O
aparecimento dos casos de febre aftosa, no Mato Grosso do
Sul, problema que se estendeu para outros estados e que ocasionou
o fechamento do mercado mundial para a carne bovina brasileira;
a hiper-valorização do real frente ao dólar,
fato que não se repetia há quase dez anos, e
que derruba a rentabilidade da criação e, por
fim, os preços achatados da carne no mercado interno
e a queda de braço entre pecuaristas e frigoríficos,
completando esse verdadeiro cenário de filme de terror,
que todos esperam, tenha o pecuarista no papel principal e
não de coadjuvante.
Desde de que a crise foi deflagrada, em outubro do ano passado,
por inúmeras vezes o Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento se reuniu com representantes
da cadeia produtiva na tentativa de encontrar caminhos que
levassem a superação da crise. No relatório
da última reunião da Comissão Técnica
de Bovinocultura de Corte da Confederação Nacional
de Agricultura (CNA), realizada em dezembro de 2005, para
tratar do novo Programa Nacional de Erradicação
da Febre Aftosa (PNEFA), os técnicos reconheceram o
prejuízo que é para o Brasil a perda de parte
do seu território, que já tinha o título
de área de livre da febre aftosa com vacinação
e que provocou a imposição de restrições
às exportações pelos mercados internacionais.
Para os técnicos, no entanto, é preciso reconhecer
a seriedade com que os focos foram notificados pelas autoridades
sanitárias do país e os esforços de emergência
sanitária que desde o momento da notificação
foram implementados nas regiões atingidas. O relatório
diz ainda que, isso impediu que a doença se disseminasse
mais rapidamente e, portanto, limitou o tamanho do prejuízo
sócio-econômico.
Em 2001, os países do Cone Sul enfrentaram uma grande
epidemia de febre aftosa, em parte, por falta de transparência
dos países do bloco e por ineficiência da reação.
Em 2002 foi a vez do Brasil mostrar deficiência no seu
sistema de controle, o que ocasionou o aparecimento de focos
no município de Naviraí, MS. E agora, em 2005,
o problema reapareceu em vários municípios do
Mato Grosso do Sul com conseqüências ainda difíceis
de mensurar. Para Cesário Ramalho, presidente da Câmara
Setorial Paulista da Carne Bovina e vice-presidente da Sociedade
Rural Brasileira, esses fatos por si denotam as falhas estruturais
no atual sistema de controle e erradicação da
febre aftosa.
Ramalho defende a ação da equipe técnica
do ministério e diz que a maior deficiência não
está no campo político. Ele relembra que assim
que a ocorrência dos focos no MS e depois PR foram notificadas
os técnicos do ministério se mostraram habilidosos
para lidar com essa questão. O que está
sendo negligenciado é o passo seguinte, ele exclama.
Hoje, praticamente não existe uma fiscalização
nas propriedades rurais, lojas de produtos veterinários
e muito pouca nas estradas e isso faz toda a diferença.
Segundo o médico veterinário Romão Pereira
Vidal consultor técnico sobre defesa animal e rastreabilidade
alimentar, no Brasil existe um descompasso entre quem produz
para gerar riquezas (pecuaristas) e o mercado financeiro,
no caso representado pelos aplicadores em títulos e
ações (monetaristas). Nesse micro universo formado
por pecuária e mercado de ações, existem
dois atores políticos: o Ministro da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento e o Ministério da Fazenda. O que acontece
é que a nação brasileira na realidade
depende única e exclusivamente das ações
do ministro da Fazenda, o que de certa forma deixa a
pecuária a reboque de uma política monetarista
que não favorece o setor, explica o consultor.
Hoje, o reaparecimento dos focos no rebanho do Paraná
estão impedindo uma aceleração na liberação
do mercado para o Brasil. Isso é visto com preocupação
pelos especialistas do setor que vêem um atraso na liberação
da carne brasileira por conta desse impasse. Com a realização
do abate nos animais do PR, em 180 dias o país estará
livre para voltar a exportar. Para o presidente da câmara
que representa os pecuaristas do estado de São Paulo,
isso mostra, mais uma vez, que não se trata de uma
questão técnica e sim política.
Segundo os especialistas do setor a questão é:
Qual o incentivo que o governo federal, nestes três
anos, propiciou aos pecuaristas? Nenhum, responde Vidal.
No entanto, o governo soube muito bem, em território
estrangeiro, impingir a culpa aos pecuaristas brasileiros
do surgimento do Foco de Febre Aftosa no Mato Grosso,
desabafa o médico.
