O mercado de grifes de carne cresce no Brasil e frigoríficos apostam neste nicho para enriquecer vendas. “A pecuária está passando por uma revolução. É um mercado emergente”, afirma Renato Galindo, gerente de projetos especiais do Frigorífico Marfrig.
A frase se refere ao mercado de carne brasileiro que nos últimos anos passou a receber cortes nobres embalados com marcas. Apesar de ainda não significar nem 10% do faturamento dos grandes frigoríficos, o ramo das grifes de carne está crescendo.
Dentre os diversos motivos desta expansão, o principal é a demanda por carne padronizada e de qualidade. “Um dia você comprava uma picanha boa, no outro uma picanha dura. Agora não, se o consumidor comprar um produto hoje, daqui um mês ou um ano, será sempre o mesmo”, afirma Galindo se referindo às carnes embaladas com marcas.
Mas essa vantagem tem um alto preço. “Não é só pegar a carne no frigorífico e embalar com a marca. O consumidor quer carne diferenciada, então, você emprega valor”, explica o zootecnista da Agrozurita, Antonio Carlos Sciamarelli Jr. A empresa é uma das que passaram a atuar neste nicho de mercado com diversos cortes. Há diferentes processos para padronizar o corte e agregar valor à carne, mas, de maneira geral, existe a preocupação com a genética. “Há um trabalho envolvendo a genética dos animais vindos dos nossos parceiros, com controle rigoroso da sanidade e, principalmente, com as matrizes. Nós ainda fazemos o confinamento e o abate”, diz Sciamarelli.
As marcas chegam ao mercado buscando atender o público final e com a incumbência de se fixarem na mente dos consumidores até a próxima compra. “Para um chef de cozinha você não precisa de um apelo de marketing, mas para o público sim e é por isso que você traz a marca”, afirma o gerente do Marfrig, Renato Galindo. A intenção dos grandes frigoríficos é mudar o hábito do consumidor no momento da compra passando confiança para os produtos de grife. “A meta é colocar a marca na mente do consumidor, dar confiança a ele, ter sempre uma expectativa de qualidade e padrão da carne”, diz Flávio Saldanha, gerente de marketing do Friboi.
Entre as marcas disponíveis no mercado brasileiro, a “Organic Beef”, do Friboi, vem apresentando um bom rendimento. Lançada em 2004, a carne provém de um gado orgânico – uma produção que alia um bom tratamento com o rebanho e condições trabalhistas adequadas aos peões e tratadores dos animais; esse sistema de produção é a pasto sem o uso de agrotóxicos, com medicamentos homeopáticos, e área de criação deve estar dentro das normas ambientais. O produto é destinado a um público que acredita colaborar com o meio ambiente e/ou com a própria saúde. As diferenças na criação elevam o preço do produto, mas, apesar do valor, a marca obtém boa porcentagem no faturamento da empresa já que é destinado a um público seleto. “Hoje, o Organic Beef representa 3% do total comercializado de carnes (in natura) pelo Friboi. O consumo vem crescendo e nós esperamos que isso cresça para 5% em 2010”, afirma o Diretor de Inovações da JBS, Antonio Zambelli.
A empresa passou a atuar neste nicho de mercado após verificar os costumes de consumo na Europa. “A idéia surgiu em 2001 quando detectamos uma tendência na Europa com os consumidores que estavam valorizando os produtores que procuravam não utilizar alguns produtos ou não atingir os animais”, comenta Zambelli. Com isso, a empresa passou a investir no seguimento e hoje possui a única marca entre os orgânicos.
O Friboi também é líder no comércio de carnes de grife para churrasco no Brasil. A “Maturatta”, lançada a mais de 10 anos, hoje representa 4% do faturamento do frigorífico. Apesar de ambas serem destinadas a um público seleto de alto poder aquisitivo, a empresa procurou abocanhar todo o público top ao lançar a “Cabaña Las Lilas”. O quilo da carne atinge R$ 67,00 no ponto de venda, e é comercializado em apenas algumas lojas de poucos supermercados, em boutiques de carne e em restaurantes especializados. “A Cabaña Las Lilas é o Rolls-Royce das carnes, é tida como uma carne especial”, aponta Flávio Saldanha, gerente de marketing do Friboi. O alto preço e a pouca venda fazem com que a marca seja responsável por 1% do faturamento com carnes in natura.
