Os
britânicos não registravam a incidência
da moléstia, nas proporções atuais, desde,
1967. A partir dessa constatação, passou a valer
o efeito dominó, com o mal se propagando para algumas
áreas e com outras implantado processos defensivos,
fazendo soar o alarme, se não em todos, na maioria
dos países que formam a União Européia.
A adoção de medidas drásticas para conter
a expansão e contágio foi rápida, com
a formação de barreiras pelos governos e autoridades
veterinárias da Alemanha, Suécia, Suíça
e Portugal, entre outros.
O clima de apreensão instalou-se e espalhou-se pelo
planeta e chegou á América. Os Estados Unidos,
que não sofrem um ataque da doença desde q929,
fizeram análises em um porco suspeito de estar contaminado,
na Carolina do Norte. A manifestação foi alívio
diante dos mais abaixo, na América do Sul, a sorte
é diferente da norte-americana e o quadro quase se
assemelha ao europeu. A Argentina, único país
latino-americano com status de livre da aftosa sem vacinação,
está próxima de perder essa condição.
Isso porque o governo Fernando de La Rua admitiu, oficialmente,
a existência de focos ( 78, até o final de março),
na região central do território portenho. Além
disso, anunciou estudos para vacinar 35 milhões das
quase 50 milhões de cabeças do rebanho.
Vírus
se adaptam a qualquer tipo de clima e regiões
Para
médico veterinário e professores do Departamento
de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina
Veterinária da USP, Enrico Lippi Ortolani, a convivência
com a aftosa é antiga na região que, em última
análise, é endêmica. Essa circunstância,
adverte, não permite que o Brasil fique desatento,
pois está cercado por países contaminados, como
a Argentina, Bolívia e Paraguai. Com relação
ao Uruguai, afirma que as recentes ocorrências foram
controladas, até com algum exagero, pois houve o sacrifício
de 20 mil animais. Aparentemente, os indícios são
de que o território Uruguaio não tem a doença.
Avaliando o atual cenário epidêmico existente
na Europa, Ortolani o classifica como pandêmico e diz
que foi provocado pelo vírus do tipo O, subtipo Pan-asiático,
que surgiu na Ásia, Paquistão, Afeganistão,
depois na África do Sul, no Japão, em 1999,
arrisca, afirmando que os já que os japoneses não
tinham registro de aftosa há 50 anos. Segundo ele,
existem outras cepas, como os tipos A e C e seus respectivos
subtipos, com os principais vetores sendo, além do
boi, o porco e a ovelha, geralmente animais com patas bipartidas.
Esses germes são mutantes cosmopolitas e migrantes,
pois se adaptam a quaisquer tipos de clima e regiões.
Com o advento da globalização, comenta, os vários
sistemas de trocas existentes, ganharam agilidade e rapidez,
o que facilita a movimentação de doenças
infecto-contagiosos. Esses micróbios, assinala, sobrevivem
em pequenas quantidades de focos que de vez em quando, deflagram
epidemias, como no México, em 54, e na Grã Bretanha,
em 76, que foi um das mais violentas.
Boi
infectado pode virar transmissor depois de curado
Na
ocasião, os ingleses, que possuem um dos mais avançados
centros de pesquisa, descobriram que a moléstia surgiu
devido a importação de carne de cordeiro, em
carcaça, de Argentina. Essa descoberta foi possível
através de um rastreamento que detectou ossos triturados,
mas infectados, entre os ingredientes da ração
destinada a suínos. Ortolani cita, ainda, outros locais
onde os vírus se alojam com regularidade: no epitélio,
entre o final do casco e a perna; na boca, preferencialmente
na língua e gengivas; e nas tetas das vacas, com baixa
freqüências. Os porcos, acrescenta, favorecem a
multiplicação rápida do vírus,
numa quantidade imensa, que fica mais ou menos um mês
no organismo do animal e, depois, é expelido e espalhado
no meio ambiente através do processo de expiração.
Afirma, ainda, que o boi infectado e depois curado, também
se transforma num transmissor da doença, pois o vírus
alojado no esôfago, por aproximadamente 5 meses.
No surto atual, o professor cita que técnicos britânicos
atribuem o início na região central do país,
através de carne como osso levada, contrabandeada ou
levada por algum imigrante ilegal. Segundo Ortolani a migração
de 40 ovelhas para o norte britânica, contaminou País
de Gales e, daí, se espalhou por aquele continente.
Hoje (2/4) a Inglaterra contabiliza 890 focos de aftosa, indica
acrescentando que o problema também se verifica na
Holanda onde a situação se mostra bem grave.
