A
extensão da habilidade desses micróbios em obter
energia dos carboidratos complexos da parede celular das plantas
(celulose, hemicelulose, lignina) e o papel deles no processo
da fermentação ruminai são fundamentais
aos nutricionistas de ruminantes para o desenvolvimento de
sistemas mais eficientes de formulação de ração
que promoverão aumento da produtividade minimizando
os custos envolvidos.
O
grande desafio é, portanto, fornecer as condições
necessárias para o desenvolvimento da população
microbiana no rúmen, por meio de alterações
na sua concentração ou em sua composição,
potencializando habilidades de classes específicas
de microorganismos, conforme o interesse da produção
animal desejado de carne, leite ou lã. Alterações
prósperas só são possíveis com
a compreensão da população de micróbios
existente no rúmen nas diferentes espécies de
ruminantes em diversos sistemas de alimentação.
Melhorias realizadas na fermentação ruminal
podem ser demonstradas com princípios bem-estabelecidos
da ecologia microbiana (ocupação de nicho, pressão
seletiva, adaptação e interações)
envolvendo a termodinâmica e cinética de utilização
de substrato. Aplicações destes princípios
por alguns pesquisadores resultaram em propostas de modificações
da população bacteriana ruminal que permitem
predições da viabilidade relativa desses microorganismos
em diferentes ambientes ruminais. Melhorias na digestão
de fibra, diminuição da degradação
de proteína, desintoxicação de componentes
de alimento presentes em altas concentrações
e o redirecionamento das perdas causadas pelas produções
de metano são objetivos produtivos em pesquisas de
microbiologia ruminai.
Bovinos
de corte e de leite geneticamente selecionados para altas
produções são alimentados com dietas
de alta-energia em sistemas de produções intensivos.
Este tipo de alimentação pode induzir deficiências
orgânicas no rúmen que têm que ser corrigidas
para melhoria da relação custo-benefício.
O risco de acidose ruminal pode ser reduzido usando amido
lentamente degradável que em parte escapa da fermentação
microbiana no rúmen e vai ser digerido no intestino
delgado. Elementos aditivos podem ser utilizados como suplemento
alimentar visando estabilizar o pH ruminal e restringir o
acúmulo de ácido lático, favorecendo
assim o crescimento de bactérias celulolíticas
e estimulando a digestão dos carboidratos fibrosos
presentes na dieta do animal. Isso aumenta o valor de energia
de alimentos quando animais estão recebendo, por exemplo,
silagem de milho. Suplementação de lipídios
acima de aproximadamente 6% na matéria seca da ração
total, visando aumentar o nível de energia da dieta,
promove efeitos negativos com a morte de micróbios
e, conseqüentemente, em algumas funções
ruminais associadas com a degradação da proteína
e carboidratos, alterando os produtos finais da fermentação
ruminai. Além disso, a digestão dos lipídios
(lipólises e hidrogenação) desenvolvida
por microorganismos no rúmen altera a forma de ácidos
graxos fornecidos aos animais e o tipo da gordura depositada
nos tecidos ou no leite.
Digestão
de Carboidratos
O
processo digestivo dos nutrientes no rúmen se faz principalmente
pela ação dos microorganismos no substrato para
utilização na sua sobrevivência e multiplicação
como fonte de energia ou como fonte de nitrogênio no
caso de compostos nitrogenados. Isso ocorre pelo processo
chamado de fermentação realizado por micróbios
que vivem na ausência de oxigênio em local apropriado,
como é o rúmen-retículo, também
chamado de "câmara de fermentação".
No animal adulto essa câmara pode abrigar em média
de 60 a 80 litros de material com intensa atividade microbiana.
