O
leite proveniente destes bovinos apresenta, comprovadamente,
maior teor de proteína e de gordura, embora, no seu
volume sejam produtores mais modestos e exijam uma atenção
prévia para se ponderar a equação "queda
na produção de leite e aumento de proteína
e gordura". Vale considerar também que além
da quantidade de sólidos, animais com este perfil podem
ainda agregar mais valor, tanto na hora de descarte quanto
no momento de dar um destino lucrativo aos machos, pois na
engorda, eles respondem bom ganho de peso e uma cobertura
muscular satisfatória.
Remuneração
apertada e valorização do teor de sólidos
do leite não esboçam um contexto exclusivamente
brasileiro, mas também da Europa e, principalmente,
dos EUA, conforme descreve o produtor norte-americano Myron
Fledderjohann, de Ohio. Apesar dos subsídios, o litro
de leite nos EUA está na faixa de apenas US$ 0,25 para
o produtor. Myron relata que a remuneração por
volume de sólidos passou a ser um diferencial importante
e uma tendência no seu país; por isso, rebanhos
comerciais estão sendo cruzados com linhagens de raças
leiteiras não tão apuradas como o holandês
- como o pardo-suíço da linhagem norte-americana
e o Jersey -, ou até de dupla aptidão - como
o guernesey, o Braunvieh (pardo-suíço de dupla
aptidão, linhagem mais européia) e o até
o Simental`.
Outro
argumento de valorização vai de encontro aos
custos de produção de animais provenientes destes
cruzamentos, que é menor devido à rusticidade
- animais mais resistentes a doenças e parasitos, além
de apresentarem maior longevidade. Segundo Myron, a queda
na rusticidade dos rebanhos altamente especializados é
grande, de modo que, por exemplo, a média de lactações
de uma matriz possa ficar em apenas 1,5, enquanto que a de
raças de dupla aptidão, acima de 3. De qualquer
forma, caso o número não seja um fator econômico
importante, pelo menos demonstra um problema ético:
a violenta agressão à espécie animal,
pois é de conhecimento geral que, em um passado não
tão remoto, os bovinos viviam em média entre
12 e 15 anos.
Uma
avaliação que reforço o relato de Myron
é a do pesquisador Pedro Franklin, da Embrapa do Sudeste,
fazenda Canchim, em São Carlos/SP. Todos estes pontos
levantados pelo norte-americano são válidos,
mas ele atenta para o modelo de exploração animal:
"o gado de dupla aptidão é bastante indicado
para os sistemas mistos, principalmente, quando a relação
entre a remuneração do litro de leite e a do
quilo da carne está muito alta", explica. Para
se ter uma idéia, em 1992, recebia-se por um litro
de leite cerca de 19% do valor de um quilo de carne. Atualmente,
em contas rápidas, este percentual está na faixa
de 10%, número bastante desestimulante à produção
leiteira, cujo modelo de alta produção apresenta
animais de baixo rendimento no abate. Para o pesquisador,
as raças de dupla aptidão tendem a ser mais
valorizadas no novo contexto da pecuária leiteira nacional
e mundial, proporcionando um banco genético de grande
diversidade e renovação.
Tratando
de raças de dupla aptidão no Brasil, embora
mais dirigida à produção de carne, a
Simental parece ser a mais popular. No caso específico,
a fazenda Sarapu, localizada em Sarapuí, tira leite
de um rebanho puro. São 37 matrizes que produzem 600
litros/dia, em ordenhadeira mecânica com capacidade
para 10 animais por vez. Para André Freitas, um dos
titulares do negócio, o leite é "um diferencial".
Além de incrementar a produção de leite
em fêmeas de outros rebanhos da raça - de linhagens
mais dirigidas ao corte -, ele ainda comercializa animais
para plantéis comerciais de girolando e holandês,
principalmente machos. Segundo ele, o propósito de
seus clientes é aumentar rusticidade e o teor de sólidos
do leite, além de aproveitar os machos para comercialização
com invernistas.
Na
Sarapu, a produção é menos exigente.
André afirma que o Simental apresenta um número
bastante reduzido de problemas de parto e fácil adaptação
a diversos tipos de manejo. A dieta oferecida na propriedade
é bem modesta e se baseia na oferta de pastejo de tifton
e coast cross, além de complementação
com silagem, restos de beneficiamento de soja e farelo de
trigo, quando disponível. Os teores de proteína
e gordura superam os 4 e 5%, respectivamente. André
é adepto dos torneios leiteiros. Recentemente, uma
novilha de sua propriedade produziu 24,4 litros/dia, em Batatais/SP;
e 30 litros/dia, em outro torneio, na primeira quinzena de
julho, na cidade de Itajubá/MG. Uma outra fonte de
receita é a produção de animais mestiços
Simental/Zebu. Segundo André, as fêmeas possuem
endereço certo com receptores em programas de transferência
de embriões, merecendo remuneração acima
de o peso, em arrobas do boi gordo, mais 10% Um desses produtos
da Sarapu conseguiu obter o título de melhor fêmea
mestiça do Brasil, concedido em exposição
oficial da associação de raça, apontando
produção de 30 litros de leite em um único
dia.
