Na realidade, desde 1997, quando ocorreram ataques especulativos
às economias asiáticas, esses episódios,
têm sido recorrentes e afetam a dinâmica econômica
brasileira, comprometendo o futuro do País. Dessa forma,
reduzir a fragilidade externa é uma necessidade imperiosa
e passa pela geração de saldos comerciais suficientes
"pelo menos para pagar os juros decorrentes do endividamento
externo."
A
análise é da engenheira agrônoma e pesquisadora
científica do Instituto de Economia Agrícola
(IEA), Maria Auxiliadora de Carvalho, num estudo sobre o comércio
agrícola e vulnerabilidade externa brasileira. Ao colocar
o neoliberalismo como uma "realidade praticamente irreversível",
ela diz que a saída é estudar meios de explorar
o comércio internacional de forma que o crescimento
das exportações gere "um círculo
virtuoso" para o desenvolvimento econômico. O sucesso
dessa estratégia passa pela escolha de produtores vencedores
no mercado externo.
Para
ela, é razoável supor que os produtos agrícolas
têm mais potencialidade para tornar o comércio
internacional "engíne of growth" (máquina
de crescimento), para o Brasil. Isso porque, a despeito da
perda de competitividade, a agricultura ainda é o setor
que apresenta maiores vantagens comparativas e é de
se prever que se mantenha como importante fonte de divisas
para o País. Até porque, na etapa em que o comércio
exterior brasileiro apresentou déficits crescentes,
o agronegócio teve capacidade para prover saldos expressivos.
A
pesquisadora destaca que, nas duas últimas décadas,
o setor agrícola vem apresentando posicionamento francamente
desfavorável. Isto é, "sua participação
nas importações mundiais é declinante.
Da média de 13,3%, no triênio 1998/80, caiu para
10,2%, em 88/90, e para 8,1% entre 1997/99. Nos últimos
dez anos, o avanço médio anual das importações
agrícolas mundiais foi de 3,56% contra o aumento de
6,29% do comércio de todos os produtos".
País
é eficiente num mercado em decadência
Segundo
ela, o Brasil "ocupa, hoje, a décima posição
no mercado agrícola. No passado, vinha reduzindo sua
participação de 3,8%, no final da década
de 70, caindo para 3,1%, no final dos anos 80. Essa perda
decorreu, em grande parte, da maior eficiência relativa
no comércio de manufaturados". Nos anos 90, entretanto,
o País recuperou posição, mantendo, na
média, uma presença de 3,4%, no triênio
97/99. Em outras palavras, frisa, "o comércio
agrícola brasileiro, no agregado, passou para a situação
de vulnerabilidade porque o País aumentou sua eficiência
num mercado em decadência".
As
exportações agrícolas tupiniquins representam
cerca de 30% do total. A simples sujeição a
divisas procedentes de um setor de posicionamento desfavorável
já coloca o País em situação vulnerável.
"Na década de 90 a situação foi
agravada porque a enorme dependência da agricultura
veio acompanhada da redução do comércio
dos demais produtos".
A
pesquisadora observa que para o melhor aproveitamento das
vantagens comparativas, é preciso que a dinâmica
do comércio exterior esteja em harmonia com as tendências
da demanda mundial. A eficiência global de um país,
no volume de transações internacional, de um
determinado produto, depende da interação entre
sua participação (eficiência) e a atração
do mercado (posicionamento). "Os países com exportações
crescentes em mercados decadentes perdem competitividade nas
transações mundiais".
Para
mensurar o grau de inserção, Maria Auxiliadora
estabeleceu quatro cenários que indicam a eficiência
ou não de um país no comércio externo:
1) situação ótima - o produto aumenta
sua participação nas importações
mundiais, enquanto aumenta a participação do
país no seu comércio; 2) situação
de oportunidades perdidas - o produto aumenta sua participação
nas importações mundiais, enquanto diminui a
participação do país no seu comércio;
3) situação de vulnerabilidade - o produto reduz
sua participação nas importações
mundiais, enquanto aumenta a participação do
país no seu comércio; 4) situação
de retrocesso - o produto diminui sua participação
nas importações mundiais, enquanto diminui a
participação do país no seu comércio.
Tudo isso, dento de um determinado período de tempo
que servirá de base para análise.
Usando
como referência a taxa anual de crescimento das importações
mundiais entre 1988/99, de 6,29%, aponta os produtos que têm
situação favorável (em expansão),
ou desfavorável (em declínio), no mercado internacional.
Também leva em conta o comportamento dos preços,
pois, segundo afirma, a quantidade, tanto dos produtos em
declínio, quanto dos em expansão, este com maior
intensidade, apresentou tendência de crescimento, apesar
da queda das cotações no período analisado.
