Porém,
descobrimos que seria quase impossível não relatar a exploração
de palmito-juçara (Euterpe edulis) sem relacionar a história de
vida deste senhor de 84 anos, que se diz ser o primeiro filho de imigrante japonês,
nascido no Brasil. Nas terras onde estão as propriedades, conhecidas
como Centro Tuzino de Educação Ambiental e Difusão do Palmito
I e II totalizam uma área de 128 hectares. Lá, existe um
verdadeiro mar de palmeiras. Mas, o que parece um cenário exótico
é na verdade um laboratório a céu aberto, onde seu Didi
cultiva árvores de palmito-juçara (obtido com o cruzamento do juçara
com o açaí) e açaí, além de outras duas variedades
de palmeiras: o açaí melhorado e o híbrido (conhecido como
palmito Tuzino). Consegui estas espécies com a finalidade de salvar
da extinção a palmeira juçara, uma das espécies mais
características da Mata Atlântica. Foi também uma forma que
encontrei para tornar viável a comercialização e a produção
de palmito, reduzindo assim a extração ilegal, diz Jorge Tuzino.
Nascido no Vale do Ribeira, em uma família que mistura as mais
influentes culturas da história recente da região a japonesa
e a cabocla o agricultor Jorge Tuzino sempre foi sensível às
questões ligadas à Mata Atlântica e, em particular, à
palmeira juçara, espécie que viu quase desaparecer das matas devido
à exploração ilegal do palmito. O palmito-juçara,
em especial, exerce um papel fundamental na cadeia alimentar da Mata Atlântica.
Com a extração ilegal, das árvores que são na maioria
das vezes retiradas antes da frutificação, ou seja, antes da produção
de sementes, não há alimentação e não só
a fauna fica prejudicada, mas também a disseminação da planta
pela floresta.
Consciente desta importância, seu Didi
tem se dedicado há mais de 40 anos em plantar, manejar e encontrar alternativas
comerciais sustentáveis para a espécie. Aliás, a região
do Vale do Ribeira era forte na produção nobre de Juçara.
No total eram mais de 12 variedades encontradas na mata. O clima úmido
e quente e a pouca incidência de doenças fizeram com que a região
tivesse o maior índice de produtividade. Um verdadeiro contraste com a
realidade encontrada hoje, causada com a exploração ilegal das palmeiras.
No entanto, falar sobre o consumo desta espécie ameaçada
de extinção é sempre um assunto delicado. Mas não
quando a conversa é com o agricultor Jorge Tuzino. Andar pelos 28 hectares
do Centro Tuzino I (o campo experimental de palmeiras, com a maioria da espécie
Euterpe edulis, que produz o palmito juçara) é sentir em plena Mata
Atlântica. Antes de se dedicar às experiências com palmito,
Tuzino era produtor de banana. A idéia de desenvolver o híbrido
surgiu na década de 70, quando esteve na Amazônia e conheceu a palmeira
de açaí. Ficou encantando. Vi que as flores eram idênticas
às da palmeira juçara e trouxe algumas mudas para São Paulo.
O clima, aparentemente semelhante, fez o açaí se adaptar muito bem,
por aqui. O trabalho final foi realizado pelas abelhas, que fizeram a polinização.
Assim consegui sementes de uma nova espécie, um híbrido de juçara
com açaí. Surgiu uma palmeira com quatro ou com seis folhas, ao
invés das oito folhas do juçara ou duas do açaí. A
flor fêmea do açaí recebeu o pólen do juçara
e ocorreu a hibridação natural. O surgimento desta espécie
foi um milagre atribuído ao delicado trabalho das abelhas, conta
satisfeito o agricultor.
Foram 80 mil mudas de juçara e 25 mil
de açaí, que cresceram sombreadas pelas bananeiras. E o resultado
é que são produzidas 100 milhões de sementes por ano, apenas
de palmito-juçara. A nova palmeira cresce mais e em menor tempo, perfilha
como o açaí ou seja, nascem diversos troncos e tem
o sabor e a cremosidade do juçara. Além disso, suas fibras são
flexíveis e ótimas para a confecção de artesanato,
enquanto as do juçara e açaí quebram facilmente. Segundo
seu Didi, além do híbrido, há ainda o açaí
melhorado, um híbrido que nasce igual ao amazônico, só que
não precisa de desbaste, porque não perfilha muito. Tem o creme
claro, menos fibroso e mais cremoso como juçara. É ou não
é um milagre! É o Juçara continua sendo o Juçara.
