É
no estado de São Paulo onde se concentra a maior parte da produção
de laranja do País. Segundo dados de 2007 da Secretaria de Agricultura
e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), a fruta ficou em terceiro
no ranking de valor da produção, com um rendimento de R$ 2,670 bilhões
(24,59% superior à safra de 2006) esse dado refere-se somente à
laranja para a indústria. A laranja para a mesa estava em quarto lugar,
com um valor de produção de R$ 1,572 bilhão (16,01% a mais
em relação ao ano de 2006). Se somarmos a laranja para indústria
e a de mesa, concluímos que a fruta está em segundo lugar, perdendo
apenas para a cana, analisa o economista e pesquisador do Centro APTA Citros
Sylvio Moreira do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Arthur
Antonio Ghilardi.
Se em termo de produção a citricultura
vai bem, é nas relações com o mercado que ela apresenta a
pior face. Segundo Ghilardi, todo um complexo existe no caso dos citros, como
a oferta já existente em estoques mundiais, o consumo baixo no mercado
americano, a produção daquele país em recuperação,
entre outros fatores e isso tem abaixado os preços.
Como
cerca de 80% da produção de laranja vai para a indústria,
e os 40% restantes atendem o mercado interno de fruta fresca, a citricultura fica
na dependência de como fica a oferta da fruta no País. Quanto maior
a produção, menor são os preços pagos ao produtor.
O alto custo de produção, o endividamento (em grande parte
de pequenos e médios produtores) aliado às manifestações
de pragas e doenças que têm crescido nos últimos tempos, principalmente
com relação ao greening, têm tirado cada vez mais produtores
da citricultura. Variação
de preços A
média de preço do mês de setembro da laranja posta na indústria
paulista (sem contrato) caixa com 40,8 quilos ficou em R$ 9,33,
segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade
de São Paulo (USP). No entanto, produtores falam de uma variação
de preços pagos chegando a R$ 6 a caixa em algumas regiões do estado
de São Paulo. Existem dois referenciais de preços no mercado
internacional: o preço da bolsa e o preço nas gôndolas nos
supermercados, explica o presidente da Associação Brasileira
de Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas. A bolsa de suco é
muito pequena e sujeita a manipulação pelas empresas brasileiras
que concentram uma altíssima porcentagem do suco comercializado e do mercado
de suco ao consumidor.
Outro problema, destacado pelo presidente
da Associtros, está em função da qualidade da informação
de estimativas de safra. Segundo ele, é a partir desse número que
se estabelece o preço da caixa de laranja. Um aumento de 60 milhões
de caixas na oferta global, afeta em US$ 1.000 no preço do suco de laranja
na bolsa de Nova Iorque, alerta Viegas. O Instituto de Economia Agrícola
(IEA) trabalha com um parque de árvores produtivas de 180 milhões,
enquanto a indústria, que tem informações melhores, indica
um parque de 155 milhões de árvores. A diferença de 25 milhões
de árvores produz um aumento de cerca de 50 milhões de caixas.
E nessa relação, a produção excedente faz com que
os preços tendem a ficar lá em baixo.
Em números,
a citricultura no País pode ser estimada em 30 mil produtores, de acordo
com Viegas. No estado de São Paulo, são cerca de sete a oito mil,
dos quais a grande maioria são pequenos e médios. Esse número
chegou a ser 30 mil na década de 1990, mas com as constantes crises, muitos
deixaram a atividade. Mesmo com a redução do número de produtores,
a produtividade foi compensada pela intensificação do aumento de
área de cultivo das próprias indústrias, segundo o economista
Arthur Antonio Ghilardi. A
saída da crise Cálculos
recentes da Associtros, baseados na safra 2008/2009, realizados por intermédio
de uma consultoria, indicam que o custo de uma produção equivalente
a 537 caixas por hectare chega a R$ 16,15. Pela conta, o produtor tem um prejuízo
de R$ 6,82 por caixa considerando a média de preço pago de
setembro (R$ 9,33). A produção de 537 caixas amargariam R$ 3.662,34
no bolso do citricultor.
Diante desse quadro, o ideal é estar
cauteloso com a produção, e avaliar bem se é necessário
aumentar a área de produção. De acordo com o Arthur Ghilardi,
o ponto fundamental para o produtor ficar de fora dessa crise ou tentar amenizar
os riscos e as perdas, é ter um controle rigoroso com a gestão da
propriedade. É importante estar atento ao custo de produção,
acompanhar melhor como está o andamento da produtividade. Na hora de comprar
os insumos, fazer uma boa compra em termos de preço e quantidade adequada
e estudar bem a situação do mercado, aconselha.