A população microbiana presente no rúmen-retículo
é extremamente diversificada e constituída principalmente
por bactérias, protozoários e fungos. As bactérias
são os mais numerosos organismos da massa microbiana
com cerca de 10 bilhões de células por ml de
fluido ruminai. Um novilho em confinamento pode produzir de
1 a 1,5 kg de microorganismos ruminais por dia. Mais de 200
espécies de bactérias tem sido isoladas do rúmen
e aproximadamente 20 espécies ocorrem em concentração
acima de 10 milhões de células por ml. Os protozoários
encontram-se presentes em menor concentração,
ao redor de 1 milhão de células por ml de conteúdo
ruminai com mais de 100 diferentes espécies já
identificadas, mas por serem de maior tamanho pode compreender
a metade da massa microbiana total e podem ser responsáveis
por um quarto ou dois terços da digestão dos
carboidratos complexos da parede celular das plantas. Já
a população de fungos presentes no rúmen
é o mais recente grupo reconhecido como de relevância
em nutrição de ruminantes nas últimas
décadas. Embora sejam organismos existentes em baixa
concentração com cerca de 10 mil zoósporos
por ml de conteúdo ruminai, tem sido estimado contribuir
com até 8% do total da biomassa microbiana, estando
envolvidos na digestão das forragens mais resistentes
a ação microbiana devido a sua baixa qualidade
com alto teor de carboidratos fibrosos e lignificados como
no caso das palhadas. Com o avanço da ciência
na identificação de microrganismos usando a
tecnologia de DNA recombinante, novas espécies de micróbios
vivendo no ambiente ruminal deverão ser identificadas.
Os
carboidratos presentes nas plantas são classificados
em (a) carboidratos estruturais (CE) que fazem parte da estrutura
da planta, sendo constituintes da parede celular e chamados
de fibra e (b) carboidratos não estruturais (CNE) que
incluem todos os carboidratos existentes no conteúdo
celular, tais como os açúcares e oligossacarídeos,
amido e fructanas. Os açúcares simples e oligossacarídeos
podem representar de 1 a 3% da matéria seca em forragens
temperadas, pelo menos 20% na polpa cítrica e cerca
de 60% no melaço da cana-de-açúcar. O
amido é o principal polissacarídeo armazenado
nas gramíneas e leguminosas, estando na forma de dois
tipos de polímero a amilose e a amilopectina. Os carboidratos
solúveis presentes são principalmente hexoses,
sacarose e frutosana (composto por unidades de frutose).
A
velocidade com o que os carboidratos são fermentados
no rúmen varia com as suas disponibilidades aos micróbios.
Açúcares solúveis são rapidamente
fermentados; o amido ocorre em menor velocidade, enquanto
a celulose e a hemicelulose são lentamente fermentadas.
Os produtos finais da fermentação microbiana
dos carboidratos no rúmen são os ácidos
graxos voláteis (AGVs), sendo o acético, o propiônico
e o butírico os três mais importantes ácidos
formados juntamente com os gases de dióxido de carbono
(C02) e metano (CH4). As concentrações de ácido
propiônico no rúmen são maiores em animais
consumindo dietas ricas em açúcares solúveis
e amido e menores em animais consumindo volumosos de baixa
qualidade, ocorrendo inverso com o ácido acético.
Ácido lático pode ser de importância em
animai; recebendo dietas com altas proporções
de concentrado e o seu acúmulo leva a um processo de
acídose ruminal, com parada de suas funções,
podendo ser fatal ao animal.
A
fibra em dietas ricas em volumoso promove a distensão
física do rúmen sendo o principal fator limitante
no controle da ingestão voluntária, enquanto
animais com alimentação alta em concentrado
o controle se faz pelo nível de ingestão energética
da ração. A fibra em detergente neutro (FDN)
que consisti primariamente dos componentes da parede celular
das plantas, incluindo os carboidratos complexos (celulose
e hemicelulose) juntamente com a lignina alguma proteína
insolúvel e sílica é um indicativo melhor
para a estimativa do potencial de consumo dos alimentos pêlos
ruminantes do que a fibra bruta (FB) ou fibra em detergente
ácido (FDA) que compreende apenas a celulose e a lígnina.
