Com cerca de 103 anos de história no País, a raça Simental é uma das poucas no mundo que pode ser utilizada na tanto na produção de corte e de leite. Na Suíça, de onde é originário, ele é conhecido como Simmenthal-Fleckvieh ou Tachete-rouge, dependendo da região. Na Áustria e na Alemanha, apenas com Fleckvieh.
Os italianos o chamam de Friolanda ou Pezzato Rossa. Pie Rouge de Lést, Abondance, Montbéliard na França. A tendência atual é usar o nome Simmental antes de indicar o país onde é criado, como por exemplo, Simmental Francês, Simmental Canadense ou Simmental-Fleckvieh (para as regiões da Alemanha e Áustria).
No Brasil, ele é o Simental (na nossa grafia, é escrito com apenas um ‘m’). A raça atualmente corresponde a um rebanho de 370.078 cabeças no País, de acordo com Alan Fraga, presidente da Associação Brasileira dos Criadores das Raças Simental e Simbrasil (Abcrss). Este número representa os animais puros de origem, puros com cruza e mestiços registrados na associação. Fraga estima que o rebanho total chegaria a cerca 1 milhão de cabeças.
“As primeiras importações da raça Simental para o Brasil foram em 1904, 1907, 1910 até 1912”, lembra Fraga. “Depois a gente ficou um longo período sem a entrada de genética no Brasil. Voltou a ter outras importações na década de 70. As primeiras importações foram de animais vindos da Suíça, que é o país berço da raça Simental. Na década de 70, quando aconteceram as outras importações, foram também da Suíça, depois Alemanha, e depois teve importação da Áustria e França”.
Falar no desenvolvimento e disseminação da raça Simental no País é falar no trabalho da família Fraga. O ano era 1927, e chega-va na propriedade de João Vieira da Fraga, em Muqui (ES), um touro reprodutor vindo da região da mata de Minas Gerais, Leopoldina. “Meu bisavô era um grande pecuarista da época, mas ele não era um selecionador”, conta Alan. “E meu pai [Agostinho Caiado Fraga, o ‘Fraguinha’, como era conhecido] começou [esse trabalho de seleção] na década de 40, mais ou menos. Ele observava que os produtos vindos desse reprodutor, que havia chegado lá, eram animais superiores. Eram animais que produziam muito leite, eram animais pesados”, lembra. A partir desse tra-balho, começou um pro-cesso de seleção bastante forte – o que valorizou bastante a dupla aptidão desse gado, que pode ser destinado tanto para a produção de leite como para a produção de carne.
O princípio
A pecuária brasileira nos primórdios, principal-mente quando o País era apenas uma colônia de Portugal, não era destinada a produção de carne e leite para o consumo da população e o rebanho predominante era o Caracú, de acordo com os estudos históricos feitos pelo médico-veterinário e especialista na raça Simental, Fernando Antônio Nunes de Carvalho. No livro, ‘A saga do Simental no Brasil’, publicado em 1998, Carvalho traça os principais pontos dessa raça que trouxe muitos benefícios ao País. “Com a introdução do Simental, o Brasil podia melhorar a genética dos animais”, conta. Segundo a obra dele, os criadores, por volta de 1880, estavam divididos em três correntes: uma que preconizava o uso do Zebu, para a melhoria do rebanho crioulo existente no País; outra que queria o melhoramento do Caracu e a disseminação deste para constituir o rebanho nacional; e a terceira, que tendia para o uso de raças especializadas européias para serem utilizadas no rebanho crioulo e no Caracu.
A partir desse quadro, começa a se traçar os caminhos da pecuária brasileira, e a importância histórica do Simental como uma das raças que melhor se adaptou no País. Segundo Carvalho, as importações iniciais foram promovidas pela Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, e anos mais tarde o Ministério da Agricultura incentivaria essa prática. “O governo brasileiro, para fazer o fomento e promover a melhoria da pecuária brasileira, fez importações e fazia o fomento com esse rebanho aqui”, explica Alan Fraga. “Nem sempre esses animais eram comercializados. Alguns sim, mas outros eram emprestados por um período a um determinado pecuarista, e depois aquele touro era passado para outro pecuarista, numa forma de fomento”. O trabalho de seleção de Agostinho Caiado Fraga foi bastante importante para o Simental. “Ele fez uma seleção em cima de um cruzamento absorvente com o Guzerá, inicialmente. E daí, para frente, já na década de 70 e 80, nós já tínhamos um Simental brasileiro”, conta Alan.
O surgimento do Simbrasil
Além de ser um personagem marcante para a raça Simental, Fraguinha foi o idealizador e responsável por uma nova linhagem, que é 62% de sangue Simental e 38% Zebu – o Simbrasil. Isso foi já nos idos de 1947. “Isso aí é uma coisa importante, porque o Simental é uma raça extremamente precoce e o Zebu, muito rústico. Então você tem a fertilidade do Simental, a precocidade, a qualidade de sua carne, aliada a rusticidade do Zebu. Isso foi muito importante para a nossa eco-nomia – e isso foi um trabalho de Agostinho Caiado Fraga”, destaca Alan. Atualmente o rebanho Simbrasil, considerando os animais registra-dos pela associa-ção, é de 35.151 cabeças, de acor-do com a asso-ciação. No final das contas, Fraguinha conseguiu fazer um gado rústico, precoce, com alta fertilidade e produtividade de carne e leite, com habilidade materna, qualidade de carcaça, docilidade, tolerância ao calor, robustez, capacidade de pastejo com boa conversão alimentar e longevidade produtiva e reprodutiva.
