa na adubação
do solo para o melhor desenvolvimento da cultura. Outro fator
que dá respaldo aos pequenos produtores é a
qualidade da pluma do algodão, o que agrega valor à
produção. Não é só
porque são pequenos que não podem produzir com
qualidade, diz o prefeito de Catuti, Hélio Pinheiro
da Cruz Junior. Segundo ele, a organização dos
produtores garante a melhor técnica para o cultivo
e melhores preços no mercado regional. O que
causa ânimo entre os produtores de algodão aqui
da região, é fazer o que gosta e ter resultados.
Aos poucos, a região vai retomando a atividade que
a desenvolveu antes.
Do
bacilo à planta
A bactéria, usada como base em produtos para a agricultura
orgânica, pela ação inseticida que ela
demonstrava, trouxe à planta do algodão uma
maior resistência às pragas (o curuquerê,
a lagarta-das-maçãs, a lagarta-rosada e a lagarta-do-cartucho).
O material genético do Bacillus thurigiensis foi incorporado
à estrutura gênica do algodão, espécie
Gossypium hirsutum. Dois genes da bactéria, em especial,
desempenham um papel fundamental no ataque às pragas:
o cry1Ac e o cry2Ab2. Eles são responsáveis
por codificar (produzir) as proteínas Cry1Ac e Cry2Ab2
proteínas cristal capazes de controlar
algumas das lagartas-pragas que infestam o algodoeiro,
explica o gerente de Biotecnologia em algodão da Monsanto,
Fabiano Ferreira. Essas proteínas atuam no intestino
dos insetos, causando a morte deles por inanição
e septicemia (infecção).
Em relação aos predadores naturais das pragas,
a ação da proteína presente na variedade
transgênica não trouxe perigo a eles. De acordo
com o parecer técnico, enviado à CTNBio, os
estudos, com as populações de espécies
de predadores, mostraram que elas se mantiveram iguais ou
maiores em cultivos com as variedades Bollgard e Bollgard
II comparado com o algodão convencional. Os predadores
naturais benéficos à lavoura são
os percevejos predadores (Geocoris spp., Orius insidiosus
e Nabis spp.), e insetos da família de lixeiros predadores,
como Chrysopideae e Hemerobídeos.
Sobre os índices de aplicação de defensivos,
de acordo com as condições de cultivo no País,
foi constatado que, em média, com a nova variedade
trans-gênica, são feitas duas aplicações
de inseticidas a menos, comparada com a primeira versão
transgênica da Monsanto; e quatro a menos do que no
algodão convencional. Ou seja, o algodão
Bollgard II exigiu, em média, cerca de nove aplicações
de inseticidas durante o processo produtivo da lavoura,
diz Ferreira. A título de comparação,
em média o Bollgard I requer cerca de 11 aplicações
e as variedades convencionais, 13 aplicações.
A condução agronômica de uma lavoura de
algodão Bollgard II é igual à de uma
convencional, no que diz respeito à época de
plantio, adubação, controle de plantas daninhas,
controle de doenças, entre outras tarefas de manejo
com a lavoura, de acordo com o gerente de Biotecnologia em
algodão da Monsanto, Fabiano Ferreira. O uso
de inseticidas em algodão Bollgard II é diferente,
uma vez que a planta, por si só, é capaz de
controlar algumas lagartas. Outro ponto a se observar é
que o algodão Bollgard II deverá contar com
uma área proporcional à área plantada
com algodão convencional, com o objetivo de evitar
o aparecimento de lagartas resistentes ao Bt. Essa proporção
deverá ser de 5%, destaca.
Os inimigos do produtor
Curuquerê (Alabama argillacea). Conhecido como lagarta-da-folha,
o curuquerê inicia o ataque na primeira semana após
o nascimento das plantas, podendo atacar até o final
do ciclo da cultura. O dano causado é a desfolha, sendo
que se inicia pela parte superior e em reboleiras. As lagartas
são verde-claro, em baixa infestação,
e até pretas em alta infestação, destacando-se
na forma denominada mede-palmo. O ciclo é de 35 dias,
sendo 20 dias na forma de lagarta, depositando de 500 a 600
ovos por ciclo (5 a 10 por planta).