O teor de hemicelulose varia de 14-25% da matéria seca
de gramíneas. A lignina é um polímero
que envolve a fibra e a proteína, tornando-as inacessíveis
à digestão enzimática. O teor de lignina
nas plantas pode variar de 2 a 12% da matéria seca
e a sua digestão, se ocorrer, não envolve mais
do que 15-20% da lignina ingerida. Já a celulose é
um dos mais abundantes compostos existentes na natureza e
pode ser utilizado como fonte de energia pêlos animais
ruminantes, graças a presença da enzima celulase
nos microorganismos habitantes do rúmen. A natureza
química da associação da lignina com
a celulose e a hemicelulose ainda não está esclarecida,
mas não há dúvida que a lignificação
reduz a digestibilidade desses carboidratos complexos. A concentração
de FDN nas forragens é inversamente relacionada com
a ingestão de matéria seca pelo animal, ou seja,
quanto maior for o teor de FDN menor será o consumo
total. Além disso, a granulometria (tipo de moagem)
do alimento fornecido também influencia o consumo e
quanto menor for o tamanho das partículas fornecido
maior será a ingestão, já que haverá
menor tempo de retenção da fibra no rúmen.
A concentração de FDN varia também com
a espécie de planta, estágio de desenvolvimento,
condições climáticas e outros fatores.
O
teor de fibra na dieta influencia as proporções
dos ácidos graxos voláteis formados no rúmen.
A taxa de acético: propiônico (C2:C3) representa
um relevante parâmetro na avaliação da
utilização da fibra pêlos ruminantes e
a quantidade de ácidos produzida pela fermentação
é diretamente proporcional a digestibilidade dos alimentos.
A fermentação da palha, por exemplo, produz
somente cerca da metade dos ácidos formados durante
a fermentação da mesma quantidade em matéria
seca dos cereais. Este é, portanto, o maior problema
no uso de misturas de alimentos celulósicos com carboidratos
solúveis.
A
literatura pertinente apresenta ampla discussão sobre
o valor nutritivo das palhas de cereais como fonte de fibra
para os ruminantes e pode-se verificar a recomendação
como um item de alta prioridade de pesquisa nessa área,
ou seja, pó desenvolvimento de pesquisas comparativas
das medidas de digestibilidade e degradabilidade de nutrientes
no rúmen na predição da ingestão
e desempenho animal associadas a estudos microbiológicos
do rúmen.
Digestão
da Proteína
Os
microrganismos existentes no rúmen possuem intensa
atividade proteolítica. As proteínas são
digeridas em peptídeos (moléculas menores),
aminoácidos livres e amônia e a extensão
dessa digestão difere grandemente de acordo com a solubilidade
da proteína presente na dieta. A atividade de desaminação
(separação do nitrogênio dos aminoácidos)
pelas bactérias do rúmen ocorre pelo processo
fermentativo com produção de amônia, dióxido
de carbono e ácidos graxos voláteis de cadeia
curta e não varia muito com o conteúdo de proteína
da dieta. As bactérias utilizam a amônia disponível
no conteúdo ruminai como principal fonte de nitrogênio
para a síntese de proteína microbiana. Algumas
espécies de bactérias utilizam diretamente os
peptídeos e aminoácidos formados no rúmen.
Mas, amônia é o principal constituinte de nitrogênio
solúvel presente no fluido ruminai. Sua concentração
depende (1) da quantidade e solubilidade da proteína
da dieta, (2) da quantidade de uréia que é reciclada
no rúmen através da saliva (3) da difusão
da uréia pela parede do rúmen e (4) da taxa
de absorção da amônia do rúmen.
A uréia é uma fonte de nitrogênio não
solúvel rapidamente hidrolisado pelas bactérias
do rúmen em amônia e dióxido de carbono
numa velocidade quatro vezes superior a sua capacidade de
incorporação à proteína microbiana
pêlos microorganismos, ficando dependente de diversos
fatores para sua utilização quando a concentração
de amônia exceder 5 a 8 mg/l 00 ml de líquido
ruminai, como disponibilidade de carboidratos, minerais e
outros. Assim, para incorporação do nitrogênio
pelas bactérias há necessidade de uma fonte
de energia disponível. A adição de carboidratos
na dieta promove diminuição na concentração
de amônia no rúmen e a velocidade desse processo
vai depender do tipo de fonte de energia utilizada. Carboidratos
solúveis aumentam a velocidade com que a amônia
é utilizada pêlos micróbios e, conseqüentemente,
aumentam a síntese de proteína microbiana. Assim,
como a uréia tem alta solubilidade no rúmen
a sua eficiência como fonte de nitrogênio é
cerca de 80% dos carboidratos lentamente fermentáveis
como os açúcares e amido.
