Re-eleito, o presidente Luis Inácio Lula da Silva terá pela frente um grande desafio: tomar medidas urgentes e consistentes para tirar alguns dos principais setores do agronegócio de uma crise que só se agravou nos últimos dois anos.
Terminadas as eleições presidenciais e confirmadas as previsões, o agronegócio começa a estudar os caminhos a seguir para retomar o crescimento e obter dividendos capazes de recolocar a atividade agrícola e pecuária no lugar em que ela merece. Ainda traumatizadas com os efeitos que a atual política econômica do governo Lula provocou em alguns dos principais setores do agronegócio, como a soja e a carne, até pouco tempo atrás os carros chefes das exportações brasileiras e responsáveis pela ascensão do setor, as principais lideranças começam a se movimentar no sentido de pressionar o governo para pontos considerados cruciais na sobrevivência dessas atividades.
Mais do que aceitar possíveis mudanças na atual política econômica (improvável) ou encontrar caminhos eficazes para contornar os principais problemas enfrentados pelo setor, o governo federal terá que demonstrar ainda sensibilidade às reivindicações legítimas dos produtores rurais, evitando a demagogia, discursos evasivos, ou tentativas de minimizar a real dimensão dos problemas do setor. Além disso, o surgimento de novas áreas promissoras de exploração, como o biodiesel, por exemplo, não podem servir de fachada para esconder ou suplantar os setores que vem encontrando dificuldade. O sucesso de determinados setores não pode ser usado para justificar ou amenizar o fracasso de outros. A diversificação é bem vinda e extremamente necessária, porém, ela só é válida se representar uma soma de novas atividades às já consolidadas e não a substituição de uma atividade por outra. É hora de dar um basta definitivo numa característica histórica da atividade agrícola em nosso país: a monocultura.
Lista de problemas é grande
Institucionalmente, questões como a defesa à propriedade e a aplicação de critérios mais técnicos e responsáveis para a implantação da reforma agrária, aparecem como um dos pontos principais. Outros itens mais voltados para a viabilidade econômica da atividade, entretanto, são apontados como mais urgentes, entre eles, cortes nos juros e impostos, melhoria da infra-estrutura de portos e da malha rodoviária e ferroviária e maiores investimentos na defesa sanitária e em pesquisas.
Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João de Almeida Sampaio Filho, o novo governo terá que promover um choque de gestão em sua estrutura e planejamento de ações, se quiser dar o devido valor à agricultura. “O governo Lula errou mais do que acertou com relação à agricultura. Acertou ao apoiar o avanço da agroenergia e na regulamentação da soja transgênica. Porém, cometeu equívocos na questão agrária, política macroeconômica, atribuições dos ministérios e na política agrícola em si”, avalia João Sampaio. Para o presidente da SRB, o setor tem um peso que nenhum outro tem, mesmo carecendo de uma agenda de políticas públicas condizente à sua contribuição na geração de oportunidades, emprego, renda e superávit das contas em favor do desenvolvimento do País.
João Sampaio chama atenção para necessidade de ajustes em três pontos-chave: segurança jurídica (direito de propriedade e programa agrário); desafios macroeconômicos (câmbio, juros e impostos); e questões de ordem institucional (raio de atuação dos ministérios). Além destes, alerta para os gargalos da política agrícola propriamente dita, que passam por problemas relacionados à proteção da renda, infra-estrutura logística, defesa sanitária, pesquisa, negociações internacionais e legislação ambiental e trabalhista.
É consenso entre os produtores rurais e as lideranças do setor que, neste segundo mandato do presidente Lula, será imprescindível garantir o direito de propriedade, punir atos ilegais, como, por exemplo, invasões de terras, extinguir o assistencialismo e modernizar a política agrária. O problema, afirmam os produtores, não é falta de terra e sim o “falido modelo distributivista”.
“Os assentados não conseguem sobreviver, quiçá se desenvolver sem ajuda governamental. Para ser viável, a terra requer aptidão para o trabalho no campo, infra-estrutura, crédito, gestão, entre outros fatores. Será preciso investir na emancipação econômica dos assentamentos que já existem, não criar novos”, sentencia Sampaio.
Mas talvez, ações conjugadas que resultem no corte dos juros, do déficit público e dos impostos seja o maior, e mais temido desafio do governo nos próximos quatro anos. Este conjunto de iniciativas, aliado à permissão para que o exportador tenha autonomia para internalizar parte ou total de sua receita quando entender ser conveniente trará resultados importantes: diminuirá a entrada de dólares, favorecendo a valorização da moeda norte americana, atrairá menos capital especulativo e mais investimentos diretos, reduzindo custos e facilitando o acesso ao crédito.
Questões institucionais
Acabar com a dicotomia de dividir a agricultura em dois módulos também será uma tarefa importante do novo governo. Enxergar a produção familiar como rival da empresarial – atividades complementares, que, juntas formam o agronegócio – é sustentar uma estrutura ministerial burocrática, gerando gastos supérfluos e paralisando as ações. O ministério da Agricultura não tem alçada sobre questões-chave para o setor (licenciamento ambiental, questão agrária, infra-estrutura). O mais racional será catalisar as decisões relativas a estas e outras áreas num único posto de comando.
Uma política agrícola eficiente, reivindicação feita em uníssono por toda a classe ruralista, passa por investimentos no seguro, crédito e ferramentas de comercialização, que protejam a renda do produtor rural. No caso do seguro, serão necessários mais recursos para subvenção, abertura do mercado de resseguros e fundo de catástrofe. No tocante a crédito e comercialização, mais recursos, com aumento do Plano Safra, uso dos mecanismos de sustentação de preços e estímulo às transações em bolsa, a partir da diminuição das exigências financeiras para as operações.
Rodovias precárias, poucos portos e os que existem sobrecarregados, malha ferroviária reduzida, hidrovias subutilizadas e falta de armazéns minam a competitividade do setor. Como a produção agrícola é em sua maior parte transportada por caminhões, o sucateamento das estradas encarece o frete. Serão necessários investimentos pesados, não paliativos, em todos os modais. As PPPs são uma alternativa.
Além disso, investir pesado em defesa sanitária e pesquisa rural, áreas estratégicas para competitividade da agricultura, terá que ser a tônica do novo governo. O corte de verbas destinadas à sanidade fez ressurgir a febre aftosa. No caso da pesquisa, a Embrapa, por exemplo, deverá se dedicar à agricultura como um todo e não de forma sectária.
O Brasil terá que investir simultaneamente na corrente de formação de acordos caso a caso, blocos comerciais e na negociação global, desenvolvendo uma estratégia de atuação mais voltada aos ganhos econômicos do que o “status” político. As negociações bilaterais são alicerce para os acordos entre blocos comerciais, que por sua vez, funcionam como base para o multilateralismo.
Desaparecer com o viés ideológico e a burocracia serão prioridades. As decisões terão que ocorrer sob à luz da ciência e da racionalidade, como, por exemplo, no que diz respeito à biotecnologia, APPs, reserva legal, entre outros pontos. Na questão trabalhista, será necessária uma nova legislação que regularize a atividade de curta duração e cíclica no campo, tapando o buraco da lei atual, que disciplina o trabalho rural de modo análogo ao urbano.