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MEIO AMBIENTE - UMA CONVIVÊNCIA SEM CONTROLE
rev 52 - abril 2002

Apesar dos vários instrumentos existentes e em aplicação, “é possível afirmar que inexiste uma política agroambiental que pretenda ser ativa, positiva e efetivamente ligada á melhoria da harmonização e qualidade dos processos produtivos na agricultura e no meio ambiente. Isso ainda não existe e está longe de se consolidar como prática”.

Com essa constatação o engenheiro agrônomo e pesquisador científico do IEA-Instituto de Economia Agrícola, Richard Domingues Dulley, entende que o quadro atual mostra que as medidas tomadas pelos organismos do Estado, responsáveis pela elaboração de diretrizes para a preservação do meio ambiente, têm apresentado características e preocupação mais “reativas ou passivas” diante de situações de abuso na agressão ao ambiente.

Como se esse comportamento não bastassem as orientações “estão fortemente influenciados por uma visão fundamentalmente urbana e de classe média, das questões pela mídia para a população, o que de certa forma os impedem de reconhecer a contribuição positiva que a agricultura dá efetivamente em termos ambientais”.

Para o pesquisador, os segmentos sociais estão mais preocupados com problemas sentidos e visíveis que os afetam no dia-a-dia (no meio urbano), como poluição do ar, a falta ou má qualidade da água e, para alguns mais privilegiados, as boas condições da praia ou sítio de recreio, localizados em regiões mais “próximas” da natureza.

Integração entre os métodos de ação é mínima

Como reflexo desse enfoque, tanto nas instituições quanto na opinião pública, surgem ações e propostas “dicotomizadas” nos encaminhamentos de soluções para os problemas existentes no setor rural. Dessa forma, Dulley acredita que tanto os órgãos formuladores da política agrária do País, como os da política ambiental, “apresentam insignificante integração nos métodos de ação”.

Autor de um estudo sobre o assunto Dulley procura mostrar como os processos de montagem da política agrícola convencional, que trata apenas da produção e praticamente desconsidera as restrições ambientais “nunca deixaram de incorporar, de fato, um componente ambiental, ainda que negativo”.

Paralelamente, quer deixar claro que uma política efetivamente agroambiental, prevendo ações positivas ambiente, deve incluir e explicitar as relações entre métodos de produção agrícola e o meio ambiente, “com a indispensável participação das partes interessadas”.

Ao que diz, com o agravamento geral dos problemas ambientais e o clamor público, foram estabelecidas leis que permitiram a entrada do judiciário no assunto. A Justiça com isso passou a limitar a livre utilização dos recursos naturais, inclusive no campo da produção agrícola. Em São Paulo, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento foi excluída dessas questões no meio rural, com a criação da Secretaria do Meio Ambiente.

A partir de meados da década de 80, os agricultores paulistas enfrentam uma situação de “insegurança” e “indefinição” sobre a tomada de decisão a respeito do tema, sobretudo em áreas que apresentam contradição entre a produção que, obrigatoriamente, interfere na natureza e a preservação regeneração ambiental. Existem vários órgãos públicos do estado de São Paulo que atuam nesses setores alguns pesquisando e validando novas tecnologias, outros fiscalizando, autuando e mesmo punindo quem não acata a legislação ambiental.

Desacertos e contradições tumultuam

Surge, a partir disso, um conflito de objetivos e no centro dele, na maioria das vezes, os agricultores aparecem com vilões. “Há informações de que em algumas regiões os produtores enfrentam problemas decorrentes dos desacertos e contradições existentes entre as atribuições e ações de diversos segmentos do aparelho estatal, responsável pela agricultura e meio ambiente, além da desinformação, que acaba criando barreiras desnecessárias para o desenvolvimento do agronegócio.”

Neste cenário, a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania trata dessas questões, tendo em vista o cumprimento das leis ambientais. Dessa tarefa surgem atritos decorrentes das características técnicas, econômicas, sociais e de tempo (biológicas) específicas da agriculturas. Isso ocorre, provavelmente, pelo fato de que é obrigada a atuar apenas no plano legal, normalmente desvinculado da atividade econômica agrícola.

