O
Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo; o segundo maior em números
absolutos, contando com aproximadamente 204 milhões de cabeças,
que significa 19% do total mundial. O custo de produção da carne
brasileira é um dos menores do mundo. Paga-se cerca de 2.565 dólares
por tonelada de carne produzida no Brasil. E é exatamente esta realidade
que os produtores querem mudar. Para se ter uma idéia, a Argentina produz
cerca de um terço do volume de carne produzido no Brasil, mas os valores
pagos àquele país são quase o dobro dos pagos aos produtores
brasileiros, cerca de 3.987 dólares.
É sabido que os nossos
vizinhos são privilegiados por causa do clima mais frio que o nosso e que,
portanto, comporta raças de origem européia, adaptadas a temperaturas
mais baixas e que possuem uma carne mais macia. Mas isso, segundo especialistas,
não quer dizer que não possamos aumentar o valor agregado de nossa
produção. E é pensando na valorização da carne
brasileira que a Central Bela Vista, junto com a UNESP Botucatu inaugurou em Pardinho,
interior de São Paulo, o Laboratório de Qualidade da Carne, um centro
de pesquisas que pretende, por meio de análises genéticas, compreender
melhor quais são os fatores que levam o animal a possuir uma carne com
maior ou menor maciez.
A iniciativa surgiu dos técnicos e criadores
preocupados com a pouca tecnificação da pecuária bovina brasileira
que, segundo eles, diminui a qualidade do produto e, consequentemente, seu valor
no mercado internacional. É uma ilusão achar que nós
vamos produzir carne de qualidade somente com genética. Nós vamos
produzir com mão de obra qualificada, com tecnologia, conhecimento e, evidentemente,
com a evolução da genética afirma Jovelino Mineiro,
presidente da Central Bela Vista. Uma mostra de que a pecuária brasileira
é pouco tecnificada é o número de inseminações
artificiais feitas por aqui. O Brasil insemina apenas 3% das vacas de corte. O
mundo industrializa por ano 260 milhões de doses de sêmen. Destas,
apenas 4,5 milhões são comercializadas no Brasil. A maior
pecuária do mundo talvez seja das menos tecnificadas em relação
a inseminação artificial, que é o instrumento mais poderoso
para melhorar o plantel, enfatiza Maurício Nabuco, gerente da Central
Bela Vista.
O principal objetivo do Laboratório, quando estiver
totalmente implantado, será desenvolver tecnologias para a predição
da qualidade da carne. Um dos meios de se alcançar esta meta será
por meio da validação dos marcadores moleculares que identifiquem
qual animal possui a melhor carne. Marcador molecular é uma particularidade
genética que permite que se faça a distinção de um
indivíduo dentro de um grupo. Pode ser, por exemplo, a cor da pelagem.
Os marcadores moleculares servem também para identificar um animal que
possua uma carne mais macia. O trabalho do Laboratório será identificar
estes marcadores para que se saiba que animal tem esta característica e
também se ele possui condições de transmitir isso para os
seus descendentes.
O laboratório vai se integrar a outro grande
programa genético conduzido pela parceria Central Bela Vista-Unesp, o Genoma
Funcional do Boi. O projeto genoma possui um banco de dados com 60 mil seqüências
de genes e 22 mil genes mapeados, com 300 marcadores moleculares identificados
e associados à maciez de carne e precocidade dos animais. Isso representa
75% dos genes dos bovinos, afirma Luiz Roberto Furlan, responsável
pelo Projeto Genoma Funcional do Boi.
Uma das premissas da pecuária
é que os animais de origem taurina possuem carne de melhor qualidade do
que os de origem zebuína. Os envolvidos no projeto do Laboratório
de Certificação da Qualidade da Carne querem derrubar este mito.
Segundo Luiz Furlan, o animal zebuíno pode vir a ter uma carne tão
boa quanto o taurino; basta que os pecuaristas brasileiros passem a adotar uma
maior tecnificação no processo reprodutivo. Os animais taurinos
estão sendo selecionados com o intuito de servir como alimento há
milênios. Isso só começou a ocorrer com os animais de origem
indiana mais recentemente, afirma Furlan. Portanto, os técnicos acreditam
que, com um trabalho árduo de mapeamento e seleção genética,
em um futuro próximo os animais zebuínos possam vir a ter uma carne
com a mesma qualidade que hoje possuem os animais de origem européia.
Com o laboratório de qualidade e o projeto genoma operando em conjunto,
a estratégia da Bela Vista é gerar um conteúdo e informações
sobre a base do rebanho brasileiro, que é formado em 80% por zebuínos.
A idéia é analisar cerca de 300 dos reprodutores nelore mais reconhecidos
pelo mercado, abatendo, pelo menos, 3.000 filhos desses touros. Já
temos mapeados esses animais e contamos com a doação de doses de
sêmen de centrais de inseminação artificial e de pecuaristas
donos de reprodutores, diz Jovelino Mineiro.
A preocupação
com a qualidade da carne é cada vez maior no Brasil e no mundo. Com isso,
é fundamental para a pecuária brasileira focar os esforços
na busca por um produto que agregue valor e que satisfaça os mercados mais
exigentes. Assim, o País agradará tento países que buscam
preços acessíveis como também consumidores mais interessados
na qualidade. E esta busca por um produto que contente ao primeiro mundo já
está na pauta não só dos pecuaristas, mas de todo o setor.
A cadeia começa a se interligar. Os frigoríficos estão
preocupados com a genética, já que querem deixar de serem apenas
compradores para se tornarem parceiros. A evolução genética
que o Brasil vai ter nos próximos anos será muito grande porque
o pecuarista vai começar a ser remunerado pela qualidade do produto. Já
começou a ser, afirma Mineiro. |