Institucionalmente,
os criadores da raça Simental garantem que as fêmeas
de linhagem mais leiteira apresentam lactações
médias acima dos 4 mil quilos/ano, número que
é quase quatro vezes superior ao da média nacional:
1,6 mil quilos/ano. Contudo, para eles "qualquer fêmea
é boa de leite" principalmente se comparadas a
outras de raças de corte. Por isso, os criadores de
Simental estimulam e carregam no marketing sua utilização
no cruzamento industrial com o zebu, pelo fato das matrizes
F1 apresentarem grande habilidade materna, desmamando bezerros
muito pesados; e dos machos demonstrarem excelente ganho de
peso, bom rendimento de carcaça e precocidade na terminação
em confinamento.
Performance
similar apresenta também a raça pardo-suíça,
porém é preciso observar a linhagem dos animais
em questão. Este gado é, originalmente, de dupla
aptidão, mas deu origem à linhagem norte-americana
(Brown Swiss), bastante especializada na produção
de leite; e na Pardo-Suíça Corte, selecionada
para a produção de carne em países como
o México, Canadá e também EUA. No Brasil,
há utilização das três linhagens.
No rebanho da fazenda Ana Thalea, tradicional produtor pela
raça holandesa, situado no município de Castro/PR,
os criadores Albert Kuipers e Roberto Borg passaram a selecionar
separadamente a linhagem pardo-suíça especializada
no leite, nos últimos dois anos. O objetivo de longo
prazo é aumentar o teor de sólidos e melhorar
a remuneração obtida junto à Cooperativa
Castrolanda.
O
trabalho vem se desenvolvendo com muita lentidão, pois,
além da oferta geral destes animais ser bastante restrita,
o círculo de produtores da Castrolanda ainda está
submetido a severas e necessárias normas sanitárias,
que quase inviabilizam a aquisição de animais
de fora. Frente à enorme pressão de seleção
da raça holandesa, com oferta abundante de animais,
Albert e Roberto flexibilizam o nível de exigência
na seleção do pardo-suíço e se
utilizam da transferência de embriões para aumentar
mais rapidamente o número de cabeças no rebanho,
hoje, inferior a 10% de um total de mais de 500 matrizes no
leite. Os atuais teores de proteína e gordura da Ana
Thalea não são baixos e estão em torno
de 3,15 e 3,55%, respectivamente; mas podem "melhorar
em muito dentro de cinco anos", segundo projeções
de Albert. Números oficiais da associação
brasileira da raça apontam para médias de 3,5
e 4%, como teores para proteína e gordura. Isto significa
que, para o volume diário de produção
da fazenda, cerca de 17 mil litros/dia, o ganho pode ser significativo,
em caso do pardo-suíço aumentar sua representatividade
no plantel, algo em torno de 8%.
Nesta
raça, dupla aptidão mesmo, são os animais
originais - sem seleção exclusiva para leite
ou para carne -, criados em boa parte na Suíça,
mas também em outros países, ainda em muito
menor número. Trata-se de fêmeas com maior cobertura
muscular e com produções em torno de 6 a 7 mil
quilos por lactação. Há criadores no
Brasil que destinam tais animais para o cruzamento industrial
nos mesmos moldes do Simental, mas também produzindo
leite. Neste último caso, um destaque é a Agropecuária
Boa Sorte, em Viçosa/AL. Seu micro clima mostra baixos
índices pluviométricos e altas temperaturas,
porém, estes animais estão sendo criados em
modelo de alta produção para leite tipo A. José
Brandão Aprígio Vilela, titular da empresa,
destaca aqui a grande adaptabilidade às condições
produtivas e a boa comercialização dos animais,
tanto machos quanto fêmeas, para vários tipos
de exploração, inclusive engorda extensiva.
Para aumentar a média per capta de produção,
que em 1997 era de 20 litros/dia, o produtor utiliza sêmen
da linhagem Brown Swiss, especializada exclusivamente no leite.
Os
machos provenientes dos rebanhos puros ou de cruzados, pardo-suíço
e simental, possuem destino certo, tanto no trabalho em outros
rebanhos leiteiros, principalmente azebuados quanto no cruzamento
industrial. Seus criadores costumam comercializá-los
a partir dos 12 meses, nunca por menos de R$ 1,2 mil. Em caso
do destino ser a engorda, na desmama normalmente alcançam
cotação de 10 arrobas do boi gordo mais 10%;
pois a heterose contida nestas reses proporciona bom ganho
de peso, boa terminação em confinamento e precocidade
no desenvolvimento. Aliás, segundo Pedro Franklin,
o forte destes cruzamentos é a manifestação
de características de baixa herdabilidade, porém
de alta heterose, como as citadas acima. O pesquisador ainda
destaca fertilidade e o aumento na resistência dos animais
à infestação por parasitos.
Outra
raça que também é de dupla aptidão
e seus criadores apontam sua utilização em rebanhos
leiteiros é a normanda, originária da França,
e com boa população na região Sul do
Brasil. O presidente da associação do normando,
Victor Falson afirma que é muito comum encontrar fêmeas
da raça que superam os 6 mil quilos de leite em uma
única lactação Ele informa que o teor
de sólidos do produto supera 10%, na média,
caracterizando-se basicamente pela espessura dos glóbulos
de gordura e uma equilibrada disponibilidade de cálcio
e ferro. Na Europa, o leite do normando é dirigido
à produção dos queijos Camembert, Livarot
e Pont L'êvêque, entre outros finos. Já
a aptidão para a carne é a mais difundida no
Brasil. Números oficiais da associação
da raça para garrotes puros informam ganho de peso
médio e diário em torno de 1,41kg e rendimento
de carcaça de 56,8% no abate aos 377 dias de vida,
com uma dieta à base de silagem, milho em grãos
e concentrado protéico. O cruzamento com o zebu é
um dos principais nichos de mercado.
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