A
busca de diversificação na produção pode ser uma saída.
Além dos citros, uma outra atividade pode ser estudada para aliviar esses
momentos de crise. No entanto, o pesquisador alerta que a busca por diversificação
na produção é o ideal, mas tem de se atentar também
qual atividade mais se adequaria à propriedade, para não correr
a mais prejuízos. Segundo Ghilardi, é preciso se pensar numa atividade
que sirva para região, em termos de clima e mercado. À
espera de bons ventos Com
uma produção média de 40 toneladas de laranja por hectare,
Mauro Sandoval se diz duvidoso se investirá na área de citros. A
espera dele é por momentos melhores em termos de custo de produção,
melhor aparato tecnológico para driblar as doenças e pragas, além
de preços melhores de mercado. Localizada no berço da citricultura
paulista, em Limeira, a fazenda São José da Gruta, tem uma história
de 40 anos na citricultura. De acordo com Mauro, a propriedade, adquirida pelos
pais dele, já teve outras atividades como a criação de gado
e produção de cereais. Foi a partir da década de 1980 pra
cá que o produtor resolveu se especializar na citricultura, em função
do rendimento que a atividade garantia naquela época.
Hoje, a
área de citros é de 120 hectares. Do que produz, cerca de 60% vai
para a indústria e os 40% restantes abastecem o mercado interno
como São Paulo, no Ceasa e no Mercado Municipal, e também para outros
estados como Mina Gerais, em Belo Horizonte, Distrito Federal, em Brasília,
Rio de Janeiro, entre outros.
Hoje você tem produtores recebendo
R$ 15 e produtores recebendo R$ 5 ou R$ 6, quer dizer tem uma gama de situações
acontecendo dentro do mercado de citricultura, avalia Sandoval. Isso
varia de ano para ano, quando existiam muitos contratos múltiplos, de vários
anos. Hoje eu tenho me concentrado em fazer a negociação da produção
ano a ano. Eu acho que estou numa situação melhor do que no ano
passado, analisa. Produtor
x indústria Do
ponto de vista do produtor, em geral, as indústrias são muito poucas,
declara Sandoval, em relação às empresas que processam o
suco de laranja no Estado de São Paulo (Cutrale, Citrosuco, Citrovita e
Louis Dreyfus Commodities). São quatro grandes compradores de laranja,
então há uma concentração pelo lado da indústria.
Somado a isso, hoje a indústria tem feito muitos plantios próprios
de laranja. Isso, em outros países, tem limitações para esses
plantios próprios, que no Brasil não existe, conta.
Apesar dessa influência, o produtor acredita na ação do mercado
que, segundo ele, precisa de algumas disciplinas para funcionar adequadamente.
As indústrias são muito eficientes na logística, na
exportação de suco, diz. Elas fazem coisas melhores
do que produzir laranja, por essa razão elas deveriam se concentrar no
que elas fazem de melhor e deixar para o produtor o que ele sabe fazer.
Única empresa a se pronunciar sobre a questão da citricultura,
a Louis Dreyfus Commodities (LDC) não acredita que a produção
própria das indústrias reflita na crise que muitos pequenos e médios
produtores estão passando. Toda atividade econômica requer
a busca constante por produtividade, declara em nota a LDC. A agricultura
não é diferente, e especificamente na citricultura, as respostas
a ganhos tecnológicos são muito relevantes. Os produtores precisam
se atualizar, investir em tecnologia e novas técnicas agrícolas,
combater o greening e gerenciar bem a renovação de pomares. A meta
é manter alta produtividade e custos competitivos, compatíveis com
o mercado global. Em relação aos preços, a empresa
aponta a própria questão de mercado oferta e procura. O
suco de laranja é uma commodity, com preço cotado na Bolsa de Nova
Iorque. Portanto, o preço pago por caixa de laranja a matéria-prima
do suco segue a clássica lei da oferta e da procura,
declara a LDC. O importante é salientar que, quando o preço
internacional do suco de laranja é favorável, indústria,
citricultores de todos os portes e demais componentes da cadeia produtiva ganham
com isso. Quando o preço internacional do suco de laranja cai, todos sofrem.
