Antônio
Xavier, técnico em laticínios e proprietário
da AEX Consultoria, empresa especializada em gestão
de qualidade e tecnologia em laticínios e estudos de
mercados lácteos, não hesita em afirmar que
esta década será extremamente importante. Ele
aposta que o país deve emergir como produtor de leite
com qualidade. E garante que, entre 1995 e 2005, o setor sofrerá
modernização acima da que ocorreu ao longo das
cincos décadas passadas.
Parte dessa modernização cabe a granelização
do leite. Na prática, isso significa que a coleta de
leite a granel é feita a partir do armazenamento do
leite em tanques de expansão instalados nas propriedades.
Ali, o leite é mantido a 4 graus C por 48 horas após
a ordenha. O transporte entre a propriedade e a empresa ou
cooperativa que recebe o leite é realizado por caminhões
com tanques isotérmicos.
Como resultado, ganham as cooperativas e empresas e os produtores
que reduzem o número de viagem para a coleta do produto
e, conseqüentemente, o custo do frete. A isso soma-se
a garantia na qualidade do leite. A exigência da granelização
do leite vigora de acordo com a Portaria 56, de 1999, mas
deve ser transportada em lei. A previsão é de
que a coleta do leite seja 560 granelizada no Sul, Sudeste
e Centro-Oeste do país, a partir de 1 de julho de 2002.
E, a partir de 1 de julho de 2004, no Norte e Nordeste.
Xavier lembra que a prática foi adotada inicialmente
pelas empresas, como medida de redução de custos
e salto na qualidade do leite. Sabe-se que resfriar o leite
no período de duas horas após a ordenha permite
que o produto mantenha as condições da ordenha,
em que contaminações não se desenvolvem.
Outros fatores podem ser agregados a favor do produtor mais
tecnologia na propriedade; garantir aumento de produtividade,
com incentivos, ao aumento de produção; e, acima
de tudo, transformar o produtor em profissional do negócio.
Na opinião dele, o cenário atual mostra que
grandes empresas e cooperativas recebem apenas leite a granel.
Os produtores sem condições de manter tanques
de expansão nas propriedades unem-se em associações
para a compra de tanques comunitários. Para os pequenos
produtores, portanto, restam duas alternativas: o caminho
das associações ou sair da atividade, quando
a granelização for exigida por lei. Eles tendem
a desaparecer, porque são pouco importantes para o
abastecimento, afirma.
Convém adicionar ao quadro atual, a extrema heterogeneidade
do país. Aqui existe produção de leite
A e leite C, que não tem sequer padrão microbiológico,
assegura ele. Na verdade, 96% do leite produzido no país
é do tipo C. Crítico, Xavier afirma que as propriedades
brasileiras oscilam entre padrões de Primeiro Mundo
e de idade Média. A expectativa para o futuro próximo
é grande.
No primeiro momento, as normas podem causar o encarecimento
do custo de produção e reduzir a quantidade
de leite produzindo. Ele aposta que o Brasil será auto-suficiente
em cinco anos. Naturalmente, isso não dependerá
somente de legislação que for aprovada, mas
acima de tudo, da economia vigente no país, conclui.
Animando com os resultados da granelização,
Francisco Ferreira Sobrinho, assessor de Fomento, e Captação
da Cooperativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais
(CCPRMG), proprietária da marca Itambé, garante
que o sistema superou as expectativas. Desde setembro do ano
passado, a totalidade do leite coletado é a granel.
O processo teve início em fevereiro de 19999, com o
preparo dos produtores. E, no mês de setembro daquele
ano, começou a coleta granelizada. A cooperativa, que
processa cerca de dois milhões de litros/dia, é
formada por 30 cooperativas associadas, reúne 8,5 mil
produtores, e atua em Minas Gerais, Goiás e Distrito
Federal. A média de produção gira em
torno de 300 litros/dia/produtor.