Ainda segundo Dulley, a Secretaria do Meio Ambiente, apesar de ter incorporado a Divisão de Proteção dos Recursos Naturais (antes, pertencente á Secretaria de Agricultura), apenas nos últimos anos está, gradualmente, alternando sua visão e ação em relação a produção rural, passando a compreende-la como útil, positiva e necessária á sociedade, fazendo para dos problemas, mas não sendo única causa.

Embora desenvolva atividades de educação ambiental, no que diz respeito á agricultura, centra sua ação no controle de desmatamentos. Dulley comenta que, “talvez, como decorrência de sua principal missão institucional de proteger o meio ambiente, toma conhecimento de sua existência e age apenas quando flagra uma transgressão ás leis ambientais.”

Uso abusivo de agrotóxicos não tem inibição

O pesquisador do IEA enfatiza que “não se tem notícia de que essa secretaria tenha procurado pesquisar/estudar com detalhes, formas amplas e gerais de compatibilizar a produção rural comercial com a preservação, conservação e regeneração do meio ambiente. Da mesma forma, não há informações sobre qualquer tipo de preocupação mais profunda com a poluição provocada pelo uso abusivo e descontrolado agrotóxicos, ainda que haja legislação pertinente.”

Acrescenta que ocorrem iniciativas de órgãos estatais ligados á questão ambiental, em apoio a organizações não-governamentais (ONG) e movimentos sociais, “mas sempre limitadas ou relacionadas a áreas de proteção preservação, sem entretanto, enfrentá-las na totalidade do espaço rural. Para complicar um pouco mais Dulley diz que, em 1989, foi criado o Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, que têm atribuições na mesma área, gerando “mais restrições em relação as atividades agrícolas.”

Para o agrônomo, somente uma visão/compreensão das questões relacionadas com agricultura meio ambiente, envolvendo a perspectiva de cada uma das partes interessadas e das soluções que vislumbram, pode contribuir para um melhor entendimento entre elas ao estabelecimento de medidas harmônicas, que contemplem simultaneamente o desenvolvimento rural e a preservação do meio ambiente.

É fato corriqueira, acrescenta, de que órgãos públicos e entidades privadas deixem de incluir os aspectos ambientais, como elemento importante, em seus planos, ações e decisões relacionadas com a produção agrícola. Essa exclusão, no entanto, “não significa que os problemas não existam. É nesse contexto que se propõe que o conceito ou noção de agroambiental passe a ser aplicado a qualquer tipo de ação intervenção do Estado interesse privado, incluindo, sempre e conjuntamente, os aspectos agrários e ambientais.”

Dulley ressalta, ainda, que a utilização do conceito noção expresso pelo termo agroambiental, que engloba e torna visível a ação, não só do setor público mas, também, do segmento privado direta ou indiretamente ligados á produção rural. agricultores, agroindústrias de insumos e a das organização não-governamentais ambientalistas.

Didático, o pesquisador do IEA observa que a política deve consubstanciar, sempre, uma carácter agroambiental. Ignorar os problemas e conflitos existentes, adverte, não os fazem deixar de existir. Apenas fez com que sejam agravados no tempo. Frisa, mais adiante, que as políticas ambientais, relacionadas com a agricultura, “sempre existiam embutidas nas políticas puramente agrícolas, “embora ocultassem não só as questões agrárias mas, também, as ambientais. Foram expresso no espaço e no tempo, por conjunto de não medidas, não providências, ignorando a questão, no caso da agricultura convencional, e pelas medidas e providências tomadas efetivamente pelo Estado e demais setores na intenção de interferir nos rumos do setor rural.”

Ressalta, também, que tanto para a política agrícola quanto para a agroambiental , deve ser levado em conta que “existe uma abordagem que seja, apolítica neutra, técnica ou factual das questões que envolvem as relações agricultura ambiente, ainda que, eventualmente, se pretenda passar essa visão para o público. No caso de operacionalização de providências, pelo setor estatal, isso pode ocorrer principalmente através de medidas provisórias, leis e decretos, estabelecimentos de normas e regulamentos que determinam facilidades, estímulos e desestímulos, sistema de fiscalização, assistência técnica, entre outros.

