Pecuária

Estrutiocultura: o exemplo da Fenix

A estrutiocultura brasileira passou por dificuldades nos últimos anos, mas provou que tem força para dar a volta por cima e potencial para se tornar líder mundial no setor. Nosso País é extremamente competitivo quando se trata de agropecuária. Qualquer área que o Brasil se interesse em produzir, ele acaba desbancando seus concorrentes.

Não poderia ser diferente na estrutiocultura. Ou poderia? Este é mais um dos tantos paradoxos que encontramos nesta terra. Há pouco mais de dez anos, quando produtores brasileiros importaram seus primeiros avestruzes com finalidade puramente econômica, o mundo via países como Austrália, Estados Unidos e África do Sul dominarem esse mercado. Hoje, o Brasil possui um dos maiores plantéis dessa ave no mundo. Mas então por que ele ainda não é um dos maiores exportadores da carne deste animal? Ou por que a carne de avestruz é tão pouco conhecida entre os brasileiros? É o que tentaremos explicar aqui.

O ato pioneiro para a criação de avestruzes no Brasil ocorre em maio de 1994, quando o casal Laura Luchini e Marco Costa fez o primeiro pedido de importação de avestruzes ao Ibama. A importação efetiva aconteceria um ano depois, em maio de 1995, quando 12 filhotes da ave desembarcaram no País. Tratou-se da primeira entrada de avestruzes com interesse comercial de criação que se tem notícia.

A produção de avestruzes se revelou muito vantajosa e competitiva desde que foi implantada no Brasil. Nesse período o Brasil passou a ocupar lugar de destaque mundial nesse criatório que tão bem se adaptou às condições climáticas de nosso país, evoluindo de ave exótica para zootécnica e ganhando a confiança de criadores das mais diversas regiões. A atividade despertou interesse entre empresários, pecuaristas e profissionais liberais pela possibilidade de realização de um novo investimento.

De lá para cá muita coisa mudou na estrutiocultura brasileira e a principal delas foi a popularização da sua criação. Hoje o plantel brasileiro é o segundo maior do mundo. Só no estado de São Paulo são 100 mil aves. A sua criação se tornou altamente lucrativa e competitiva. O setor estava indo de vento em popa, até que uma tempestade atingiu em cheio os criadores da ave. “O maior problema que o criador brasileiro de avestruz enfrentou até hoje foi a quebra da Avestruz Master”, explica Júlio Cabrino, presidente da Associação dos Empreendedores Paulistas da Estrutiocultura (AEPE). A Avestruz Master era uma empresa de Goiânia que tinha filiais em sete estados e milhares de investidores, que compraram títulos da empresa, correspondente a um avestruz, para depois lucrar com a venda da carne e outros produtos do animal. “Praticamente toda a criação de avestruzes era destinada a atender à Master. Um animal era vendido por 600 reais para o abate e a Master pagava 1500 reais por ave. Então não fazia sentido o criador vender aves para o abate” continua Júlio.

A quebra da Avestruz Master deixou os criadores desamparados, pois eles não contavam com uma infra-estrutura adequada para o abate das aves. O Brasil possui poucos frigoríficos exclusivos para avestruzes e a oferta de aves é muito maior do que a demanda, tanto interna quanto externa; já que o Brasil está impossibilitado, por enquanto de exportar carne de avestruz para a Europa, o maior mercado consumidor dessa ave. “O produtor de avestruz teve que se contextualizar à nova realidade do mercado brasileiro e vender suas aves diretamente para o abate. Com isso, o criador acabou diminuindo muito a sua margem de lucro.” explica Luís Robson Muniz, presidente da Associação dos Criadores de Avestruzes do Brasil (ACAB).

Mesmo com esse empecilho, a produtividade dos plantéis não diminuiu, ao contrário, aumentou e muito. Segundo dados da AEPE, o tamanho do plantel nacional até 2006 passa das 426 mil avestruzes. Até setembro de 2006, o abate da ave já registrava crescimento, saltando de 80 para 200 toneladas. O consumo da carne da ave também se consolidou mais no Brasil e o Estado de São Paulo assumiu a liderança no segmento, passando a ser o Estado que mais consome carne de avestruz. O Brasil assumiu no ano de 2006 o segundo maior plantel de avestruzes no ranking mundial e ultrapassou as 300 mil aves totalizadas pelos Estados Unidos, disputando genuinamente, a liderança com a África do Sul, com aproximadamente 650 mil avestruzes, segundo dados até setembro de 2006, divulgados por profissionais e fontes da inspeção federal do Ministério da Agricultura. No Estado de São Paulo, mensalmente, foram abatidas mais de 600 avestruzes; números estes contabilizados por dois dos frigoríficos e abatedouros adaptados e sifados do Estado de São Paulo, localizados no interior paulista, entre Amparo e Araçatuba. A Estrutiocultura Brasileira movimentou em 2006, até setembro, aproximadamente R$ 70 milhões em faturamento. Maior do que o registrado no mesmo período de 2005. As entidades de representatividade no setor, ACAB e AEPE, apontam como as principais razões para este crescimento, a formalização do plantel nacional, fechamento da cadeia produtiva do setor e também o aumento no número de abates. O aumento da oferta de produtos e derivados da carne de avestruz, assim como o crescimento no número de marcas no mercado interno, também colaboraram para o aumento do faturamento da cadeia produtiva da ave.

