Pecuária

Genética: carne certificada cientificamente

Central de produção de sêmen investe 280 mil reais em um Laboratório que visa certificar a qualidade da carne. Projeto se integrará com o programa Genoma Funcional do Boi, criado em 2003.

De dez anos para cá o número de países que importam carne brasileira aumentou consideravelmente. Porém, a maioria destes países está mais preocupada com o preço do que com a qualidade do produto. A intenção dos criadores é continuar a exportar para estes mercados, mas também arrebanhar novos consumidores, sobretudo aqueles com maior poder aquisitivo, que buscam um produto de melhor qualidade e que estão dispostos a pagar mais por ele.

O Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo; o segundo maior em números absolutos, contando com aproximadamente 204 milhões de cabeças, que significa 19% do total mundial. O custo de produção da carne brasileira é um dos menores do mundo. Paga-se cerca de 2.565 dólares por tonelada de carne produzida no Brasil. E é exatamente esta realidade que os produtores querem mudar. Para se ter uma idéia, a Argentina produz cerca de um terço do volume de carne produzido no Brasil, mas os valores pagos àquele país são quase o dobro dos pagos aos produtores brasileiros, cerca de 3.987 dólares.

É sabido que os nossos vizinhos são privilegiados por causa do clima mais frio que o nosso e que, portanto, comporta raças de origem européia, adaptadas a temperaturas mais baixas e que possuem uma carne mais macia. Mas isso, segundo especialistas, não quer dizer que não possamos aumentar o valor agregado de nossa produção. E é pensando na valorização da carne brasileira que a Central Bela Vista, junto com a UNESP Botucatu inaugurou em Pardinho, interior de São Paulo, o Laboratório de Qualidade da Carne, um centro de pesquisas que pretende, por meio de análises genéticas, compreender melhor quais são os fatores que levam o animal a possuir uma carne com maior ou menor maciez.

A iniciativa surgiu dos técnicos e criadores preocupados com a pouca tecnificação da pecuária bovina brasileira que, segundo eles, diminui a qualidade do produto e, consequentemente, seu valor no mercado internacional. “É uma ilusão achar que nós vamos produzir carne de qualidade somente com genética. Nós vamos produzir com mão de obra qualificada, com tecnologia, conhecimento e, evidentemente, com a evolução da genética” afirma Jovelino Mineiro, presidente da Central Bela Vista. Uma mostra de que a pecuária brasileira é pouco tecnificada é o número de inseminações artificiais feitas por aqui. O Brasil insemina apenas 3% das vacas de corte. O mundo industrializa por ano 260 milhões de doses de sêmen.

Destas, apenas 4,5 milhões são comercializadas no Brasil. “A maior pecuária do mundo talvez seja das menos tecnificadas em relação a inseminação artificial, que é o instrumento mais poderoso para melhorar o plantel”, enfatiza Maurício Nabuco, gerente da Central Bela Vista.

O principal objetivo do Laboratório, quando estiver totalmente implantado, será desenvolver tecnologias para a predição da qualidade da carne. Um dos meios de se alcançar esta meta será por meio da validação dos marcadores moleculares que identifiquem qual animal possui a melhor carne. Marcador molecular é uma particularidade genética que permite que se faça a distinção de um indivíduo dentro de um grupo. Pode ser, por exemplo, a cor da pelagem. Os marcadores moleculares servem também para identificar um animal que possua uma carne mais macia. O trabalho do Laboratório será identificar estes marcadores para que se saiba que animal tem esta característica e também se ele possui condições de transmitir isso para os seus descendentes.

O laboratório vai se integrar a outro grande programa genético conduzido pela parceria Central Bela Vista-Unesp, o Genoma Funcional do Boi. O projeto genoma possui um banco de dados com 60 mil sequências de genes e 22 mil genes mapeados, com 300 marcadores moleculares identificados e associados à maciez de carne e precocidade dos animais. “Isso representa 75% dos genes dos bovinos”, afirma Luiz Roberto Furlan, responsável pelo Projeto Genoma Funcional do Boi.

Uma das premissas da pecuária é que os animais de origem taurina possuem carne de melhor qualidade do que os de origem zebuína. Os envolvidos no projeto do Laboratório de Certificação da Qualidade da Carne querem derrubar este mito. Segundo Luiz Furlan, o animal zebuíno pode vir a ter uma carne tão boa quanto o taurino; basta que os pecuaristas brasileiros passem a adotar uma maior tecnificação no processo reprodutivo. “Os animais taurinos estão sendo selecionados com o intuito de servir como alimento há milênios. Isso só começou a ocorrer com os animais de origem indiana mais recentemente”, afirma Furlan. Portanto, os técnicos acreditam que, com um trabalho árduo de mapeamento e seleção genética, em um futuro próximo os animais zebuínos possam vir a ter uma carne com a mesma qualidade que hoje possuem os animais de origem européia.

Com o laboratório de qualidade e o projeto genoma operando em conjunto, a estratégia da Bela Vista é gerar um conteúdo e informações sobre a base do rebanho brasileiro, que é formado em 80% por zebuínos. A idéia é analisar cerca de 300 dos reprodutores nelore mais reconhecidos pelo mercado, abatendo, pelo menos, 3.000 filhos desses touros. “Já temos mapeados esses animais e contamos com a doação de doses de sêmen de centrais de inseminação artificial e de pecuaristas donos de reprodutores”, diz Jovelino Mineiro.

A preocupação com a qualidade da carne é cada vez maior no Brasil e no mundo. Com isso, é fundamental para a pecuária brasileira focar os esforços na busca por um produto que agregue valor e que satisfaça os mercados mais exigentes. Assim, o País agradará tento países que buscam preços acessíveis como também consumidores mais interessados na qualidade. E esta busca por um produto que contente ao primeiro mundo já está na pauta não só dos pecuaristas, mas de todo o setor. “A cadeia começa a se interligar. Os frigoríficos estão preocupados com a genética, já que querem deixar de serem apenas compradores para se tornarem parceiros. A evolução genética que o Brasil vai ter nos próximos anos será muito grande porque o pecuarista vai começar a ser remunerado pela qualidade do produto. Já começou a ser”, afirma Mineiro.

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