Em
busca de um diálogo Para
intermediar as partes, o governo do Estado de São Paulo, tenta estabelecer
um diálogo possível entre indústria e o citricultor. A
saída é só preço? A que preço a gente vai ter
de chegar? Quinze reais, R$ 16, R$ 17 a caixa, questiona o secretário
de Agricultura e Abastecimento, João de Almeida Sampaio Filho. Os
números de suco do mercado mundial, aparentemente, eu não sou especialista,
mas aparentemente não remuneram a indústria, de forma que ela pague
esse preço aos citricultores. O preço que a indústria paga,
que para alguns remuneram (R$ 10, R$ 12, R$ 11 a caixa), é um preço
que, para um citricultor, esse citricultor com muitos problemas, nesse momento
não resolve. De acordo com o secretário, os produtores alegavam
uma variação de valor pago pela indústria, que chegou a R$
15 pela caixa fruta spot, ou seja na porta da indústria, sem contrato.
A indústria por sua vez, segundo Sampaio, diz que pagou realmente esse
preço a um e outro, mas que o preço médio era abaixo de R$
10. Então essa dificuldade de remuneração é
o âmago de tudo para que a gente possa encontrar essa saída.
Endividamento Para
se ter uma idéia da progressão do processo de endividamento da citricultura,
a Associtros apresentou um estudo, também realizado via consultoria, no
qual vai acompanhando a queda da rentabilidade em 18 anos da produção.
O resultado: um prejuízo da ordem de R$ 9.863,50 considerando uma
produtividade de 750 caixas por hectare e uma média de preço de
R$ 11,30 por caixa.
O estudo aponta como o setor está mal. E na
busca de uma solução o governo criou um grupo de trabalho para analisar
melhor essa crise e poder encontrar alguma saída aos produtores. A
gente tem preços históricos em dólar elevadíssimos,
se fala hoje em uma caixa de laranja de quatro dólares, quatro dólares
e meio, mas que, com o câmbio vigente nesse momento, não remunera
o produtor, analisa o secretário estadual de Agricultura. O
produtor tem um custo de produção em reais que é muito mais
elevado do que isso. Então gerou uma dificuldade, e além disso,
esses custos estão crescendo a cada ano porque novas doenças aparecem.
Procurado pelo deputado estadual David Zaia (PPS), então coordenador
da Frente Parlamentar da Citricultura na Assembléia paulista, Sampaio propôs
a criação desse grupo, coordenado pelo Instituto de Economia Agrícola
(IEA), para, primeiro, saber de quanto se trata essa dívida já
que ainda não há esse número. Depois saber com quem é
para poder renegociar a dívida.
O Estado está muito
preocupado com a situação da citricultura. A citricultura é
muito importante para o Brasil, mais fundamentalmente para o estado de São
Paulo, e a gente não quer, de maneira nenhuma, que esse citricultor, que
hoje passa por uma dificuldade, seja excluído da atividade, declara
Sampaio. O que a gente precisa fazer é adotar mecanismos de gestão
da propriedade, uma gestão sanitária de qualidade, e isso aí
é obrigação do citricultor, e o estado apoiando e induzindo
para que ele faça boas práticas de produção.
A
favor daqueles por trás de qualquer resultado: o trabalhador Em
termos de exportação de suco de laranja, houve uma queda de 14,88%,
considerando o montante acumulado entre os meses de janeiro a agosto em 2007 e
2008, de acordo com o relatório de exportação desenvolvido
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
No entanto, ainda segundo os dados do MAPA, referente ao mesmo período,
o suco de laranja saltou de 2,7%, em 2007, para 4,1% este ano em termos de participação
do montante total exportado pelo País.
Para continuar esse crescimento,
ou mesmo mostrar melhor desempenho na produção, o incentivo para
o fortalecimento da citricultura é o necessário. E isso não
quer dizer apenas números a mais na balança comercial brasileira.
Quer dizer também, melhores perspectivas para o homem do campo que se habituou
a trabalhar com o citros, e que é o responsável pelos índices
de produtividade. A citricultura representa, me parece, 400 mil empregos
diretos, diz Mauro Sandoval, produtor de citros. Hoje, o que a gente
vê são muitos agricultores pequenos saindo da atividade e indo para
a cidade, e o movimento do governo preocupado em assentar outras famílias
[onde antes havia citricultores]. (...) Eu vejo um contra-senso nisso. É
mais útil para a sociedade brasileira manter essa pessoa [o citricultor]
lá dentro, que são bons produtores. Esse sujeito, estimulado, sabendo
que dali vai conseguir tirar o sustento da família dele, pagar os estudos
do filho, esse sujeito, bem remunerado, vai cuidar demais desse pomar. Ele vai
conseguir, por exemplo, detectar o greening na primeira manifestação,
e vai tirar essas árvores e por uma outra sadia no lugar, e vai pulverizar
no momento certo. Para isso, ele tem de sentir que daquilo lá é
a chance na vida de levar prosperidade para a família dele. Daí
sim a gente vai conseguir ter sucesso na citricultura. |