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CHUVAS - POR ÁGUA ABAIXO
rev 133 - março 2009

Por água abaixoQuatro meses após a tragédia em Santa Catarina, alguns produtores retomam suas atividades, outros ainda aguardam uma liberação. Ao todo 39 mil produtores foram prejudicados. O dilúvio que desabou no mês de novembro do ano passado no litoral catarinense e no Alto Vale de Itajaí, chegou a 1.000 milímetros d’água (quando a média mensal é de 150 mm). Resultado: 135 mortos, 11 mil entre desabrigados e desalojados e dois desaparecidos. Números estes contabilizados até meados de fevereiro deste ano. Foi uma verdadeira destruição. As chuvas destruíram cidades e plantações.As lavouras de arroz foram as mais prejudicadas. A enchente também prejudicou as culturas de fumo, feijão, milho, melancia, banana, maracujá, mandioca e hortaliças.“Santa Catarina perdeu 3.200 animais (bovinos) na região do Vale do Itajaí, por afogamento nas fazendas.

Também ocorreram perdas nas aviculturas, calcula-se 100 mil aves de corte e 150 suínos morreram por afogamento”, conta o vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), Enori Barbieri. Segundo ele, na horticultura, basicamente os Ceasas de Florianópolis, Joinville, Tubarão e Blumenau tiveram que ser abastecidos por produtores de Curitiba e São Paulo. Em torno de 10 mil produtores hortigranjeiros foram atingidos.
Na região de Indaial (mais conhecida como Morro do Baú), por exemplo, existem ainda agricultores que não conseguiram retornar para suas propriedades que estão interditadas pela Defesa Civil (isto quatro meses após a tragédia). Porém, há em torno de 20 delas que não mais poderão ser habitadas e exploradas. “Já os demais retornaram à vida, mesmo perante tantas perdas. Alguns produtores de hortigranjeiros, que é uma cultura rápida, já retomaram a atividade”, cita Barbieri.
As estimativas de perda logo após as enchentes eram assustadoras. “Nós produtores de arroz estávamos com a cultura em fase de ‘barrigamento’” – (termo usado pelos agricultores quando o arrozeiro está em fase reprodutiva). “A lavoura ficou coberta de água. Aí então, veio o medo de perder tudo, né!”, relembra o produtor Rogério Pessi do município de Araranguá. A região, localizada no extremo sul do estado, foi uma das que mais sofreu com as chuvas e como não bastasse, uma nova enchente ocorreu no início deste ano, alagando várzeas de arroz, lavouras de mandioca e fumo. O produtor conta que na primeira ocorrência viu a água cobrir os 90 hectares da sua cultura. Foram mais de 100 horas de chuvas e a água chegou a atingir três metros de altura. “No nosso caso, graças a Deus, o prejuízo ficou em torno de 10% a 20%, da produção total”, calcula Pessi.
Luiz Alves fica a 140 quilômetros de Florianópolis. Setenta por cento da arrecadação do município vem da pecuária e da agricultura. Com a enchente os produtores rurais acumularam grandes perdas. Vários hectares foram cobertos de lama: resultado grande parte da safra perdida. Em alguns casos, mil e setecentas sacas de arroz foram água abaixo literalmente. Segundo os técnicos, hoje serão necessários de dois a três anos até recuperar a área de plantio.
As reivindicações

O Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro) foi um dos que atuaram após as enchentes, com um trabalho voltado para a região de Itajaí, a 94 quilômetros da capital. O principal foco era a reconstrução de hortas comunitárias, que faziam parte do projeto “Agricultura Urbana”. Antes da tragédia, os produtores da região estavam migrando da agricultura convencional para a orgânica e ecológica. “Aproximadamente 200 famílias eram atendidas. Do projeto, 40% estavam concluídos e 60% em fase de transição”, diz o engenheiro agrônomo Marcos José de Abreu, do Cepagro. “Após o desastre, alguns já retornaram a atividade, mas nos municípios de Itajaí e Nova Trento (onde 10 famílias atuavam na produção de conservas e de doces caseiros), os trabalhos estão parados”, conta Abreu.
Segundo o administrador de uma propriedade pecuária, localizada em Joinville, Marcus Justos Fontes, os prejuízos foram muitos, além das cercas. Houve perdas na maricultura (ostras e mexilhões) – com a mortandade provocada pelas perdas da salinidade das águas – e na piscicultura, resultado de desmorona-mento e soterramento de terrenos. “Não existia mais uma construção em pé, cercas, lagos, pontes e ruas. Não havia acesso aos locais de produção e com a falta dos tratos culturais, ocorreram os prejuízos com a banana e com o leite”, diz. “O pior é que ninguém até o momento veio ajudá-los”, adverte Fontes, que teve a salvo todo o gado da propriedade. “E naturalmente, o povo daqui nunca reclamará. Vocês podem perguntar. Eles vão dizer que agora está tudo bem. Eles ‘arregaçam as mangas’ e voltam pra lida. Os catarinenses são genuinamente empreendedores e tem espírito guerreiro, não se dão por vencidos”, argumenta o administrador.
Logo após a tragédia, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina contabilizou as perdas, que somaram naquele mês cerca de 500 milhões de reais. Das 200 mil propriedades no estado, em torno de 100 mil, de uma forma ou de outra, tiveram prejuízos ocasionados pelas chuvas e pelas estiagens (confira em Condições Climáticas). No caso das enchentes, logo após as perdas, um conjunto de reivindicações endereçadas aos governos (estadual e federal), para minimizar os efeitos dos desastres, na região sul-catarinense, foi encaminhada pelo órgão. “Na área atingida não havia culturas com seguro rural. A mais atingida foi o arroz irrigado, no qual nenhum seguro cobre. Somente houve auxílio para aqueles que tinham financiamentos do Proagro (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Quanto à infra-estrutura atingida até agora é só promessa governamental. O governo estadual concedeu por meio de projeto-de-Lei, um auxílio financeiro por seis meses, no valor de um salário mínimo mensal, aos atingidos urbanos. Infelizmente, os agricultores ficaram de fora”, esclarece Barbieri.
Na época, o governo prometeu concessão de investimento e de novos financiamentos para os agricultores. “Mas isto está sendo feito somente para a agricultura familiar. Não houve devolução de crédito de ICMS; as dívidas amparadas por lei foram prorrogadas. As demais, junto aos bancos privados não foram”, diz. “Felizmente o produtor assimilou os prejuízos e está recomeçando a vida, o problema está naqueles que ainda não conseguiram retornar para casa e que perderam suas propriedades. Esses estão localizados na região de Blumenau (Indaial – Morro do Baú) e estão alojados em casas de parentes e albergues públicos”, diz.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município de Luiz Alves, Ademir Francisco Rosa da Silva, o que se sabe até o momento, é que o governo tomou algumas medidas para aliviar a tragédia, como a prorrogação de dívidas até o dia 1ºde julho de 2009. E só. “Aguardamos até o momento alguma ajuda para as regiões mais afetadas”, diz Silva. “O agricultor está acostumado com os altos e baixos da atividade; mas esta tragédia, trouxe prejuízos inimagináveis”, acrescenta o presidente do sindicato. Contabilizando as perdas Segundo o coordenador do “Projeto Safras e Mercados”, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), Ilmar Borchardt, o governo do estado concedeu uma linha especial de crédito e investimento para os agricultores localizados nos municípios que tiveram decretado estado de emergência e/ou calamidade pública. “A linha de crédito de R$ 100 milhões, será financiando com juros de 1% ao ano, para valores de até R$ 7 mil, e 2% ao ano, acima de R$ 7 mil. Serão indenizados aqueles que tiveram animais mortos ou perdidos por afogamento. Os recursos arrecadados pelo fundo da Defesa Civil do Estado, cerca de R$ 33 milhões, está sendo quase integralmente destinada à indenização de perdas no contexto urbano”, diz. Borchardt. Enquanto as reivindicações solicitadas com a devolução dos créditos do ICMS, o coordenador afirma que não houve nenhuma demanda nesse sentido na área da agricultura, mas sim para a área da produção industrial e comercial.
Segundo Borchardt, a totalização da estimativa dessas perdas ainda está em andamento. Estão sendo analisadas as perdas de máquinas, os estoques de insumos, galpões, estradas internas, terras soterradas, inutilizadas para cultivo e levadas pelos rios. “Em Gaspar e Ilhota, no Morro do Baú, há propriedades onde o retorno dos agricultores ainda não foi liberado. E talvez não seja”, conta. Aproximadamente 39 mil agricultores tiveram perdas significativas, com maior concentração na parte mais baixa do Rio Itajaí. Condições climáticas O estado de Santa Catarina sofreu com as condições climáticas: a seca no oeste catarinense e as enchentes no Sul. Mais de 15 municípios decretaram estado de emergência; para a seca que durou 40 dias e trouxe prejuízos em municípios, como São Miguel d’Oeste, Chapecó e Seara. As perdas chegaram a 50% na plantação de melancias e 30% nas safras de feijão e milho, umas das principais atividades econômicas em vários municípios da região.
De acordo com o meteorologista Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), Lincoln Muniz Alves, uma das respostas para o excesso de chuva no litoral e a falta no Oeste está no mar. “Esse tipo de evento extremo climático é normalmente associado a um fenômeno ‘El Niño’, no Oceano Pacífico. Em anos neutros (sem El Niño) como é o caso atual e que ocorre chuvas de grande intensidade, principalmente no Sul do Brasil, já nos chamam atenção”, explica Alves. Para o especialista, é possível observar alguma relação tanto de aumento de chuvas intensas como também de secas severas aumentando na Região Sul. O que é uma assinatura de que o aquecimento global pode já esta atuando com mais intensidade no Sul do país.
Mas em meio à tragédia surgiram muitos boatos, como o desmatamento indiscriminado e a ocupação desordenada, contribuíram para os acontecimentos. Na opinião do Enori Barbieri da Faesc, isto não é real. Segundo ele, a tragédia só ocorreu em áreas com mata fechada. “Nestas áreas, após 90 dias de chuva, em 48 horas caiu 400 mm e o peso da mata pressionou para o deslizamento”, ressalta Barbieri.
Para Ilmar Borchardt, da Epagri/SC, estudos estão em andamento, não só para determinar causas, mas também para a criação de políticas de restrição da exploração de terras. No veredicto do meteorologista, as chuvas foram ocasionadas pela presença simultânea de dois fenômenos: um anticiclone (sistema de alta pressão), que se estacionou no Oceano Atlântico, provocando ventos moderados na costa; e a presença de um sistema de baixa pressão, que fez com que massas de ar subissem e formasse nuvens carregadas de chuva. Entretanto, os fatores mencionados como desmatamento das matas ciliares, impermeabilização do solo, ocupações desordenadas e somadas ao grande volume de chuva, em pouco tempo tiveram sua contribuição na tragédia. “É possível que eventos climáticos extremos venham a ocorrer novamente, já que é natural da região. Daí a importância de todos estarem informados para que sejam tomadas previamente decisões para minimizar os prejuízos, já que infelizmente não podemos evitar a chuva”, ressalta.



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