O açaí que trouxe da Amazônica é que recebeu o pólen
e tornou-se híbrido. Essa é uma dádiva de Deus!, conta
sorridente seu Didi. O princípio básico do projeto
de Jorge Tuzino tem sido seguido à risca nesses mais de 40 anos. De suas
matrizes, as sementes e mudas da juçara são vendidas por um preço
barato. As demais são vendidas juntas, pois só serão conhecidas
quando saírem folhas, e são destinadas ao cultivo comercial. Hoje
são mais de 60 viveiristas, que transformam sementes em mudas. Pra
mim, não tem herança maior que o palmito, finaliza o defensor
da Mata Atlântica. Híbrido
pra lá de rendoso O
produtor explica que o híbrido tem algumas vantagens, como precocidade,
qualidade e quantidade. Precocidade: porque a extração pode ser
feita a partir do quarto ano (antes do oito do juçara puro); Qualidade:
porque o palmito híbrido herdou o sabor nobre do juçara e quantidade,
porque produz até quatro vezes mais. Ao contrário do juçara
nativo, que produz apenas uma haste, o híbrido dá até dois
palmitos por muda.
Ele ensina que, para instalar uma plantação
de palmito sustentável, a melhor forma é o plantio consorciado entre
a espécie açaí e a do híbrido juçara/ açaí.
Neste sistema a cultura principal, para daqui a sete anos, seria a fruta do açaí.
Faz-se, inicialmente, o plantio das palmeiras de açaí no espaçamento
de 2 por 3 metros (ruas). Entre os espaços, plantam-se as mudas do híbrido.
Para cada 2,4 hectares, o agricultor sugere o plantio de 10 mil mudas do híbrido
de juçara e 4 mil de açaí.
Com essa quantidade, garante,
dá para colher 20 mil hastes de palmito da espécie híbrida,
já que, entre o quarto e o sétimo ano de plantio, dá duas
hastes por muda. Hoje, a indústria paga R$ 4 por palmito, o que dá
uma renda de R$ 80 mil. Isso já paga todo o investimento inicial da plantação,
argumenta. Há também pouco investimento, como a compra de sementes
ou mudas, o preparo do terreno para o plantio. O palmito não precisa
de adubação, nem de pulverizações, ou seja, não
tem custo de produção e nem de mão-de-obra, diz seu
Didi.
O produtor vende cada muda por R$ 1. As sementes saem
mais em conta, cerca de R$ 15 o quilo (1 quilo tem entre 800 e mil sementes).
Prefiro vender as sementes à muda. Não gosto de aproveitar
dos meus compradores, comenta Jorge Tuzino. Para cada 2,4 hectares, são
necessários 20 quilos de semente. Após colher os palmitos do híbrido,
a planta pode ser retirada, ficando apenas as palmeiras de açaí.
A partir daí, no sétimo ano, o açaizeiro entra em produção.
Deixando três touceiras por árvore, é possível colher
em torno de 5 quilos de polpa de açaí por ano, a partir do sétimo
ano de plantio. A indústria paga, em média, R$ 8 o quilo da fruta.
E ainda há os brotos de palmito, que dão novos palmitos a
cada dois anos e as sementes. Mas não é só: a palmeira oferece
também matéria-prima para artesanato, como as fibras dos cachos.
O tronco é usado para construção de cerca. A folha tem 4%
de proteínas, que além de alimentação para os animais
pode servir de adubo as sementes são adocicadas por natureza,
além de possuir vitaminas, como ferro e zinco, descreve o agricultor.
O
lado obscuro da extração Além
da floresta experimental, onde ensina aos produtores as técnicas de manejo
sustentável e a produção das mudas híbridas, Jorge
Tuzino tenta combater e trabalhar com outro problema: a extração
ilegal do palmito. Temos muitos problemas com ladrões. Isto é
o que dificulta a produção e causa danos para qualquer produtor
de palmito. No ano passado derrubaram cinco mil palmeiras de minhas propriedades,
lamenta com olhar desolado. Só nesse ano são bem mais de 20
roubos. Faz boletim de ocorrência, não adianta nada, porque eles
não ficam presos. E um problema social. A única coisa
que resolve é o governo dar melhor condição de vida pra essa
gente. O Vale precisa de gente que invista nele. Não adianta só
prender esses pobres coitados que vão pra mata. É importante agir
na ponta final dessa ilegalidade toda, opina Jorge Tuzino.
