Por
mais incrível que possa parecer, o Brasil, que possui
de 10% a 16% do volume total de água doce do planeta,
vive um clima de tensão e apreensão, desde o
último mês de maio. É que o governo federal
admitiu ter sido pego de surpresa pelo baixo nível
dos reservatórios responsáveis pela geração
de energia elétrica. Com isso, reconhecendo a existência
de uma crise de competência, criou dois novos ministérios,
o do Apagão e o da Seca, para
administrar e tentar solucionar o problema. Os reflexos na
economia serão drásticos e levam a agricultura
a um regime de alerta.
O assunto é polêmico e até religioso,
pois a culpa pela escassez foi atribuída a são
Pedro, envolvendo os mais diversos segmentos da sociedade
e da economia. Nessas discussões, surgiram vários
adjetivos, como imprudência, incompetência,
má administração entre outros,
inclusive de cunho pejorativo. Porém, dentre as várias
causas que deram origem à questão a que mais
marcou está relacionada com as privatizações.
Nos diversos debates sobre a desestatização
do setor elétrico, ficou evidente que o governo deixou
de investir na expansão não das redes de transmissão
e geração, como também na construção
ou término de obras das usinas. Essa paralisação
seria decorrência de uma determinação
das agências internacionais de fomento (FMI, BID, Banco
Mundial), com vistas a facilitar a transferência das
hidrelétricas para mãos particulares.
Em suma, sem investimentos, o preço das empresas teria
pouca chance de ser elevado, apesar de ter havido um aumento
nas tarifas, para o consumidor, sobretudo residencial, como
forma de atrair compradores. A imprevidência
maior da parte vendedora, no caso o governo, foi não
incluir uma cláusula obrigando os novos proprietários
investirem não só na manutenção
como também no aumento da extensão da rede transmissora.
Isso porque existem regiões que não foram afetadas
pela escassez de chuva. Para vigiar a operação
das novas concessionárias foi criada a Aneel
Agência Nacional de Energia Elétrica.
Desencontros
tumultuam administração
No
entanto, a agência parece estar muito mais preocupada
com os lucros do que com o desempenho operacional das companhias
agora privatizadas. Prova disso, é a falta de controle
sobre os níveis das represas e o anúncio de
um novo aumento nas tarifas de fornecimento, apesar da imposição
de um racionamento de até 20% no consumo e sobretaxa
para quem exceder a cota estipulada. Isso seria cômico
se não fosse trágico, pois tudo tem amparo legal.
A justiça, confirmando que é cega, considerou
legítimas as medidas de racionalização,
inclusive a punição.
As conseqüências, para os vários setores
de produção, são apontadas como prejudiciais,
ainda que não possam ser devidamente mensuradas.
Não obstante, em entrevista à revista alemã
Der Spiegel, no final de agosto, Fernando Henrique
Cardoso garantiu que não haverá apagão,
neste ano. Porém, o ministro da Casa Civil e
presidente da CGCE Câmara Gestora da Crise de
energia, Pedro Parente, não põe a mão
no fogo e garante que isso não acontecerá somente
até setembro. Depois desse prazo, provavelmente,
a responsabilidade será divina.
Essa administração embolada do problema, dificulta
o planejamento das atividades dos mais diversos setores. No
caso da agricultura, a Faesp Federação
de Agricultura do Estado de São Paulo, alerta que o
segmento está entre os mais sensíveis
aos racionamentos e, mais especificamente, aos apagões.
Um dos Departamentos Econômicos da entidade lembra que
as particularidades e os casos excepcionais devem ser
tratados como tal pela estrutura do governo, sendo importante
a abertura de espaço para discussões e negociações
entre as distribuidoras (de energia) e os produtores.
Para Faesp, não está clara, ainda, como será
tratada a sazonalidade da produção agrícola.
Reforçando a observação, cita, como exemplo,
ocaso de uma fazenda com fruticultura irrigada. Essa propriedade
precisará aguar a produção
nos meses de agosto a outubro. Conseqüentemente, o consumo
de energia elétrica, nesses meses, será consideravelmente
mais elevado que no resto do ano. Dessa forma, se a meta de
redução for baseada em outros períodos,
como maio julho, será totalmente impossível
ao produtor cumprir a determinação.
Outro aspecto apontado pela entidade, está relacionado
ao fato de várias lavouras apresentarem crescimento
de produção já estabelecido, em
função de inúmeros fatores, como atendimento
à demanda interna, resultado das exportações,
entre outros. Essas áreas terão maior consumo
de energia em relação ao anterior, pondera.
Além disso, no atual momento, não se pode
falar em reduzir a produção, pois as safras
já estão estabelecidas, ou mesmo colhidas, e
os animais, alojados.
