Embrapa desenvolve variedade tolerante a esse fungo e a outras doenças.
Um grande mal que aflige as lavouras de soja brasileiras desde o começo da década parece estar com os dias contados. Pelo menos é o que mostram os promissores testes feitos na Embrapa Soja, em Londrina, Paraná, com uma nova variedade da planta que se mostrou resistente a ferrugem asiática, doença causada por um fungo e que trouxe prejuízo de milhões de reais aos produtores da oleaginosa.
A ferrugem asiática da soja é causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi. Essa doença foi identificada no Brasil em maio de 2001, nas lavouras do Paraná. Se espalhou rapidamente por praticamente todas as regiões produtoras nas últimas safras em função de sua eficiente forma de disseminação pelo vento.
O principal dano ocasionado pela ferrugem é a desfolha precoce, que impede a completa formação dos grãos, com conseqüente redução de produtividade.
O projeto de criação de uma planta resistente à ferrugem da soja asiática se iniciou na Embrapa em 2001, tão logo ela surgiu no Brasil. “Nós não poderíamos desenvolver um projeto plenamente antes de 2001 porque nós não poderíamos trazer o fungo que causa a ferrugem para o Brasil, pois [na Embrapa] não temos casas de vegetação seladas onde poderíamos fazer testes com segurança”, explica José Francisco Toledo, pesquisador da Embrapa Soja e que é um dos envolvidos no desenvolvimento da planta resistente ao fungo. Toledo explica que o primeiro passo para o desenvolvimento da nova soja foi identificar dentro do material existente no banco de germoplasma brasileiro quais variedades poderiam ser resistentes à doença. Banco de Germoplasma é o local onde ficam estocadas as linhagens e variedades existentes da soja. Estes testes foram feitos com 8 mil linhagens diferentes. “Nós identificamos um número razoável de materiais que tinham resistência e introduzimos no programa de melhoramento. Dentro dessas fontes, uma delas gerou essa nova cultivar que é resistente à ferrugem”, conta Toledo. Este material já está sendo testado há mais de 5 anos e é adaptado à região central do Brasil.
Será lançado inicialmente no estado de Goiás e, segundo Toledo, é um material precoce e produz relativamente bem. “A nova variedade é comparável, em termos de produtividade aos materiais que nós temos disponíveis hoje e que não são resistentes à ferrugem”, explica o pesquisador.
Outro pesquisador envolvido neste trabalho, Carlos Alberto Arrabal Arias, ressalta que esta nova variedade não é geneticamente modificada: “Elas são desenvolvidas pelo método convencional de melhoramento genético, então não são transgênicas. São várias fontes de resistência disponíveis e essas fontes são cruzadas com as variedades adaptadas a diferentes regiões do Brasil”. Dentre os vários cruzamentos realizados, os cientistas notaram um gene de resistência em uma variedade de soja chamada Abura, muito utilizada nos cruzamentos por ter bastante proteína em sua composição. E foi principalmente a partir desta variedade que foram realizados os cruzamentos que deram origem às linhagens resistentes à ferrugem.
O programa de melhoramento da soja possui várias fases. A parte mais intensa, onde os pesquisadores acreditam conseguir desenvolver os melhores materiais ainda não está pronta. Toledo conta que essa variedade resistente à ferrugem, de nome BR 01-18437, fazia parte de um programa de soja para alimentação humana e os cientistas notaram nela a resistência à doença. “Mas a fase mais intensa do programa, que a gente espera que vá trazer bons resultados ainda vai durar mais uns 3 ou 4 anos, para podermos afirmar que possuímos material para o Sul e para as outras regiões”, ressalta o pesquisador. A soja que será lançada já na próxima safra, somente para o produtor de sementes (para a região central do Brasil) deverá estar disponível em quantidades razoáveis para o agricultor na safra 2010/2011.
