Para
ser qualificado como um produtor de carne orgânica, o pecuarista tem de
ser certificado pelo Instituto Biodinâmico (IBD), órgão responsável
pela emissão de parecer técnico sobre a propriedade e o selo com
o qual classificará o produto.
Para Alexandre Borges Oliveira,
da fazenda Vale Formoso, em Tangará da Serra (MT), a pecuária orgânica
de corte surge como uma alternativa de pleitear maiores rendimentos na produção,
o que gira em torno de 10% a mais no preço da arroba do animal. Oliveira
trabalha com o pai, Ricardo Bruniera Oliveira que está na criação
de gado desde os anos 1970. Eles começaram a produção do
boi orgânico em julho de 2004.
Não houve dificuldades
para se enquadrar nesse estilo de produção, diz Alexandre.
Na verdade nós já tínhamos a filosofia de trabalho
na pecuária, com todos os funcionários devidamente registrados,
com carteira assinada, os filhos deles tinham de estar na escola, no nosso pasto
não se usava agrotóxico. Tivemos, sim de mudar algumas coisas, mas
nada que representasse um esforço, conta o pecuarista. Técnicas
de manejo O
sistema de produção da carne orgânica requer uma atenção
especial seja no tratamento com o gado, seja na garantia de condições
de trabalho adequada aos peões e tratadores dos animais, seja com uma consciência
ambiental. Temos de garantir um padrão de vida aos funcionários,
e também ao gado. Não podemos dar choque no animal, não estressar
o gado, com gritaria, tudo isso são normas estabelecidas para a criação
do boi orgânico, explica Oliveira.
Em relação
ao controle de sanidade animal, nesse sistema são dadas todas as vacinas
obrigatórias estipuladas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA) e o controle das doenças é feito através
da homeopatia [sistema terapêutico em que se tratam doenças com substâncias
dadas em doses muito pequenas capazes de produzir em indivíduos sãos
sintomas semelhantes de indivíduos doentes, no sentido de fortalecê-lo]
e alopatia [sistema terapêutico que trata as doenças por meios contrários
a elas]. No controle de endoparasitos, por exemplo, o pecuarista utiliza o nim,
uma planta indiana que funciona como um vermífugo natural. A partir dela,
é produzida uma massa, resultado da trituração das sementes
da planta, que é colocada junto com o sal mineral.
Para o controle
de moscas-do-chifre, utiliza-se essência de alho, que é passado no
rebanho e que expele a praga. Segundo Alexandre, são medidas que funcionam,
não sendo muito comum a incidência de doenças no rebanho.
Utilizamos todos os recursos oferecidos pela homeopatia, mas quando não
dá para solucionar o problema, utilizamos o tratamento com medicamentos
veterinários. A partir daí, o funcionário faz uma notificação,
o animal tratado passará pelo período de desintoxicação,
o IBD é notificado para saber o que aconteceu com a rês, explica.
O manejo com o gado acaba sendo mais fácil, de acordo com Alexandre.
O rebanho tem de ser tratado com capim bom. Fazemos a rotação
de pastagem para ajudar nesse processo, produzimos a cana orgânica para
servir como volumoso, mas, há dois anos isso não tem mais sido necessário
fazer, diz. O sombreamento no pasto também é importante. E
o gado gosta, quando tem árvores no pasto, lá estão eles,
debaixo da sombra, isso é garantia de melhor trabalho na pecuária
e garante uma qualidade na hora do abate. Raça
forte e preservação da mata Lá
na fazenda Vale Formoso o Nelore e o Tabapuã se provaram as raças
resistentes pelo clima e garante a produtividade no sistema orgânico. Se
você coloca um cruzamento industrial, numa região muito quente como
a nossa, que a incidência de carrapatos é maior, pode ter certeza,
os carrapatos vão todos para esse tipo de animal. O que não acontece
com a raça Nelore que é mais resistente, explica Alexandre.
Hoje se busca muito o abatimento de um animal com 18 arrobas ou mais, e
isso leva um tempo maior. Nós abatemos com 16 arrobas, e por isso produzimos
uma carne mais macia e livre dos medicamentos e agrotóxicos da alimentação
do animal.