Lagarta-das-maçãs (Helicoverpa zea, Heliothis
virencens). As lagartas são verdes, amarelo-pálido
ou rosadas, com faixas escuras no corpo e frequentemente com
manchas pretas na base dos pelos. A fêmea vive cerca
de 15 dias e coloca em torno de 600 ovos. O ciclo é
de 60 dias, podendo ocorrer três gerações
no ciclo da cultura. O período crítico vai da
fase de botões florais até o aparecimento dos
primeiros capulhos. Os danos se caracterizam pelo ataque de
tecidos novos, folhas e botões florais, causando queda
dos últimos. Posteriormente, há o ataque às
maçãs do algodão.
Lagarta-rosada (Pectinophora gossypiella). A praga tem um
ciclo variável de 21 a 45 dias em que o adulto, de
hábito noturno, vive de cinco a sete dias. O aparecimento
se inicia a partir de 70 dias, no começo do florescimento,
tornando-se mais frequente após 100 dias. O ataque
às flores é facilmente percebido pois elas não
abrem. Nos frutos, as larvas penetram logo após a eclosão,
alimentando-se das sementes, no interior deles.
Lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda). É a principal
praga da cultura do milho no Brasil, e atualmente ataca também
a cultura do algodão. No início, a lagarta raspa
a folha, mas quando desenvolvida perfura a mesma danificando-a
por completo. O período crítico é próximo
ao florescimento. O grande problema com a praga é o
desenvolvimento de populações resistentes aos
produtos químicos utilizados objetivando seu controle.
Altas infestações podem acarretar prejuízos
que variam de 20% até 50% da produção.
O ciclo do inseto é de pouco mais de 30 dias.
Mosca-branca (Bemisia spp). Praga de difícil controle,
devido ao número de espécies vegetais que ataca
(mais de 500). O inseto adulto vive em média 18 dias
e seu período larval é de duas a quatro semanas.
A rotação de inseticidas é importante
para o controle dessa praga, evitando-se usar princípios
ativos como piretróides em demasia e usá-los
só após 70 dias. Além do controle químico,
pode-se lançar mão de barreiras com gramíneas
(milho e sorgo) que servirão de quebra-vento, destruição
de restos de culturas, evitar plantar algodão perto
de melão, melancia e soja, entre outras plantas hospedeiras.
Pulgão (Aphys gossypii). Inseto sugador, o adulto tem
1,5 mm e vive em colônias localizadas na face inferior
das folhas, cuja espécie Aphys gossypii é a
mais comum. O dano observado é o encarquilhamento e
a mela (exudações açucaradas) o que deprecia
a fibra, além de ser um importante vetor de viroses.
Seu ataque vai do nascimento da planta até o aparecimento
dos primeiros capulhos.
O
mais temido de todos: o bicudo-do-algodoeiro
O besouro (Anthonomus grandis) ataca os botões florais
e as maçãs jovens, na qual a fêmea deposita
os ovos através de um orifício que depois é
fechado com uma secreção amarela, protegendo-os
no interior do botão. Em torno de cinco a sete dias,
após o ataque, os botões caem ao solo, para
só então completar o ciclo da praga, que é
de duas a três semanas e os adultos vivem de 20 a 40
dias. As fêmeas põem em média 150 ovos,
podendo chegar a 300 durante o ciclo e colocar mais de um
ovo por botão (maçã). O ataque tem início
pelas bordas da lavoura, sendo que vai desde o aparecimento
dos primeiros botões até a abertura dos primeiros
capulhos.
Como medidas de controle é recomendado, além
da utilização de produtos químicos, medidas
complementares, dentre as quais se destacam:
a)
época de plantio. O plantio uniforme na região,
com todos os produtores plantando na mesma época, faz
com que encurte o período com estruturas de reprodução
viáveis à deposição de ovos do
inseto. Para ter sucesso no controle do bicudo, o produtor
deve seguir o zoneamento agrícola específico
para o tipo de cultivar de algodão.
b)
catação de botões. Técnica simples
que consiste na catação das estruturas atacadas
pelo inseto e caídas ao solo. Após a catação,
queima-se ou se enterram os botões, a uma profundidade
nunca inferior a 30 centímetros (cm). Com essa prática,
pode-se diminuir até 70% a necessidade de inseticidas.
Deve-se fazer a catação de 5 em 5 dias, catando-se
em área total em campos com até 15 ha ou nas
bordaduras (10 a 15 fileiras) em áreas maiores que
15 ha.
c)
arranquio e queima de restos culturais. Após a colheita,
dependendo da disponibilidade do produtor e da região,
é possível colocar o gado para pastar na área,
durante 30 dias. Depois, os animais são retirados da
área, os restos da cultura de algodão são
amontoados e queimados. Isso diminui a fonte de praga para
a próxima safra.
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