Simental por batismo
Desde a criação da associação em 1963, na época, dos criadores de Simental (Abcrs), até o fim da vida, em 2000, Agostinho Caiado Fraga presidiu a associação. “As eleições na associação, para a diretoria, para os mandatos da diretoria eram feitas de dois em dois anos. E ele sempre foi reeleito sem nunca ter uma chapa contrária, dado a maneira dele de aglutinar e fazer com que a associação trabalhasse para todos”, lembra Alan sobre o trabalho que o pai desenvolveu durante toda a vida dele na pecuária, na criação e disseminação do Simental e Simbrasil no País.
Para ser um criador oficial da raça, havia um tradicional ritual que consagrava o pecuarista – era o batizado feito pelo senhor Fraguinha. “Era uma brincadeira, uma forma carinhosa, que meu pai usava para aqueles novatos que entravam na raça, na Associação”, conta o atual presidente da Abcrss. “O batismo era um juramento. Ele segurava a mão da pessoa, assim para cima, com uma mão segurava o braço, e a com a outra ele botava no peito da pessoa. Tinha um boton, que era a logo da associação. Ele dava um tapa no peito [justamente onde estava o boton]. Mas aquilo era uma brincadeira, todo mundo gostava, sempre que ele fazia um novo criador, aqueles que estavam pre-sentes gostavam dessa come-moração”, recorda.
A introdução do sulafricano
Outro personagem de grande influência para a raça Simental no País, e que contribui nos trabalhos de seleção de gado, foi o responsável por trazer a linhagem sul-africana do Simental para cá. Antônio Carlos Pinheiro Machado Júnior, diretor de pecuária da AgroZurita, iniciou um trabalho com essa linhagem que rendeu bastante resultado. “Há anos a África do Sul e outros países do continente africano vêm desenvolvendo uma linhagem mais voltada para a produção de carne, sem perder sua aptidão leiteira, característica essa intrínseca à raça”, diz Machado. Segundo ele, os animais dessa linhagem, trazidos da Alemanha e adaptados às condições do continente africano, possuem carcaça de excelente cobertura muscular, pêlo fino, bem pigmentado, e alta tolerância ao calor.
O trabalho desenvolvido na Agropecuária Zurita, de propriedade de Ivan Fábio Zurita, elevou a qualidade do rebanho e principalmente nos animais de pista e a genética disponibilizada atualmente em leilões da empresa. O primeiro touro dessa linhagem foi o Vuurslag 420K. “Adquiri-o em março de 2001, quando ele se apresentava com 14 meses de idade. Foi o primeiro exemplar que comprei para a AgroZurita. Na época, ele foi o primeiro animal da linhagem sulafricana a ser ofertado em leilão no Canadá”, conta Machado. “Vuurslag 420K é um produto de embrião exportado da África do Sul para o Canadá. É um digno representante da linhagem sul-africana no Brasil. Para se ter uma idéia da impor-tância dele, basta dizer que já foram comercializadas mais de 50.000 doses de seu sêmen”, destaca.
Pinheiro Machado Júnior relembra bem os tempos que conheceu o senhor Fraguinha no sentido de melhoramento da pecuária do País. “Trabalhamos juntos visando o desenvolvimento da pecuária brasileira, de uma maneira geral, independente da raça em questão. Nossa maior atuação em parceria foi quando o Ministério da Agricultura, em 1991, queria tirar das Associações, e transferir para as Centrais de Inseminação e a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), a responsabilidade de emissão do parecer técnico para importação de material multiplicativo (sêmen e embriões). A briga foi boa, e vence-mos. Até hoje, quem dá o pa-recer técnico para as importações, são as associações”.
A luta para disseminar a raça no País
Não foi fácil para Fraguinha divulgar a a raça no Brasil. Segundo Alan Fraga, o pai teve de enfrentar muitas barreiras até que as raças Simental e o Simbrasil fossem conhecidas em todo o território nacional. “O grande trabalho, numa época difícil porque, inicialmente, ninguém conhecia nem o Simental, e o Simbrasil que veio depois. Hoje não. Hoje o mundo da pecuária moderna, que temos no Brasil, já conhece as raças. Outra coisa, a genética, a disponibilidade genética era muito difícil – você não tinha. Por conta daquele período longo (…) sem importação [período que o país ficou sem a importação de gado Simental de 1912 a 1970, aproximada-mente]. Hoje, nós temos a ge-nética que tem no mundo (…), igual ou melhor. Então, hoje a gente pode dizer que nós viramos uma referência. Não só das raças Simental e Simbrasil, mas como das ou-tras raças também. Hoje nós somos exportadores de genética”, destaca Fraga. Segundo o presidente da ABCRSS, países vizinhos, na América do Sul e na América Central, têm procurado o Brasil ultimamente para adquirir essa genética. A As-sociação Brasileira de Criadores das Raças Simental e Simbrasil (ABCRSS) está localizada em Cachoeiro de Itapemirim (ES) e congrega atualmente 2.067 criadores de todos os cantos do país. Em 1984, a raça Simental passa a integrar ainda mais os pecuaristas da entidade. Entre outros objetivos, a associação tem como finalidade básica executar e manter o registro genealógico dos bovinos em todo o território nacional, promover ou facilitar as importações de reprodutores com as melhores características racionais, selecionar os exemplares da raça visando adaptabilidade as diferentes regiões do país, selecionar o tipo padrão de gado para o Brasil, manter o Serviço de Controle de Desenvolvimento Ponderal e Controle Leiteiro, promover teste de progênie e Avaliação de Rendimento de Carcaça e Provas de Ganho de Peso.