A enfermidade, com atual velocidade, mostra estar próxima
do limite de disseminação, gerando, agora, uma
perspectiva de reversão na incidência, diz Ortolani,
atribuindo essa diagnóstico aos ingleses que manifestam
a crença de que isso deve acontecer, o mais tardar,
em maio, quando deverá ocorrer o início do declínio,
que espera-se acentuado. Além disso, as medidas profiláticas
adotadas, vão ajudar na aceleração desse
processo. Quando aos efeitos no rebanho, ele afirma que o
animal fica debilitado, pois apresenta dificuldades para mastigar
e comer direto, uma vez que a pele da língua desaparece
e a boca fica cheia de afta. Mas o boi saudável, bem
nutrido, resiste e não morre, pois a letalidade é
maior em reses já debilitadas antes do contágio
ou animais jovens, arremata.
Europeus
debatem vacinação: latinos trocam acusações
A
rápida e fácil propagação da moléstia
levou as autoridades européias a adotarem, como forma
de combate, o isolamento da área atingida e o sacrifício
de animais suspeitos. Com isso, a França mandou abater
50 mil ovinos de origem britânica, a Holanda, em meados
de março, havia sacrificados 17,3 mil animais e ia
discutir uma campanha de vacinação. Na Inglaterra,
onde tudo começou, até o final de março,
271,8 mil reses foram mortas e outras 162,6 mil estavam para
ser encaminhadas aos abatedouros. Na Alemanha, o governo discutia
medida para sacrificar todos os cordeiros de origem francesa.
Os demais não descartavam a adoção dessa
medida extrema e, como prevenção, implantarem
barreiras, inclusive como desinfecção de bagagens
e vestimentas de turistas, como determinou Portugal.
Até o início de abril, os ingleses mostravam
dúvidas sobre a necessidade de vacinar todo o rebanho,
embora as apostas recaíssem sobre o surgimento rápido
de uma decisão, até para evitar um provável
racionamento de leite, nos próximos meses. Ortolani,
no entanto, afirma que, caso isso ocorra, essa vacinação
será perifocal, ou seja, só em torno dos focos,
não geral. Segundo ele, o usual é fazer vacinação
nas áreas endêmicas, enquanto o sacrifício,
chamado de rifle e sanitário é aplicado em áreas
não endêmicas, montando um cinturão
de segurança mínimo de 2 km, podendo chegar
até 8 km. O professor aponta o controle do tráfego
de veículos entre as áreas afetadas, inclusive
fronteiras, no trânsito de pessoas, sobre instrumentos
de uma ou várias propriedades contaminadas e até
impedir aglomerações, como outras formas prevenção.
Ao contrário da Europa, que usa um jeito civilizado
e diplomático para atribuições de culpa,
na América Latina as acusações são
mais diretas e objetivas. Durante um encontro de veterinários
do Mercosul, em meados de março último, na cidade
de Assunção, o clima foi de tensão e
acusações recíprocas. As discussões
anteciparam o que poderá ocorrer na Reunião
Ordinária da Comissão Sul Americana de Luta
contra a Febre Aftosa, pois técnicos da Argentina,
Brasil, Paraguai e Uruguai se dividiam entre tomar decisões
de combate á doença e delações.
Argentina e Brasil acusaram o Paraguai de exportar o vírus
para seus territórios. Ao final dos debates, Paraguai
e Argentina optaram por um retorno á vacinação,
mesmo com o representante paraguaio negando a existência
da enfermidade no seu país.
Situação
crítica no Nordeste e no Norte do Brasil
Em
outro encontro em Porto Alegre, na primeira semana de março,
o presidente da Associação Rural Argentina,
Enrique Crotto, denunciou que o rebanho paraguaio está
contaminado e atribuiu a informação a uma fonte
do próprio país. O presidente do Serviço
de Saúde Animal, do Paraguai, Luís Acunã,
afirmou que a denúncia é falsa e que tudo faz
parte de uma guerra psicologia. Como parte dessa estratégia,
acrescentou que os argentinos ofereceram vacinas gratuitas,
que não foram aceitas para caracterizar que o Paraguai
faz a imunização. Como reforço de argumento,
Carlos Trappani, vice-presidente da Associação
Rural do Paraguai, observou que não existe febre aftosa
importada. Cada país tem sua própria aftosa.
Esse tipo de exportação não existe insistiu.
Acunã, numa intervenção final, disse
que estas acusações apenas contribuem para prejudicar
a imagem de toda a região.
Já o diretor do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa,
Eduardo Correa Melo, disse que, apesar das discussões
e acusações, as metas de erradicação
da doença, na área, não mudaram. Segundo
ele, esse objetivo deverá ser alcançado em 2009,
na região toda, pedindo, ainda, que haja um esforço
sério, conjunto e transparente para a pôr fim
ao mal.
Em termos de Brasil, Ortolani diz que a situação
é delicada. Além de estar ilhado pela doença,
o País mostra um quadro explosivo nas regiões
Norte e Nordeste, onde praticamente inexistem medidas mais
rígidas de combate e controle, ao contrário
do Centro-Sul, onde o Fundepec ajudou muito, sobretudo em
São Paulo, onde os surtos tinham origem nos transporte
de gado, especialmente nas áreas leiteiras e de comércio
de animais, normalmente oriundos do Pantanal e, geralmente,
infectados.
|