Ferreira Sobrinho afirma que a granelização
foi um dos fatores da modernização conseqüente
da abertura de mercado dos anos 90. E não hesita em
Apontas as vantagens para o produtor, como a redução
de 50% do custo de frete, já que a viagem para a coleta
de leite é feita a cada 48 horas e não mais
diariamente. Portanto, permite economia de 15 viagens/mês.
A cooperativa também lucra, pois é possível
otimizar o transporte.
Hoje, grande parte dos produtores cooperados possui tanques
de expansão na propriedade, a maioria com capacidade
de três mil litros e rebanho médio de 30 vacas
em lactação por propriedade. Entusiasmados,
reconhecem as facilidades do sistema. Mas nem sempre foi assim.
No início, a cooperativa enfrentou dificuldades . Afinal,
eram mudanças que quebravam a tradição.
O processo de aceitação foi paulatino. A granelização
foi aceita por produtores pioneiros, o que influenciou os
demais. E a cooperativa levou informações para
dirigentes, técnicos e produtores líderes. Mais:
o montante de investimentos de recursos para financiamento
de tanques mais os tanques isotérmicos, para transporte
do leite, somaram R$ 60 milhões.
A Itambé também proporcionou facilidades para
adesão dos produtores. Entre 1997 e 1999, criou financiamento
dos tanques de expansão, em até 36 meses, pago
com moeda leite, sem juros. Como prêmio, instituiu a
bonificação de 9% sobre o preço do leite
a granel até 7 graus C. O produtor não precisou
desembolsar dinheiro, recebeu o prêmio e com a redução
de custo do frete, pagou tudo. Todo mundo pagou tudo, explica.
E as vantagens continuam. Com o fato de resfriar o leite na
propriedade, a medição passou a ser feita no
local. Os horários da ordenha e da coleta de leite
foram desvinculados. E o principal, o risco de perder leite,
que muitas vezes azedava na transporte em carroceria de caminhão
aberta, deixou de existir. Resultado: manutenção
da qualidade do leite para o produtor, indústria e
consumidor.
Ferreira Sobrinho repete o consenso do setor, ao garantir
que o produtor precisa profissionalizar-se. A iniciativa estende-se
também aos pequenos produtores filiados á cooperativa.
Entre 1997 e 1999, um programa especial para pequenos produtores
ofereceu tanques de expansão com capacidade de 200
litros cada, com pagamento em 48 meses.
A orientação incluiu o uso comunitário,
ou seja, vários produtores compraram apenas um tanque
e ali depositavam o leite coletado, com rateio de despesas
de energia elétrica e limpeza. Cada produtor recebe
pagamento correspondente á sua parte, o que funciona
como estímulo.
A parcela de pequenos produtores é substancial na Itambé,
pois representa 45% dos produtores cooperados, com média
de até 100 litros/dia. Na prática, isso significa
desde 20 litros/dia. O conselho de Ferreira Sobrinho vale
para pequenos e grandes produtores e se concentra em produzir
o máximo com menor custo. Animado, ele conta que o
próximo passo da Itambé será a adoção
do pagamento por qualidade do leite, no prazo de dois anos,
O sistema baseia-se na contagem da células somáticas,
contagem bacteriana total proteína.
O pagamento de leite por qualidade é usado pela Elege
Alimentos desde 90. O Programa de Leite por qualidade, após
análise de proteína, gordura, sólido
totais, células somáticas, acrescenta 30% sobre
o preço de base.
A empresa processa 2,4 milhões de litros/dia, reúne
32.188 fornecedores, com produção média
de 80 litros/dia, espalhados pelo Rio Grande do Sul. Desde
95, o total da produção da empresa é
coletado a granel. O processo teve início em 80, com
dificuldades que seriam esperadas, especialmente por parte
dos produtores e carreteiros, mais os problemas de energia
elétrica, conta Ernesto Krug, diretor de Política
Leiteira.