Segundo afirma, a política agroambiental seria a aplicação sobre uma estrutura agrária, de algumas ou uma série de medidas técnico-econômico administrativas, comerciais e ideológicas, que formam os elementos moldadores, utilizados no sentido de atingir determinados objetivos gerais e específicos. Na seqüência Dulley lista o que considera como atores, no caso das questões ambientais: agricultores, trabalhadores rurais, institutos de pesquisa agropecuária e ambientais, órgãos oficiais de assistência técnica, organismos de fiscalização ambiental, de financiamento agrícola, sistema tributário, empresas privadas produtores de insumos, organizações não governamentais, meios de comunicação, sistema educacional/religioso/filosófico, entre outros.

Extensão impede ação mais efetiva

O agrônomo comenta que “essa ação sobre a estrutura agrária pode, no caso do meio ambiente, influir positiva ou negativamente, ou seja, tanto pode ajudar manter e regenerar o meio ambiente, quanto destruí-lo.” Para ele, esses elementos moldadores, sejam de origem privada ou pública, constituem o que se pode chamar de instrumentos de política agroambiental, ainda que, “aparentemente, sejam apenas de política agrária ou agrícola, como usualmente se utiliza o termo.

A montagem de uma política agroambiental deverá levar em conta que as áreas rurais, apesar da sua baixa densidade populacional, mas diante de sua extensão, são mais complexas e difíceis de controlar do que as urbanas, em termos da produção no espaço físico e dos possíveis danos/benefícios que podem resultar. Também não é possível negar que as espécies vegetais que compões o leque de culturas beneficiam de modo natural o meio ambiente, principalmente por meio dos efeitos positivos da fotossíntese e respiração. A pecuária também beneficia através do adubo orgânico, quando bem aproveitado, ao contrário da produção industrial que não traz benefício algum ao ambiente, sentencia.

O cenário atual, no qual ocorrem as questões ambientais/agrícolas, caracteriza-se pela presença e atuação das estruturas oficiais que se apoiam numa legislação específica que determina os procedimentos corretos frente a uma “resistência surda” do agricultor em aceitar algumas recomendações técnicas e legais favoráveis á proteção do meio ambiente. As empresas privadas, “salvo raras exceções, buscam vender sua tecnologia aos agricultores sem maiores preocupações com as conseqüências ambientais negativas, que os produtos podem eventualmente provocar.”

È nesse contexto, conforme Dulley, que as organizações ambientalistas e de defesa do consumidor procuram identificar os possíveis danos, denunciá-los, combatê-los visando impedir que aconteçam. Essas ações, entretanto, “são insuficientes para provocar uma mudança favorável ao ambiente e aos consumidores, a curto prazo. Portanto. somente o engajamento integrado dos aparelhos de Estado responsáveis poderão conduzir a uma agricultura que, no conjunto, pelo menos tenda á sustentabilidade”, arremata.

Articular objetivos, uma saída

Para ele, é tempo de as partes interessadas, que têm como atribuição a responsabilidade pela interface agricultura/meio ambiente realizarem um esforço conjunto para encontrar novos caminhos que viabilizem o estabelecimento de objetivos articulados, metas comuns e realistas, rumo a uma produção agrícola que, se não possa respeitar intensamente o meio ambiente, de imediato, pelo menos se incline para isso num horizonte determinado de tempo, sugere.

Num conselho, afirma que isso poderia ser feito buscando a elaboração de planos de correção das desconformidades ambientais legais de cada estabelecimento agrícola, prevendo a correção dos processos num prazo determinado. Poderia, ainda, serem criados subsídios ou estímulos fiscais para isso. Seria fundamental, acrescenta, a participação de sindicatos rurais como representantes dos trabalhadores que, de modo geral, “executam as ilegalidades.”

Dulley indica, ainda, a necessidade de pesquisas que identifiquem os tipos de conflitos, verificando como estão sendo enfrentados localmente e apresentassem sugestões ou aproveitassem as desenvolvidas pela sociedade civil e até empresas privadas, para encontrar soluções. A partir desse diagnóstico, seria possível, certamente, compreender melhor essas relações “interinstitucionais” que afetam o bom andamento do agronegócio paulista finaliza.


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