Dependência
de poucos produtos condiciona receita
Comparando
dados da FAO (Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura), Maria
Auxiliadora enquadra, como produtos em declínio, sete
itens principais da pauta agrícola brasileira: café
e soja em grão, suco de laranja concentrado, açúcar
demerara e refinado, além de fumo em folha e torta
de soja. Das mercadorias classificadas como em expansão,
indica, óleo de soja, carne de frango e cigarros, que
têm importância relativa, pois ocupam entre a
oitava e décima posição nas exportações
agrícolas do Brasil. Acrescenta, ainda, que a maior
parte dos produtos em expansão tem como característica
algum grau de processamento, ou seja, bem poucos são
comercializados in natura. A agrônoma chama a atenção
para um aspecto que considera importante da vulnerabilidade
externa do País, que "é sua elevada dependência
de poucos produtos como fonte de divisas. Na média
do período 97/99, mais da metade de seu valor foi gerada
por café em grão, soja em grão, torta
de soja e suco de laranja concentrado". No mesmo enfoque,
mas sob outro ângulo, diz que uma avaliação
da posição brasileira, na década de 90,
permite concluir que, no agregado, "a situação
também é de vulnerabilidade".
A
agricultura, assinala, perdeu espaço nas transações
mundiais enquanto o setor agrícola do Brasil aumentou
seu "market-share", nas trocas internacionais. Ao
longo dos anos 90, o comércio agrícola mundial
cresceu, em média, 3,56% ao ano, contra um aumento
anual de 5,35% das exportações brasileiras.
"Como a agricultura mostrou posição desfavorável,
a maior eficiência colocou o Brasil numa situação
vulnerável", sentencia.
Como
reforço de argumento, afirma que, na média,
a comercialização de produtos agrícolas,
no âmbito internacional, totalizou US$ 454,4 bilhões,
entre os anos 1997/99, segundo a FAO. "A participação
do Brasil, na mesma ocasião, foi de 3,30% do total".
No entanto, de modo geral, os principais itens da pauta brasileira
têm elevada participação mundial. Alguns,
como o suco de laranja concentrado, predominam em seu "market-share",
com 78,68%, com destaque, ainda, para a cera vegetal (64,37%)
e chá mate (50,63%). Outros, como café, complexo
soja, fumo açúcar e carne de frango, têm
10% ou mais de participação.
Dois
produtos considerados como carros-chefe das exportações
brasileiras, café e soja em grão, representam
30% das receitas obtidas no comércio internacional,
entre 97/99, estão classificados como vulneráveis,
diz ela. Na verdade, essa classificação engloba
"124 produtos que respondem, em conjunto, por 63,72%
do faturamento brasileiro no exterior".
Predomínio
de matéria-prima compromete
Um
outro aspecto, conforme Maria Auxiliadora, é o produto
em retrocesso, situação na qual a mercadoria
mostra declínio e o país reduz sua participação
no comércio mundial. Nessa condição "estão
enquadrados 103 produtos exportados". Esse grupo representa
"15,28% do valor total comercializado e, somados aos
63,72%, correspondentes aos gêneros em vulnerabilidade,
significam quase 80% da totalidade da receita". Como
exemplo cita que a torta de soja é responsável
por 86,2% das divisas procedentes dos itens em retrocesso.
Paralelamente,
outros 78 mostram situação ótima, configurando
11,35% do valor das exportações. Porém,
há uma grande concentração, pois 64,3%
desse faturamento têm origem em apenas duas mercadorias:
carne de frango e cigarros. A classificação
oportunidades perdidas enquadra 52 produtos, que respondem
por 9,64% dos ganhos obtidos pelo País. Neste segmento,
os principais são óleo de soja, extratos de
café e castanha de caju sem casca.
Como
conclusão da análise, Maria Auxiliadora afirma
que, do conjunto de produtos exportados pelo País,
"o que mais destaca é a elevada concentração
das transações. Na seqüência, o largo
predomínio de participação em mercados
de posicionamento desfavorável no comércio internacional.
No triênio 97/99, quase 80% do valor das exportações
agrícolas tiveram origem de produtos nessas situações,
com realce para mercadorias vulneráveis e em retrocesso".
Para
ela, o comportamento dos preços explica a má
posição da agricultura na última década.
"Tanto para o agregado dos produtos em expansão
como para os em declínio, no mercado internacional.
Houve crescimento expressivo e persistente na quantidade física
transacionada, embora em menor escala para os em situação
de queda. As cotações dos gêneros em expansão
apresentaram certa estabilidade durante a década, enquanto
que os valores das mercadorias em declínio tiveram
uma variação elevada e forte recuo nos últimos
anos do período".
Esse
desempenho, acrescenta, é um traço comum de
todos os produtos de importância econômica na
pauta brasileira de exportação, como o café
em grão, soja em grão, açúcar,
suco de laranja concentrado, fumo e carnes. Ao longo dos anos
90, o Brasil fez um enorme esforço e obteve aumentos
significativos no volume de vendas externas. "No entanto,
grande parte dessa expansão foi neutralizada pela redução
dos preços, resultando em acréscimos relativamente
pequenos nas receitas, pois na classificação
dos produtos, 64% deles são enquadrados como vulneráveis
e outros 15% em retrocesso", observa.
Esse
estudo do comércio agrícola brasileira, acrescenta,
"permite concluir que, ainda hoje, sua maior fragilidade
é a concentração em matérias primas,
enquanto a maior parte das mercadorias em posição
favorável nas trocas internacionais é caracterizada
por incorporar mais valor e ter elasticidade-renda mais elevada".
Portanto, finaliza, "para libertar o País do estrangulamento
externo não basta realizar um esforço exportador.
É necessário direcionar essa energia para produtos
com perspectivas de mercado mais favoráveis".
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