Em meio à produção, um trabalho
de preservação da mata na região é preconizado na
propriedade. A área da fazenda que está sendo destinada à
Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) possui 313 hectares. Essa
área é apenas de uma fazenda, existem outras de associados que também
estão em processo de criação das reservas, conta Alexandre.
Entre as espécies, há o Ipê Amarelo, o Ipê Roxo, o Louro,
a Embaúba, o Jenipapo, o Angico Branco, o Ingá, o Barbatimão,
o Buriti e o Pau-e-óleo. Esse trabalho conta com o apoio da Embrapa e do
WWF, Organização Não-governamental voltada à preservação
da fauna e flora. Associativismo Duas
entidades reúnem os produtores de carne orgânica em Mato Grosso,
a Associação Brasileira de Produtores de Animais Orgânicos
(Aspranor), e em Mato Grosso do Sul a Associação Brasileira de Pecuária
Orgânica (ABPO). O grupo fechou uma parceira com a empresa JBS-Friboi, a
qual produz a linha Organic Beef. Foi um diferencial para os produtores,
segundo Henrique Balbino, presidente da Aspranor. Com um mercado disposto a comprar
um produto diferenciado a produção ficou mais respaldada.
Para o presidente da ABPO, Leonardo Leite de Barros, a melhor estrutura da associação
promove um melhor desempenho na pecuária orgânica. A nossa
associação está em fase final elaboração de
um grande protocolo interno, destaca. Nele além das normas
orgânicas estamos traçando parâmetros de processos produtivos
particulares e assumindo responsabilidades sócio-ambientais próprias
com o nosso ambiente e colaboradores, diz. Temos como princípio
produzir carne de qualidade com o menor impacto possível e uma busca permanente
da manutenção da nossa cultura.
Para Barros ainda
há resistências por parte do próprio governo, com muitas fiscalizações
e exercendo poder de polícia. Gostaríamos de ver uma mudança
de conduta, o Estado dando exemplo de consumo responsável. O poder público
é responsável por 15% de tudo que se consome de produtos e serviços
neste País, transformar as escolhas dos nossos consumidores no sentido
de criar uma cultura de buscar produtos sustentáveis é a forma mais
barata e viável para diminuirmos nossas emissões na produção.
Avaliação
do sistema A
Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), unidade de
pesquisa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São
Paulo, em parceria com o Sindicato das Indústrias do Frio no Estado de
São Paulo (Sindifrio), com apoio financeiro da Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep) do Ministério de Ciências e Tecnologia, desenvolveram
o projeto de Avaliação de Sistema de Produção
de Bovinos de Corte sob Manejo Orgânico. De acordo com Flávio
Dutra de Resende, Apta, o projeto teve início em 2003 e foi encerrado no
ano passado.
Foram avaliadas alternativas de produção,
desde utilização de leguminosa (feijão guandu) via banco
de proteína para suplementação dos animais no período
da seca (sistema 1), suplementação com concentrado no período
da seca à base de 20% da matéria seca ingerida pelos animais (sistema
2) e somente pastagem (sistema 3). Os três sistemas foram constituídos
de seis piquetes cada, com período de permanência dos animais de
sete dias por piquete e descanso de 35 dias. Tendo uma área central contendo
água e sal mineral à vontade.
O instituto apontou que os
resultados demonstraram a viabilidade de se produzir animais sob manejo orgânico,
desde que bem manejados, utilizando-se raças adaptadas. Os ganhos médios
diários de peso dos animais, em função dos sistemas avaliados
(1, 2 e 3) durante o período das secas de 2004, foram de 520, 470 e 350
gramas/cabeça/dia para os sistemas 1, 2 e 3, respectivamente. A taxa de
lotação média (cabeças por hectare) é de 1,7
Unidade Animal (UA) por hectare. Todos os animais receberam produto homeopático
para controle de endo e ectoparasitos. Os
orgânicos pelo País A
produção orgânica no País é bem diversificada,
e está regulamentada através da Lei nº 10.831 (23 de dezembro
de 2003) e pelo Decreto nº 6.323 (27 de dezembro de 2007). Segundo o levantamento
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a
agropecuária orgânica no Brasil ocupa uma área cultivada estimada
em 800 mil hectares, com cerca de 15 mil produtores. Há uma estimativa
de que 5 milhões de hectares de áreas com extrativismo que poderiam
ser considerados orgânicos.
