FERRUGEM AINDA CAUSA MAIOR TEMOR
rev 102 - agosto 2006

Em uma safra com clima extremamente favorável à evolução da ferrugem asiática da soja, especialistas são unânimes em afirmar que a doença reduziu a produtividade e elevou significativamente o custo de produção das principais regiões produtoras de soja no Brasil.

Até mesmo no Paraná, onde a doença ainda não havia sido tão agressiva, a ferrugem teve uma expansão bem característica nas regiões Norte e Centro Sul do estado, configurando-se como uma epidemia, ou seja, de ocorrência generalizada e alta agressividade.

“Os níveis de danos ainda não podem ser estimados, mas houve um aumento do custo de produção e relatos de produtores paranaenses que tiveram que fazer até três aplicações para o controle da doença”, observa Cláudia Godoy, pesquisadora da Embrapa Soja.

A situação mais crítica ocorreu nos estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. O aparecimento precoce da ferrugem na safra atingiu lavouras ainda no estádio vegetativo, aumentando tanto o custo de produção em função do aumento no número de operações para controle, como a pressão do fungo em áreas vizinhas. Há relatos de produtores que necessitaram de cinco aplicações para o controle da doença. Esses estados têm ainda um agravante: além das condições climáticas serem extremamente favoráveis ao desenvolvimento da ferrugem, o cultivo da soja na entressafra, irrigada por pivôs, proporciona o efeito chamado de ponte-verde, que faz com que o fungo continue se multiplicando num período em poderia estar diminuindo naturalmente.

Para o pesquisador da Embrapa Soja, Paulino José Melo Andrade, que atua na região nordeste de Mato Grosso do Sul, dois fatores podem ter ajudado a agravar os prejuízos causados pela ferrugem. “As condições climáticas estavam favoráveis, mas muitos agricultores falharam no controle por utilizarem aplicações calendarizadas, em R2 (floração), com nova aplicação 20 depois. Em muitas dessas propriedades, a primeira aplicação acabou ocorrendo tarde demais”, avalia. O outro fator é a  redução da vazão dos pulverizadores terrestres. “Tivemos agricultores utilizando até 30 litros, quando o normal é de 150 a 200 litros de calda por hectare”, explica Paulino.

Resistência aos produtos

Durante a safra, surgiram especulações de que a ferrugem poderia estar desenvolvendo resistência aos fungicidas, no entanto, ainda não houve comprovação para essa suposição. “Na maioria das vezes, o insucesso está relacionado ao momento inicial de controle. Percebemos que, em muitas vezes, o agricultor ainda se confunde e o controle é iniciado quando os sintomas estão em um nível mais avançado”, explica José Nunes Júnior, fitopatologista de uma das entidades que integram o Programa Estadual de Manejo e Controle de Pragas da Soja – Soja Protegida. “A falta de domínio das tecnologias de aplicação de defensivos agrícolas, a prática recorrente de uso de misturas de produtos ou doses abaixo da recomendada pelo fabricante também foram práticas recorrentes nessa safra e deixaram prejuízo no bolso do produtor”, avalia Claudine Santos Seixas, pesquisadora da Embrapa Soja.

Na Safra anterior (2004/05), o Sistema de Alerta registrou a ocorrência da doença em 459 municípios. Nesta safra, porém, a metodologia de coleta de dados foi alterada e passou-se a contabilizar o número de ocorrências e não mais o número de municípios. Na safra 2005/06, a doença foi registrada em 361 municípios, mas como o sistema permitiu mais de um registro por cidade, totalizou 1313 ocorrências. "Este ano, apesar do número de municípios ser menor, a doença foi considerada como epidemia, uma vez que ocorreu de forma generalizada e o clima favoreceu a sua agressividade. No ano passado, a situação foi diferente: o número de focos foi alto, mas a agressividade da doença foi mais baixa, principalmente porque a estiagem acabou impedindo sua evolução", explica a pesquisadora Cláudia Godoy. A ferrugem já causou prejuízos estimados de U$ 5 bilhões, desde 2002, considerando os custos da soja, da operação de aplicação e dos produtos, além da perda de arrecadação em função da quebra de produtividade.

Lista de inimigos é maior

Na safra 2005/06 outras pragas e doenças também se revelaram altamente danosas quando ocorreram em situações regionalizadas. Entre esses novos desafios que estão se impondo ao sistema produtivo brasileiro estão a mosca-branca, lagarta falsa-medideira e mofo-branco.

Na Bahia, onde a produção de soja se concentra em sete grandes municípios do Oeste baiano a pressão da ferrugem foi menor, principalmente em função das condições climáticas. “O veranico de janeiro retardou o aparecimento da doença, mas também favoreceu a ocorrência de pragas como a mosca-praga, que chegou a causar redução de produtividade”, avalia Mônica Martins, pesquisadora da Fundação Bahia. No estado de Tocantins e Distrito Federal houve uma ocorrência maior de mela e mancha-alvo, principalmente pelo uso de sementes piratas, que não apresentam resistência.