Como solução para a atual situação,
os dois concordam que os representantes da cadeia produtiva
da carne é que têm de chamar para si a administração
do seu negócio. Com o setor fortalecido eles poderão
exigir junto ao Ministério Público Federal que
se adote melhores políticas administrativas como, por
exemplo, pegar a somatória de todo o volume financeiro
originário das exportações de carnes
bovina, suína e de frango e separar 10% à defesa
animal e para promover o financiamento do setor.
Programa
de vacinação promete servir de modelo
Outra
medida que se mostra urgente é a adoção
de um programa nacional de erradicação que englobe
também os países visinhos, caso do Paraguai,
que por mais um ano não terá um programa de
vacinação sistemático, igual ao que está
sendo feito no Brasil. A partir desse mês começa
a campanha de vacinação para o ano de 2006 que
deve abarcar todas regiões produtoras, inclusive àquelas
que já são consideradas área livres.
Os números do ano passado mostram que, nas duas etapas
realizada, o índice de imunização do
rebanho foi de 343,3 milhões de cabeças entre
bovinos e bubalinos. Isso equivale a 96,14% do rebanho nacional.
Os dados são dos órgãos executores estaduais
de Defesa Sanitária Animal, ligados a Coordenação
Nacional de Controle da Febre Aftosa da Secretaria de Defesa
Agropecuária do MAPA.
O resultado foi considerado positivo nos estados classificados
como Zona Livre de Febre Aftosa com Vacinação
(Acre, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo Goiás,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São
Paulo, Sergipe e Tocantins). Nos estados classificados como
área de risco desconhecido, baixo ou médio risco
na época da aplicação (Alagoas, Amazonas,
Amapá, Ceará, Maranhão, Pará,
Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte
e Roraima) a cobertura vacinal alcançou, em média,
89,31% do rebanho.
O coordenador do Programa Nacional de Erradicação
da Febre Aftosa, Nilton Antônio de Morais, ressalta
que os percentuais positivos reforçam a necessidade
de manter o trabalho de mobilização entre os
pecuaristas nas etapas da campanha de vacinação,
sobretudo nos estados onde os índices não atendem
à recomendação da Organização
Mundial de Saúde Animal, que é de 95%. Houve
uma cobertura nos moldes que a gente sempre espera, ou seja,
de 95% de cobertura vacinal. Agora, nas áreas que ainda
não estão livres, é importante que melhorem
e que os criadores e técnicos envolvidos nessa campanha
se mobilizem. Nos demais estados, que já têm
um serviço estruturado, a cobertura vacinal pode ser
considerada boa, destaca o coordenador.
O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para
Saúde Animal (Sindan) participou, no final de fevereiro,
de dois importantes encontros com dirigentes pecuários
para debater a situação da febre aftosa no país
e na América do Sul: o Circuito Pecuário Centro-Oeste
e Circuito Pecuário Nordeste, realizados em Cuiabá
(MT) e Recife (PE), respectivamente.
Nas reuniões promovidas pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária Abastecimento, o órgão foi representado
pelo presidente da Coordenação para Assuntos
da Febre Aftosa da entidade, Mário Eduardo Pulga, que
falou, entre outros assuntos, sobre a qualidade da vacina
contra febre aftosa e o funcionamento do complexo de produção,
controle e distribuição de vacinas em âmbito
nacional.
Para o representante do Sindicato que representa a indústria
de medicamentos Brasil detém a melhor e mais moderna
tecnologia de fabricação da vacina contra a
enfermidade no mundo. Toda a produção passa
por duplo controle de qualidade: dos próprios laboratórios
e do MAPA. Precisamos considerar três pilares
quando falamos sobre a vacina fabricada no País: qualidade
do produto, conservação e aplicação.
A responsabilidade da indústria está voltada
à fabricação de vacinas com 560 de qualidade
e total rastreabilidade até a entrega do produto nas
revendas, quando a conservação e a aplicação
passam a ser de responsabilidade das revendas e do produtor,
afirma.
Regulamentação
do mercado requer discussão
O
mercado é outra incógnita para o setor pecuário
e que mostra pouca possibilidade de uma reviravolta no primeiro
semestre de 2006. A variável câmbio que exerce
a maior influência na rentabilidade da produção
é tida pelos especialistas e consultores de mercado
como a grande vilã para o pecuarista nos próximos
meses. Para entender melhor o porquê disso é
só pegar o preço histórico da carne bovina
que gira em torno de US$ 20,00 a arroba e multiplicar pelo
dólar atual que é de R$ 2,20 o que dá
um valor de R$ 44,00. Se a cotação estivesse
pelo menos próxima aos R$ 2,50 ou R$ 3,00, esse valor
subiria imediatamente para R4 55,00, R$ 60,00, respectivamente.