Digestão
da Gordura
As
gorduras, ou lipídeos da dieta, formados pêlos
triglicerídeos são hidrolisados no rúmen
a glicerol e ácidos graxos pêlos microrganismos.
O glicerol é fermentado principalmente a ácido
propiônico, embora em estágios transitórios,
ácidos succínico e lático também
têm sido detectados. O fenômeno mais importante
que acontece com os ácidos graxos derivados dos triglicerídeos
é a biohidrogenação dos ácidos
graxos insaturados. Quando ácidos graxos insaturados
C 18 (oléico, linolêico e línolênico
contendo uma, duas e três duplas ligações,
respectivamente) são colocados no rúmen, grande
quantidade é convertida em ácido graxo saturado
C 18 (esteárico).
Os
ruminantes não toleram altos níveis de gordura
na dieta, tanto que a grande maioria das plantas, que são
as principais fontes da alimentação desses animais,
é pobre em lipídeos apresentando teor médio
ao redor de 4% na matéria seca. A suplementação
da dieta com lipídeos pode promover efeitos negativos
sobre a nutrição do animal com diminuição
da ingestão alimentar e da digestibilidade dos nutrientes,
devido a modificações na digestão e hidrogenação
dos ácidos graxos no rúmen ou promover efeitos
positivos com a redução da produção
de metano com conseqüente melhoria na eficiência
de utilização da energia pelo animal e na redução
da liberação do gás metano ao meio ambiente.
Ácidos graxos insaturados estão entre os compostos
sugeridos como aditivos para eliminar a formação
de metano e reduzir as perdas produzidas pela fermentação.
lonóforos adicionados aos alimentos interferem com
o transporte de hidrogênio e provavelmente inibem a
hidrólises de lipídeos no rúmen. A administração
pura de ácidos graxos insaturados em níveis
mais elevados que ao redor de 6 % do total da dieta na matéria
seca é tóxica para os microrganismos ruminais.
Em níveis toleráveis os ácidos graxos
insaturados promovem queda na produção de gordura
do leite. Dessa forma, há necessidade de se proteger
os ácidos graxos da ação das bactérias
no rúmen de forma que eles passem pelo rúmen
em grande parte sem serem metabolizados. A proteção
envolve o uso de complexos de ácidos graxos com sais
de cálcio insolúveis. A gravidade específica
e o tamanho das partículas são importantes na
determinação do escape do rúmen.
Síntese
de Vitaminas
Os
animais ruminantes suprem suas necessidades diárias
de vitaminas do complexo B e K graças a síntese
efetiva realizada pelas bactérias presentes no rúmen.
Concentrações dessas vitaminas, principalmente
de tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2) e ácido
nicotínico geralmente são maiores no conteúdo
ruminai no que nos próprios alimentos consumidos pêlos
animais. A maior parte da tiamina encontra-se dissolvida no
líquido ruminai, assim como cerca de 40% da biotina,
ácido pantotênico e piridoxina (vitamina B6)
e podem, dessa forma, serem absorvidas pelas paredes do rúmen.
Já as vitaminas riboflavina, ácido nicotínico,
ácido fólico e vitamina B 12 encontram-se dentro
da célula microbiana e pouca absorção
ocorre no rúmen. Portanto, sinais característicos
da deficiência dessas vitaminas nos ruminantes adultos
são praticamente inexistentes a menos que haja deficiência
de certos elementos minerais necessários para a síntese
de algumas vitaminas. Na carência de enxofre as bactérias
não podem sintetizar as vitaminas tiamina e biotina
e o cobalto é necessário para a síntese
de cianocobalamina ou vitamina B 12 que não é
encontrada nas plantas. Neste caso, ruminantes jovens com
carência de cobalto podem apresentar sintomas da deficiência
de vitamina B 12, tais como redução do apetite
e crescimento lento. Devido a necessidade desse elemento pêlos
microrganismos do rúmen, o requerimento de cobalto
é mais alto em animais ruminantes do que em não
ruminantes.
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