Ainda que o setor conte com números favoráveis, os criadores de avestruz tiveram outro contratempo. A Europa, o maior mercado consumidor de avestruz, tanto da carne como do couro, resolveu no ano passado endurecer suas barreiras sanitárias por conta da gripe aviária e o Brasil teve que adequar o Plano Nacional de Controle de Resíduos (PNCR) às novas regras. “Para voltarmos a exportar para a Europa, a ACAB, junto com a AEPE enviou uma solicitação ao Ministério da Agricultura para que ele realize uma auditoria nos frigoríficos e verifique os procedimentos sanitários para dar um parecer no PNCR. Isso deve ocorrer nas próximas semanas”, explica Robson Muniz. “Não estamos exportando carne agora por causa das novas exigências do mercado internacional, mas em setembro ou outubro estaremos com o PNCR adequado” afirma Valmir Brustolin, gerente geral da Betel Avestruzes.

A Betel Avestruzes, inclusive, é a propriedade mais adequada às novas exigências do mercado internacional, afinal é a única do mundo que tem o certificado ISO: “O Brasil é o primeiro país do mundo a conseguir certificação de qualidade [ISO] 9001:2000 e também a 14001:2004 que é a [certificação] ambiental em avestruzes. Em avestruzes nós somos os primeiros do mundo. E com essas epidemias como o mal da vaca louca ou a gripe aviária, criou-se uma normativa chamada segurança alimentar que é a ISO 22000 e nós fomos buscar os procedimentos para adotar essa certificação e nos adequarmos; e o Brasil acabou conseguindo no ano de 2006 a primeira certificação ISO 22000 do mundo em qualquer segmento em proteína vermelha; e isso a Betel avestruzes foi a primeira a conquistar. Enfim, até a porteira nós estamos preparados. Da porteira pra fora agora é o frigorífico que tem que fechar essa cadeia”, explica Valmir Brustolin, que ainda mantém projetos assistenciais nas APAEs de Paulínia e Cosmópolis. Ali, jovens excepcionais aprendem a fazer artesanato com produtos derivados do avestruz, como ovos e penas.

Entraves e desafios

O adequamento do PNCR é visto como vital para o setor, já que aproximadamente 70% da carne produzida no Brasil é destinada à exportação. “O Brasil é o segundo maior consumidor de carne vermelha do mundo, mas não tem o hábito de comer carne de avestruz”, explica Brustolin. O avestruz, apesar de ser uma ave, possui a carne vermelha. “A carne de avestruz é muito mais vermelha que a carne de boi. Muitos consumidores acham ela escura e pensam que está estragada mas ela tem esses aspecto porque é riquíssima em ferro. Por isso a ACAB, junto com os seus associados estão trabalhando para tornar a carne de avestruz popular entre os brasileiros. Campanhas de marketing serão produzidas em breve para aumentar o consumo interno da ave”, afirma Luís Robson Muniz. “A carne de avestruz tem tudo para fazer sucesso entre os brasileiros, já que é uma carne vermelha, possui menos gordura, menos colesterol, é rica em ferro e em ômega três e é tão saborosa como a carne de boi”, afirma Valmir. E é mesmo. Nossa reportagem teve a oportunidade de experimentar a carne de avestruz e pôde comprovar que é uma carne macia, saborosa e com pouquíssima gordura. Além de provar o ovo que é quase igual ao de galinha, mas com a vantagem de ser bem maior. O que impede de ela ser mais acessível aos brasileiros é o preço, já que o quilo da carne está custando em média de 25 a 45 reais. Mas com o aumento do plantel, os criadores acreditam que o preço cairá bastante. “A carne de avestruz já é bastante consumida em restaurantes refinados e nos empórios”, afirma Robson Muniz. Outros dados: Muniz explicou que os potenciais compradores de carne de avestruz no Brasil somam 3 milhões de pessoas, que poderiam consumir 7000 toneladas de carne por ano. Mas no ano passado foram abatidos 14.306 animais que geraram 430 toneladas de carne, ou seja, o plantel é insuficiente para abastecer o possível mercado consumidor brasileiro. “Falta mesmo divulgar a carne [de avestruz], investir no marketing”, conclui.

Criar avestruzes é um negócio vantajoso, dizem os criadores, mesmo com a readaptação do setor e com as novas exigências do mercado internacional. Só é preciso saber aproveitar tudo aquilo que a ave pode dar aos criadores. Por exemplo: O couro do animal possui um valor elevado. Ele pode ser vendido a até 600 reais por ave. “Só que os criadores acabam vendendo a pele salgada para os curtumes por cerca de 120 reais. Se os próprios criadores curtissem o couro, os seus lucros aumentariam bastante”, afirma Luís Robson Muniz. O avestruz é um animal que não requer muitos gastos. Ele consome cerca de 20 reais por mês em ração, não requer muitos cuidados veterinários, a não ser do zero aos noventa dias, que é uma fase mais crítica de sua vida. “A criação de avestruz pode viabilizar pequenas propriedades, já que ocupa pouco espaço e pasta muito menos se comparado aos bovinos. E sua rentabilidade é o dobro da do boi quando vendido para o abate”, explica Muniz.

A estrutiocultura brasileira provou a sua força e o seu potencial após passar por crises e também por não receber nenhum estímulo do Estado: “Não temos nenhum incentivo do Governo para a produção de aves nem para frigoríficos, nada. Esse mercado está carente, temos de descobrir todos os caminhos sozinhos”, afirma o criador Valmir Brustolin, mas mesmo após reveses e pouco caso do Governo, os produtores se mostram confiantes em sua capacidade e no interesse do mercado, tanto interno como externo, nessa ave. Júlio Cabrini, presidente da AEPE deixa isso claro ao concluir sua entrevista: “Acho que o melhor momento [da estrutiocultura no Brasil] ainda está por vir”.

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