Os pesquisadores buscaram ao longo de todo o trabalho de melhoramento da soja, além de torná-la resistente à ferrugem, não deixá-la menos produtiva. Fora isso, conseguiram ainda tornar a variedade imune a outras doenças comuns nas lavouras brasileiras. “Nós buscamos sojas que sejam bem adaptadas as diversas regiões do Brasil, produtivas e com resistência a ferrugem e outras doenças que são importantes e que a gente não pode descuidar”, explica o Toledo. O pesquisador enfatiza que a produção da nova cultivar deve ser bastante semelhante ou um pouco superior às sojas convencionais. “O nosso critério é esse: Ou produz muito parecido ou mais do que a soja já existente. Além disso, para nós lançarmos a variedade hoje no Brasil, nós temos algumas características de resistência que são mandatárias, como por exemplo resistência à mancha-olho-de-rã (Cercospora Sojina) e resistência ao cancro da haste. Já para a região central do Brasil, é quase obrigatório termos resistência a Nematóides, seja de galho, seja de cisto. A BR 01-18437 é resistente ao cancro e a mancha olho-de-rã, mas não é resistente a nematóides, mas as próximas variedades já deverão vir com resistência.
No entanto, é necessário cuidado ao se utilizar dessa nova cultivar, já que, pelo fato de a resistência ser condicionada por apenas um gene, é possível que ela seja quebrada pelo fungo que causa a doença, se o manejo da lavoura não for bem realizado. “Há uma possibilidade de que a ferrugem quebre a resistência e, por isso, nós vamos introduzir essa nova cultivar dentro de um sistema de manejo, para diminuirmos o risco para o produtor e para diminuirmos as chances da ferrugem vir a quebrar a resistência”, ressalta Toledo. O pesquisador conta que embora a soja seja resistente a ferrugem, o agricultor deverá fazer uma ou duas aplicações de fungicida caso a ferrugem apareça na sua região. “O produtor deverá ficar imaginando: Qual é a vantagem então? A vantagem é que pelo fato de ela ser resistente, aquela janela de aplicação inicial não deverá ser tão estreita. O agricultor dificilmente vai perder o ponto ideal de aplicação de fungicida nesse novo material, caso a doença apareça em sua região”, explica o pesquisador. Carlos Arrabal vê outra vantagem na nova cultivar: “A nova variedade vai permitir que o agricultor faça menos aplicações de fungicidas. Em um ambiente onde seriam três aplicações, ele vai aplicar uma ou duas vezes e será suficiente para que a lavoura produza bem.
Os pesquisadores enfatizam na importância de seguir o manejo adequado para que a doença não quebre a resistência da planta. “Como o fungo tem uma grande capacidade de produzir novos tipos que quebram essa resistência, é importante que o agricultor continue acompanhando a lavoura, vendo se existe a doença. De qualquer maneira ele vai fazer a primeira aplicação de fungicida, que é a aplicação mais importante, que vai garantir que, junto com a resistência da planta, terá um controle muito mais eficiente da ferrugem”, explica Arrabal. “Esse monitoramento é primordial, é muito importante”, completa Toledo.
Embrapa busca também uma outra estratégia mais confiável contra a ferrugem
O pesquisador da Embrapa, José Francisco Toledo contou que primeiro foi dada ênfase a uma estratégia de curto prazo quanto a disponibilização de uma soja resistente à ferrugem asiática. “Nós estamos seguindo uma pesquisa de curto prazo, com esses materiais resistentes, com uma resistência sendo condicionada por um ou dois genes.
Fora o programa de melhoramento convencional, existe uma outra pesquisa, ainda em fase experimental, onde os cientistas esperam conseguir uma maior resistência da soja em relação à ferrugem. “Seria uma resistência mais duradoura, condicionada por vários genes pequenos, mas que tem como desvantagem levar mais tempo para acharmos uma planta tolerante à ferrugem. Mas como empresa pública, nós temos a obrigação de desenvolver uma estratégia de longo prazo e que, embora seja demorada, dará mais segurança ao agricultor do que essa estratégia de somente resistência”, explica José Francisco Toledo.