Paralelamente a granelização, a Elege criou
o Programa de Higiene e resfriamento, com o objetivo de conscientizar
o produtor sobre higiene, manipulação e transporte
do leite. As informações incluíam higiene,
manipulação e transporte do leite. As informações
incluíam higiene pessoal do ordenhador, de equipamentos
e máquinas e das instalações. O programa
encerrou-se 1995 e todos os produtores foram atendidos.
Para isso, havia equipe composta por 262 profissionais, entre
agrônomos e veterinários, além de postos
de recepção e resfriamento de leite. O programa
não podia ter sido mais rápido, já que
a Elege foi a pioneira no país, explica Krug.
Dez anos depois, outra iniciativa, o Programa de controle
da Mastite, mantido até 1997, e organizado pela mesma
equipe, resultou em índices mínimos de mastite
e trabalhos preventivos em cada propriedade.
Ainda como preparo aos produtores, a Elege oferece, desde
1980, crédito rural para compra de tanques de expansão.
O pagamento é feito em moeda leite, em prazos conforme
a produtividade do produtor. Todos os produtores têm
acesso ao crédito. E a maioria possui tanques individuais
na propriedade.
Situação semelhante é vivenciada pela
Parmalat, que congrega 15,5 mil produtores, espalhados por
Estados do Sul, Sudeste, Goiás, Ceará, Alagoas,
Pernambuco, Bahia e Rondônia, com processamento de 2,5
milhões de litros/dia. Desse total, 78 é granelizado.
Já em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro
e parte de São Paulo, o percentual é de 85%.
A meta é alcançar 560 em todo o país,
até o final deste ano.
O programa de granelização começou em
1997, com a importação de 1,2 mil tanque, que
foram repassados aos produtores, sem juros. Hoje, a Parmalat
mantém parceria com as empresas fornecedoras de equipamentos,
que são oferecidos aos produtores em 36 parcelas iguais.
A empresa desconta as prestações em moeda leite.
A produção média/dia por produtor é
de 162 litros. Portanto, a maioria é composta por produtores
de médio porte.
Para José Renaldi Brito, pesquisador da Embrapa-Gado
de Leite, Elege e Parmalat refletem o cenário da maioria
das grandes empresas e cooperativas. Este segmento deve estar
próximo de 560 de granelização acredita.
Já para as pequenas empresas e cooperativas, os índices
oscilam entre 60% e 90%. O quadro completa-se com a situação
dos pequenos produtores e pequenas cooperativas, cujos grandes
problemas consistem na produção diária
de menos de 50 litros/dia, e nas dificuldades para aquisição
dos tanques de expansão.
Para muitos deles, a solução apontada por Brito
é criar associações de produtores e a
compra de tanques de expansão usados de forma comunitária.
Produtores, mão-de-obra e técnicos precisam
de orientação, explica ele, A tecnologia usada
de maneira errada produz descrédito por parte do produtor
e perda de investimento. De qualquer forma, é necessário
haver lideranças para organizar as associações.
A compra do tanque de expansão costuma der paga em
doais anos, dependendo da produtividade do produtor somando
á redução de custo do frete, garante.
Analítico, ele afirma que a granelização
é parte da solução do problema leite
no país. Resta aos produtores conscientizar-se da necessidade
de medidas de higiene e manejo e do aumento de consumo. Para
os interessados no negócio, a Embrapa-Gado de Leite
oferece o Apoio Técnico de C&N Comunicação
e Negócios, que realiza programas de treinamento para
ordenha mecânica , manejo do rebanho, orientações
sobre produção de leite de melhor qualidade
e análise de leite. Habitualmente, as orientações
são veiculadas em dias de campo e encontros.
Também para orientar produtores, estudantes e técnicos,
a Embrapa-Gado deLeite criou o Nutre Núcleo
de treinamento, que programa cursos sobre qualidade de leite,
alimentos e análise das condições sócio-econômicas.
Acredito que, em cinco anos, realizamos grandes mudanças,
conclui. Mas o Brasil ainda tem um longo caminho.
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