O
Ministério da Agricultura deu o passo inicial para
abertura de discussões que irão estabelecer
os critérios para o credenciamento de entidades que
queiram ser certificadoras de produtos orgânicos, dentro
do país. Na prática é o reconhecimento
de que já existe a necessidade de formação
de técnicos e agências que trabalhem na regulamentação
de propriedades rurais que queiram transformar sua produção
em orgânica. Isto também significa que o país
quer se credenciar para disputar um mercado que já
ultrapassou as portas do esta em formação,
e é cada vez maior, com um grande volume de consumidores,
em todo o mundo.
O fato que mais confirma a maturidade deste mercado é
o que rigorosíssimo departamento de agricultura americano,
o USDA, está lançando em julho o seu selo de
qualidade orgânica, depois de estabelecer as novas normas
para frutas, verduras, legumes e outros produtos. Com a nova
lei entrando em vigor, produtores, processadores e distribuidores
poderão seguir um padrão nacional, sem se preocupar
com os mais de 40 diferentes padrões existentes no
país.
Portanto, quem ainda pensa que orgânico é coisa
de hippie que se muda para uma comunidade e vai plantar seus
legumes sem agrotóxico, deve mudar seus conceitos.
O início até foi este, mas hoje, ter uma produção
reconhecidamente orgânica é um processo mais
complexo. Que o diga a Usina São Francisco, produtora
de açúcar mascavo orgânico, em Sertãozinho,
São Paulo. Segundo Fernando Alonso, agrônomo
e coordenador do processo, dentro da empresa, a transformação
do canavial da usina em orgânico começou em 1986.
Primeiro a idéia era somente criar um sistema de produção
de cana-de-açúcar auto-sustentável, ou
seja, diminuindo o máximo a necessidade de aquisição
de insumos externos.
Com o desenvolvimento dos trabalhos houve a percepção
do potencial e os resultados que este novo sistema poderia
alcançar. Em 1994 a são Francisco já
havia conquistado a auto-suficiência agronômica
e social desejada e o grupo de trabalho começou a acreditar
que era possível obter o certificado de produção
orgânica, decisão que foi tomada depois de realizar
contato com clientes potenciais.
Alonso explica que o resultado visto hoje, certificações
de três agências internacionais foi fruto de um
investimento bastante alto, cerca de U$$ 5 a 6 milhões
de dólares, usados em treinamento de pessoal, aquisição
de equipamentos, como colheitadeiras, entre outros. Ele lembra
que todo o processo produtivo teve que ser modificado. As
terras passaram por um período de conservação
que durou 36 meses, ficando sem receber qualquer tipo de produto
químico. Eliminamos os fertilizantes químicos
e as queimadas, introduzindo, por exemplo, o sistema de plantio
direto, recorda. Segundo Alonso um projeto como este
tem por princípio a adubação orgânica,
controle biológico de pragas, controle integrado de
plantas espontâneas, reconstrução do solo
e integração das áreas de cultivo às
áreas de vegetação natural ou nativa.
O agrônomo acrescenta que a agricultura orgânica
tem como base á viabilidade econômica, o respeito
e a preservação do meio ambiente, bem como a
implantação de programas sociais dirigidos aos
funcionários. Os parâmetros da certificação
vão além do processo agrícola, somente.
Eles sempre querem saber como seu funcionário é
tratado e quais os benefícios sociais que você
disponibiliza, diz.
Conforme o coordenador, todo este processo conquistou o reconhecimento
de instituições como a Farm Verified Organic
(FVO), dos Estados Unidos, a Ecocert, da União Européia
e, mais recentemente, da ICS, organismos classificados para
certificar para o Japão. E também o passaporte
para exportar cerca de 11 mil toneladas de açúcar
orgânico no ano passado, projetando para este ano, 18
mil toneladas, ressalta.