Por isto,
seu Didi faz um trabalho social, no Centro Tuzino. O local serve de
palestras, de aulas de preservação da natureza e da história
do Vale do Ribeira. Ali também se encontra a raiz da família Tuzino,
quando ali se estabeleceu em 1917, o pai de Jorge, Kuichi Tuzino. Segundo, seu
Didi, mesmo reconhecido como Patrimônio Histórico e Ambiental
da Humanidade pela Unesco (em 1998), o Vale do Ribeira espera tempos melhores.
Não sou herói como dizem por aí. Quero ser o mais simples
dos agricultores e quero ver a região melhorar. O Vale do Ribeira é
conhecido como o Vale da miséria, mas gostaria de mudar isto. Quero que
zelem pela mata e pelo palmito vivo, e não que o peguem morto, em vidro,
ressalta.
Por lei, o corte do palmito-juçara só é
autorizado quando o caule da palmeira tem mais de 9cm de diâmetro à
altura do peito, o que rende toletes com mais de 2,5 cm de diâmetro. Palmitos
muitos finos foram cortados de árvores imaturas, provavelmente de forma
ilegal. O principal fator de exploração do palmito são os
roubos predatórios, cortados normalmente na calada da noite, normalmente
por moradores pobres da região. Como estão ficando raras,
as palmeiras são cortadas cada vez mais jovens, muitas vezes, ainda antes
de terem atingindo o período reprodutivo, cortam os brotinhos. O palmito
extraído, em geral é envazado na própria mata, em vidros
fornecidos pelos atravessadores, sem condições de higiene,
revela. E o botulismo é um problema grande para quem come este palmito.
Mas o palmito-juçara é um produto que rende muito dinheiro.
Porque ninguém rouba pupunha? A pupunha traz doenças para a região,
não tem sabor, nem cor, nem valor. O juçara é como ouro e
diamante, uma jóia que todo mundo quer roubar, relata o agricultor.
No
paladar dos consumidores Apesar
das dificuldades em manter o Centro Tuzino de Educação Ambiental
e Difusão, Jorge Tuzino ainda se mantém das vendas obtidas pelas
sementes, mudas e touceiras obtidas pelo híbrido. Com a fiscalização
e a extinção do palmito-juçara algumas empresas encontraram
no híbrido a alternativa para a comercialização. Hoje são
mais de 10 empresas de todo o País, que tem o Centro Tuzino como principal
fornecedor. Este foi o caso do proprietário da marca Guaranatiba e Céu
da Serra, Paulo César Gulchinshi. Há 10 anos, o empresário
atua na industrialização do palmito no Estado do Paraná.
Porém, sua demanda está concentrada no Estado de São Paulo,
que consome quase 80% da sua produção. A princípio
tínhamos outro fornecedor um projeto em parceria com o Governo do
Estado do Paraná porém, com os anos e a burocracia, se tornou
inviável a extração de palmito na região. A própria
lei não ajuda o agricultor e favorece a ilegalidade. Com isto, optei por
outro fornecedor. Logo, tive o conhecimento da exploração do palmito
híbrido e iniciei os meus contatos com o Sr. Tuzino, comenta. Quando
questionado sobre o sabor do híbrido, o empresário responde: Não
há nenhuma diferença. E hoje após três anos no mercado,
o palmito híbrido tem grande aceitação. Lógico, no
princípio os consumidores assustaram por ver no rótulo a descrição:
híbrido. No início tive que dar para alguns consumidores experimentarem.
Mas, hoje não. Temos uma venda boa, conta o empresário.
Hoje,
são vendidas três milhões de sementes por ano para as fábricas.
Em geral, as indústrias realizam a extração do creme do palmito,
especialmente para as saladas nobres.
De acordo com o Jorge Tuzino, outra
empresa também há mais de 10 anos cultiva o híbrido é
a fábrica da Palmavalle, instalada no Vale do Ribeira (SP). A empresa compra
as sementes e planta mais três outras espécies de palmito, que são
colhidas e industrializadas na própria fazenda e que serve para abastecer
os mercados de São Paulo, Campinas, São José do Rio Preto
e Curitiba. No entanto, a disputa ilegal que vem do corte clandestino de
palmito, em áreas de preservação, faz com que a empresa fique
no prejuízo. Muitas vezes, os ladrões roubam dentro da propriedade
e vende clandestinamente na estrada. O proprietário desta empresa, sempre
me falava que era preciso plantar em grande quantidade, porque assim roubam e
sobra um pouco pra gente vender, relata Jorge Tuzino. |