A região Centro-Oeste possui
o maior índice de área com agropecuária orgânica certificada,
com 39%. É seguida pela região Sul (29%), Nordeste (17%), Sudeste
(14%) e Norte (1%). Os principais produtos orgânicos, por grupo, são:
Frutíferas - goiaba, mamão, manga, maracujá, banana, uva,
morango e citrus; Olerícolas - alface, couve, tomate, cenoura, agrião,
berinjela; Culturas - arroz, soja, milho, trigo, mandioca, café, cacau
e cana-de-açúcar; Produção animal - carne (bovino
e suínos), aves, leite, ovos, peixes e mel; Extrativismo - palmito,
castanha do Brasil, castanha de cajú, açaí e babaçu.
O
jeito orgânico de ser
Princípios
gerais para a criação animal e produtos de origem animal
O manejo de animais deve ser considerado como parte integrada de um organismo
agropecuário diversificado.
A criação animal deve contribuir para cobrir a demanda de adubo
animal da atividade agrícola da propriedade, criando uma relação
solo-planta-animal de reciclagem.
Deve haver sustentabilidade entre produção animal e produção
de seus alimentos.
Na combinação do uso de leguminosas, forragens e estercos, cria-se
uma relação entre agricultura e pecuária que permitirá
sistemas de pastagem e agricultura favoráveis à conservação
e melhoria da fertilidade do solo em longo prazo.
O manejo da criação deve levar em consideração o comportamento
natural do animal.
As espécies e raças de animais escolhidas deverão estar adaptadas
às condições locais. Conversão
das propriedades Para
a comercialização com o Selo Orgânico Instituto Biodinâmico,
deverá ser observado o seguinte: Pastagens e forragens: áreas
de pastagem poderão ter período de conversão reduzido para
doze meses se, em período de pelo menos três anos anteriores (a ser
provado com documentação e análises), não se utilizou
nenhuma substância proibida por estas Diretrizes. Os animais
pré-existentes na propriedade e suas crias também deverão
passar por período de conversão. Em propriedades que
estão se convertendo para o sistema orgânico e desejam iniciar a
atividade de pecuária, as áreas de produção de forragem,
pastagem e os animais comprados de qualquer origem que ainda não seja certificada
poderão passar pela sua conversão simultaneamente, de acordo com
os períodos estipulados abaixo: bovinos, para produção de
carne devem passar no mínimo ¾ de sua vida em sistema orgânico,
sendo que o período absoluto mínimo é de 12 meses; Origem
dos animais
O estabelecimento de rebanho adaptado ao sistema orgânico de produção
deve ser visto como o ideal a ser buscado. Transplantes de embrião e o
uso de animais geneticamente modificados através de engenharia genética
são proibidos. Os animais devem ser originários de unidades
de produção orgânica. Quando animais orgânicos não
estão disponíveis o IBD poderá autorizar animais convencionais
comprados para certificação como orgânico. Os bezerros
de corte adquiridos de outras propriedades deverão nascer em áreas
certificadas orgânicas e de matrizes introduzidas no sistema orgânico
pelo menos três meses antes de seu nascimento. A compra de animais
para renovação de rebanho (matrizes) será autorizada até
no máximo 10% do rebanho para bovinos. Porcentagens maiores serão
autorizadas conforme o caso quando ocorrer catástrofe climática,
expansão de lotes, introdução de um tipo diferente de manejo.
[O texto na íntegra sobre as principais diretrizes do IBD (2004) para produção
de carne bovina orgânica pode ser conferido pelo sítio de Internet
http://www.sic.org.br/organico.asp]. |