Avaliação
Econômica
O
resultado conquistado pela Usina São Francisco com
certeza entusiasma e pode estimular a vontade de muitas outras
empresas ou propriedades a buscarem este mesmo caminho. Mas
conforme Alonso, o tempo que dura o processo todo e o volume
de investimentos necessários alteram a idéia
de muitos que estudam esta possibilidade. Alguns vizinhos
nossos e mesmo produtores fornecedores já pensaram
em realizar o mesmo caminho, mas desistiram, lembra.
O presidente do Instituto de Biodinâmica, de Botucatu,
São Paulo, Denis Ditchfield, tem a mesma opinião
que Alonso. Ele diz que a relação nem sempre
é tão direta assim. Muitas vezes a área
em que se localiza a propriedade ou o tipo de produção
que ela tem, não vão compensar economicamente
a realização de um trabalho em busca de uma
certificação orgânica. Mesmo que
o delta a mais pelo produto possa chegar a 25%, por exemplo,
o que você vai ter que investir pode não compensar,
salienta.
Denis diz que sempre é preciso avaliar cada situação
e produto a fim de saber se vai ser competitivo e ter consumidor.
Hoje em dia, este último item é algo que poucas
vezes ele tem dúvida. O consumo e o número
de consumidores para produtos orgânicos certificados
está crescendo fortemente todos os anos, assegura.
Ele acredita que um pouco disto se deve à doença
da vaca louca ou ainda aos transgênicos. Para ele cresce
cada vez mais a procura por alimentos seguros, livres de problemas
sanitários. E os produtos orgânicos oferecem
isto, porque são controlados desde a seleção
das sementes ou mudas até a sua industrialização,
afirma, acrescentando que nada pode fugir dos padrões
estabelecidos pelas agências certificadoras, que são,
na verdade, representantes para estes fins, dos países
importadores.
O presidente do IB, que é uma instituição
capacitada e reconhecida para certificar produtos orgânicos,
diz que no Brasil o instituto está credenciado para
trabalhar com mais de 25 produtos, que tanto podem ser in
natura como manufaturados. Denis diz que o importante é
que o produto para ser considerado orgânico, além
de atender a todos os requisitos estipulados de produção,
precisa ter qualidade. Aquela idéia de que uma
laranja tenha manchas pretas porque não recebe tratamento
químico já não vale mais. Até
porque um produto orgânico é totalmente diferente
do natural, ressalta.
O Rio Grande do Sul está com uma enorme chance
de conquistar uma grande fatia de mercado de carne na Europa,
produzindo o boi orgânico, afirma Julio Centeno,
agrônomo da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, RS.
Centeno esteve acompanhado durante o início de junho,
dois representantes da Skal, agência holandesa de certificação
de produtos orgânicos. Eles vieram a convite da Farsul,
(Federação da Agricultura), do Senar e do Sindicato
das Indústrias de Carne do Estado (Sicadergs) a fim
de analisarem a possibilidade de desenvolvimento de um trabalho
de produção do boi orgânico.
Conforme Julio, os dois técnicos disseram que precisariam
de muito pouco ajuste, nas propriedades gaúchas, para
conquistarem esta certificação, pois a maioria
dos gados são criados em campos nativos ou em pastagens
da própria região. Sabemos que o Uruguai
está com ótimos contratos com a Europa depois
que conquistaram esta certificação, e no entanto,
os campos deles são muito semelhantes aos nossos,
diz o técnico. Para Julio, esta é uma oportunidade
imperdível de aumentar a exportação da
carne gaúcha.
O mercado crescente que todos falam é de, por exemplo
45 a 50 milhões de americanos, segundo estudos da Kaagen
Research Associates e da The Hartman Group, instituições
americanas de pesquisas. Este estudo revela que as vendas
de alimentos orgânicos naquele país têm
crescido em torno de 20 a 25% por ano, enquanto os não
orgânicos ficam entre 3 e 5% anuais. Existem um
significativo mercado potencial para produtos orgânicos.
Não é mais um nicho de mercado, mas sim um setor
que veio para ficar.
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