Como exemplo disso, cita o setor lácteo, com previsão
de crescimento entre 5% e 7% na produção, suínos,
frangos de corte, com ampliação no alojamento
prevista em até 7,5%, a safra de grão do verão,
com estimativa de ser 13,5% maior que a anterior. No geral,
acrescenta, as áreas mais sensíveis ao racionamento
são as criações intensivas de animais,
culturas irrigadas e operações de processamento
de produtos, como resfriamento, secagem e armazenagem.
A Faesp lembra, ainda, que deve ser levado em conta que qualquer
redução de demanda, por parte das agroindústrias,
que podem ter sua produção final rebaixada pelo
racionamento de energia, prejudica diretamente, o produtor
rural, visto que as colheitas já estão definidas
e o aumento momentâneo de oferta acarretará queda
dos preços recebidos pelos agricultores. Não
descarta, também, que nas próximas temporadas,
produção e produtividade sejam menores,
com conseqüente aumento de custos.
Na seqüência, lista alguns dos segmentos mais sensíveis
aos racionamentos e apagão, indicando as operações
essenciais que necessitam e dependem de energia
elétrica:
Pecuária de leite Ordenha, resfriamento(70%
da produção nacional são resfriados na
propriedade). O esforço de granelização
é recente e muitos produtores instalaram os tanques
depois do período tomado como referência no ano
passado (mai/jul/00).
A produção leiteira se tornou mais dependente
de energia elétrica nos últimos três anos
em função da instalação de tanques
de resfriamento e da coleta a granel nas propriedades. Deve
ser considerado nacional, devido à substituição
das importações. Dessa forma, o produtor vai
ter, necessariamente, mais leite para resfriar e um gasto
maior de energia. Não há como planejar
a restrição da produção, pois
a safra já está definida.
Suinocultura Aquecimento dos leitões
que, nesta época, encontram-se na fase de maternidade
e creche, dependendo do calor artificial 24 horas por dia
e 7 dias por semana. Cortes na energia representam riscos
de até 560 de mortalidade; captação
de água; e produção de ração.
Estes dois últimos itens são escalonáveis,
desde que o produtor saiba com antecedência o
horário e a duração dos cortes.
As granjas, normalmente, não estão preparadas
para o apagão. Parcela pequena das unidades tem sistema
de emergência ou geradores próprios. É
aconselhável considerar o aumento no alojamento de
animais devido ao bom ritmo das exportações
brasileiras de carne suínas. O segmento também
registra produção e consumo maiores, em relação
ao ano anterior.
Avicultura de postura Aquecimento dos pintinhos
24 horas/ dia, nos primeiros dias de vida. Risco de mortalidade
de 560; incubação necessita energia 24 horas/dia;
padronização de ovos; produção
de ração; captação e distribuição
de água (as granjas não conseguem operar um
sistema com capacidade superior a 3 horas de auto-suficiência
devido ao grande volume utilizado).
A padronização de ovos e produção
de ração são escalonáveis, desde
que a duração e o horário dos cortes
sejam conhecidos com antecedência. Além desses
aspectos, o segmento exige necessariamente 16
horas claras por dia para garantir postura. Algumas granjas
se preparam para o apagão comprando geradores a diesel
e aquecedores a gás, fato que não impede previsões
de problemas para a atividade.
Avicultura de corte Com exceção
da claridade necessária, o processo se assemelha ao
anterior. O sistema de integração, caso paralise
ou diminua os abates, vai obrigar os produtores a reduzir
a produção e aumentar custos, tanto pela queda
na produtividade/área engorda. Além disso, deve
ser considerado um aumento no alojamento de pintos de corte
devido ao incremento das exportações de carne
de frango. Ressalte-se que entre maio e julho/00. Por isso,
o período não é apropriado para servir
de parâmetro ao racionamento.
Grãos e oleagínosa Secagem e armazenamento
da safra de verão; fim da colheita de milho e soja.
Silos dependem da eletricidade para secar e armazenar a colheita.
Riscos de perda de qualidade e mesmo perda física dos
produtos. Tem, ainda, que pode ser escalonada, desde que haja
conhecimento prévio dos cortes e durações.
Flores Aquecedores; iluminação
para indução de florescimento. Muitos produtores
a gás e bombas a diesel. É possível atraso
no florescimento e conseqüente aumento do custo de produção.
Hortaliças Existem atividades essenciais
que prescindem da eletricidade, porém, a irrigação
de cultivos protegidos exige energia. A maioria dos produtores
utiliza bombas a diesel, mas os cortes vão atrasar
o ciclo das culturas, aumentando os custos.
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