Apesar do mercado de marcas ser crescente, hoje ele representa apenas 8% do faturamento do Friboi. “O Brasil ainda não possui esse costume, mas é esse o nosso desafio. Em 2010 nós queremos chegar a 10% do faturamento com o mercado de marcas”, afirma Zambelli, diretor da JBS.
A tendência é recente, mas o início desse tipo de comercialização é de longa data. O Restaurante Rubaiyat, considerado a melhor carne de São Paulo, pratica esse tipo de comércio há quase 30 anos, como explica o sócio do empreendimento, Belarmino Filho. “Nós fazemos isso desde 89, no sistema boutique, dentro do restaurante mesmo”. Apesar de não vender fora do próprio negócio, Belarmino foi um dos pioneiros a embalar a carne com marca no Brasil.
A tendência é investir neste tipo de mercado já que os principais frigoríficos estão nesta toada e é assim que acontece na Europa e EUA, por exemplo. “Lá esse mercado está bem mais avançado”, diz Zambelli, do Friboi.
O Marketing das Raças
Além das marcas, há quem acredite que o mercado possa usar as raças como marketing. Mas será que o consumidor final irá ligar a raça à qualidade da carne? Para o Gerente Executivo da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), André Luis Locatelli, a resposta é positiva. Ele realiza um trabalho para atingir o consumidor final com a marca “Nelore Natural”. “O Programa de Qualidade Nelore Natural tem o objetivo de colocar no mercado a carne com uma marca e que ela seja símbolo de um produto padronizado ‘Nelore Natural’, e assim chegar até o consumidor final”, explica. Segundo ele, o marketing do Nelore é a saúde do consumidor, já que a carne possui grande teor de gordura subcutânea, que forma uma camada em cima da carne, e assim, a pessoa pode retirá-la caso deseje.
Mas parece que a questão nutricional tem menos relevância que o prazer. As carnes de raças que possuem o marmoreio, como Angus e Wagyu, são suculentas e de extrema maciez, mas em contra partida os consumidores levam mais gordura.
Tanto a raça Angus como a Wagyu estão crescendo no mercado nacional. Em novembro de 2006 o Restaurante Rubaiyat, considerado a melhor carne de São Paulo, iniciou a comercialização da carne proveniente da raça japonesa Wagyu, que apresenta o maior grau de marmoreio possível. De lá pra cá as vendas desta raça aumentaram 500%, apesar do bife custar cerca de R$ 150 , como explica o sócio do restaurante, Belarmino Iglesias Filho. “O mercado é super crescente, o Wagyu, de 100 kg por mês, passamos a 500 kg, sendo que cada bife custa 80 dólares”.
Devido à demanda de qualidade, a carne de Angus vem ganhando espaço nesse mercado. “Hoje, é o segundo maior mercado do Brasil, está chegando perto do Nelore. Crescimento anual de sêmen de touro Angus é de 38%”, aponta o presidente da Associação Brasileira de Angus (ABA), Renato Ramires Júnior. Ao ser questionado sobre a demora da raça começar a se expandir no Brasil, Ramires aponta dois motivos. Um deles é a chegada da tecnologia. “O Angus está explodindo porque está aparecendo com a tecnologia que está promovendo a qualidade, e o mercado está reconhecendo isso”. A segunda razão seria, segundo ele, que o mercado consumidor está demandando uma carne mais saborosa e macia e que o Red Angus é a raça que pode proporcionar essas características ao consumidor.
Um fato que embasa a opinião de Ramires é o depoimento do proprietário do Restaurante Red Angus. Recém inaugurado, o estabelecimento fica lotado nos finais de semana e oferece apenas carne de Angus. O proprietário, Eloy Tuffi, disse que abriu o negócio porque não conseguia vender a carne que produzia no interior de São Paulo e hoje diz que não há condições de suprir a demanda. “Se eu tivesse 200 toneladas de Angus, venderia tudo”, afirma Tuffi. Para ele o sucesso do negócio é a diferença da qualidade da carne Angus para a de Nelore. “Todo mundo está acostumado a comer o Nelore. Na Austrália, nos EUA e na Europa só tem Angus. Todo mundo fala que a melhor carne é da Argentina. Porque lá é Angus!”, afirma Tuffi.
O gerente de projetos especiais do Marfrig, Renato Galindo, acredita no crescimento da marca Angus e diz que ela pode representar uma mudança na cadeia produtiva. “A gordura intramuscular é responsável por 11% a mais de maciez. É uma carne mundialmente conhecida pela qualidade e com isso o pecuarista também receberá mais e é isso que precisamos: remunerar toda a cadeia produtiva”, explica.