Segundo Sônia Santana Martins, pesquisadora do Instituto
de Economia Agrícola IEA, da Secretária de Agricultura
do Estado de São Paulo, além disso, se os preços
no mercado externo ficam mais interessante isso estimula os
frigoríficos a gerar uma maior escala de abate. A conseqüência
é imediata no aumento da procura por animais para abater,
elevando o preço pago ao produtor, destaca a pesquisadora.
Agora essa faca tem dois lados. Se os preços da arroba
continuam achatados e o consumo interno é baixo isso
gera uma situação de aperto ao pecuarista que
vende não só o boi de abate mais começa
se desfazer do seu plantel de matrizes para não desonrar
seus compromissos. Isso faz parte de um ciclo natural dentro
da pecuária, explica Sônia Martins que diz que,
o câmbio baixo e a elevação constante
dos custos de produção ajudam a agravar esse
cenário. A pecuária de corte brasileira vem
de uma crise nos preços da arroba que já dura
3 anos. O valor de R$ 49,00 na arroba do boi gordo deixa uma
margem estreita ao setor produtivo que tem seus insumos atrelados
ao dólar e ainda enfrenta um aumento acima da inflação
no custo da mão-de-obra.
Quanto à regulamentação dos preços
no mercado interno mais uma vez a falta de agilidade do governo
de fiscalizar é apontada como causa principal dos conflitos
no setor. Na outra ponta da cadeia a variável consumo
tem ajudado a elevar os índices interno do setor. Os
programas sociais do governo federal tem elevado o consumo
percapita dentro das camadas mais pobres da população,
explica a pesquisadora do IEA. Na questão que envolve
os frigoríficos as irregularidades não são
apenas do controle sobre os preços da arroba, destaca
o vice-presidente da SRB que também é pecuarista
no município de Japorã, MS região próxima
as áreas afetadas. Segundo ele, as denuncias que estão
sendo feitas contra os frigoríficos e os mesmo rebatem
atacando os pecuaristas, tudo isso depõem contra o
país, exclama. A SRB é contra a criação
de polêmica e a favor de uma maior discussão
dentro do setor, conclui.
Danos
sociais são irrecuperáveis
O
estados Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo,
ficaram em situação de alerta máximo,
no final do ano passado, pelos focos de febre aftosa o que
gerou uma série de deliberações entre
elas: o cancelamento de leilões já marcados,
exposições e, principalmente, a paralisação
de grandes frigoríficos com sérios prejuízos
aos municípios que vivem da renda gerada pela
pecuária. Agora a pergunta é: Existe dinheiro
que poça amenizar o tamanho do dano social que a aftosa
causou à sociedade? Na opinião do consultor
de mercado Romão Vidal e de outros representantes do
setor entrevistados não.
Segundo Vidal, a água do rio que correu para o mar,
nunca mais se apanha de volta. Esta foi e é a real
situação criada pela incompetência das
autoridades estaduais e federais envolvidas no caso, ele diz.
Para o médico as medidas de ordem técnicas adotadas
logo após o aparecimento do surto, foram corretas,
mas o Protocolo da OIE já exige este tipo de procedimento.
O fato é que depois do fato ocorrido não adianta
mais buscar culpados. Não se recupera a renda perdida,
o desgaste psicológico pelo qual passaram os funcionários
dos frigoríficos, não se recupera aquele natal
triste e apreensivo das famílias, não se recupera
a credibilidade internacional perdida, enfim, o que se perdeu
não tem preço.
E aí as perguntas não cessam. Porque não
temos as forças armadas postadas nas fronteiras secas?
Porque o exército, a aeronáutica e a marinha
estão concentrados nas grandes capitais e nas cidades,
ao invés de estar patrulhando as fronteiras, coibindo
o contrabando de animais? Para o consultor houve sim um pouco
de vaidade, de ser célebre por 5 minutos. Mas isto
já passou. Restaram os prejuízos de todas as
formas e tamanhos. Os eventos nacionais e internacionais formam
prejudicados. Pecuaristas que investiram tempo, mão
de obra, provas andrológicas, exames sorológicos
e outras mais exigências necessárias para que
seus animais participassem de eventos especializados, foram
alvos de prejuízos consideráveis. E a pergunta
de agora em diante é, quem vai pagar esse prejuízo?
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