Em Goiás, quarto maior produtor de soja, houve uma redução de área, produção e produtividade em função das condições climáticas, alta severidade da ferrugem e baixa adoção de tecnologias.

“O percevejo castanho tem se tornado um problema sério nas regiões Sul e Sudoeste do estado”, revela José Nunes Júnior, do Centro Tecnológico para Pesquisas Agropecuárias – CTPA. Além disso, o técnico destaca que na safra 2005/06 a ocorrência de mofo-branco foi mais grave do que em anos anteriores.

Em Minas Gerais, a agrônoma Ana Luisa Zanetti, da Fundação Triângulo, também destacou a ocorrência de mofo-branco, podridão vermelha da raiz e lagarta enroladeira. No estado de Mato Grosso do Sul, o técnico Carlos Pitol, da Fundação MS, destacou o processo de substituição das sementes piratas por sementes certificadas.

Em Mato Grosso, o técnico Rodrigo Brogin, apontou um aumento de plantas daninhas resistentes, como o leiteiro e o bicão. Na região médio norte, o problema maior foi a mosca-branca”, observa.

Soluções no Paraná

O Ministério da Agricultura realizou este mês em Londrina, PR, uma reunião para discutir a formatação do Programa Nacional de Combate à Ferrugem e, em especial, a implantação do vazio sanitário no Paraná. O vazio sanitário é uma aposta dos pesquisadores para reduzir a pressão do fungo causador da ferrugem asiática em todo o território brasileiro. O princípio para sua aplicação é que reduzindo o número de plantas hospedeiras durante o inverno, anula-se o efeito “ponte-verde”, que faz com que o fungo continue se multiplicando no inverno e, assim, aparecendo cada vez mais cedo ou com maior intensidade nas lavouras de verão.

A proposta levantada pelas entidades é que o Paraná seja dividido em duas regiões produtoras: no Centro/Sul/Sudeste o vazio sanitário deverá ser de 30 de junho a 30 de setembro e nas regiões Norte/Oeste de 15 de junho a 15 de setembro. As unidades de alerta – plantadas com o objetivo de identificar antecipadamente a presença do fungo - também deverão obedecer o período determinado para o vazio sanitário. “Estamos no início das discussões, mas a legislação estadual deve começar a vigorar a partir de 2007”, adianta Adriana Peres, agrônoma do departamento de fiscalização da Seab.

“No Paraná, o cultivo da soja em pivôs durante a entressafra ainda não é uma prática comum, mas essas áreas apresentam a umidade necessária para o fungo continuar se multiplicando, por isso, será necessário proibir em todo o Brasil”, destaca o pesquisador Ademir Henning, da Embrapa Soja. Os estados de Mato Grosso e Goiás, onde o problema é mais sério, já implantaram suas legislações estaduais.

Um inimigo perigoso e oneroso

Uma estimativa feita por pesquisadores da Embrapa mostra que o impacto econômico da ocorrência da ferrugem asiática na safra 2005/06 supera U$ 1,7 bilhão, considerando o valor perdido com o que se deixou de colher e os custos do controle da doença. Para os cálculos, o pesquisador Antonio Carlos Roessing considerou informações fornecidas pela equipe de fitopatologia da Embrapa Soja, em Londrina, PR, e dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Os levantamentos de safra divulgados pela Conab entre janeiro e abril deste ano indicam uma redução de 4,25% na produção de soja brasileira, o que representa 2,47 milhões de toneladas. Existem vários fatores que contribuíram para essa redução, mas a ferrugem, segundo a equipe de fitopatologia da Embrapa Soja, pode ter sido responsável por pouco mais da metade da redução desse volume, o que corresponde a 2,5% da estimativa de redução da Conab.   “Essa redução de 2,5% representa 1,5 milhão de toneladas de soja que, considerando o preço médio de U$220,00 a tonelada, na Bolsa de Chicago, representa, então, U$ 330 milhões”, explica o pesquisador.
Além do custo da redução de produtividade das lavouras, o pesquisador calculou o impacto da elevação do custo de produção do agricultor. “Uma aplicação de fungicida contra ferrugem custa, em média, US$40,00/ha.

Considerando a ocorrência da ferrugem em 80% da área de soja no Brasil e uma média de duas aplicações de fungicida por hectare (embora no Mato Grosso, em algumas regiões, essa média tenha sido superior a 3 aplicações, inviabilizando a atividade), chega-se a um total de US$1,42 bilhão”, estima Roessing. Somando-se os valores do custo de produção ao valor da perda em toneladas, chega-se ao total de US$1,75 bilhão, estimativa do impacto econômico da ferrugem da soja na safra 2005/2006.


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