Numa propriedade de 400 hectares, com 112 hectares de pastagem, sendo apenas 8 hectares de pasto cultivada, ele vem registrando produção média de 50.000 litros/mês, de um leite de excelente qualidade, num rebanho formado por vacas da raça Holandesa.
Mas, o grande desafio da Estância Santo Antônio, de Fernando Bueno Simões Pires, não é apenas aumentar a produção de leite através do manejo e da genética do rebanho. Numa região onde é freqüente a incidência de doenças reprodutivas como a IBR, a BVD e a leptospirose, causadoras de aborto, ele é um ferrenho defensor da vacinação. “Não se pode arriscar. Um ano de alta freqüência de abortos por doença vai comprometer a rentabilidade do seu trabalho lá na frente”, alerta o produtor, comparando uma vaca vazia, com um cartão de crédito com limite alto:
“Você gasta, gasta, gasta e na hora de quitar a dívida não há dinheiro que chegue. Um novilha vale pela cria que dá. Só o leite não paga o que ela custa”.
As medidas preventivas, através de vacinação, começaram em 2001, ano em que Fernando Bueno experimentou uma vacina com o vírus da IBR termossensível, uma tecnologia nova na época, e que ainda gerava desconfiança por parte de muitos produtores. Muitos, mal informados, tinham receio de que o vírus vivo poderia, ao invés de proteger, atacar todo o rebanho. “O resultado foi fantástico, surpreendente, como tirar o problema com a mão”, conta. Já no primeiro ano de aplicação, num total de 153 vacas vacinadas, o índice de aborto caiu quase que à zero, sendo registrados apenas dois abortos, por outras causas.
O que parecia a solução do problema para o pecuarista, entretanto, acabou se tornando motivo de preocupação no momento em que o Ministério da Agricultura, em 2001, por conta do problema da vaca louca na Europa, proibiu a importação de produtos biológicos de qualquer natureza. Com isso, as vacinas saíram do mercado no ano seguinte.
Diante deste impasse, e voltando a registrar preocupantes índices de aborto no rebanho, Fernando Bueno optou por outro tipo de vacina, mais comum, com o vírus inativado (morto). A primeira vacinação ocorreu em 2004, o resultado, porém, não tardou a aparecer, contrariando as expectativas: em 29 vacas vacinadas, 41,37% (12 vacas) abortaram, 27,58% estavam vazias e apenas 31% pariram. Mesmo vacinando no ano seguinte, em 193 vacas, 13% (ou 25 vacas) abortaram, índice que este ano já superava os 7,38% (11 vacas) até o meio do ano, com 143 vacas vacinadas.
Este ano, com a volta das vacinas com o vírus termossensível, ele já se prepara para vacinar mais confiante nos resultados, lembrando que uma prevenção eficiente só se restringe à vacinação. “Não há como impedir, através do manejo, que o vírus entre no rebanho. O touro ainda é o maior agente de disseminação, mas o vírus pode vir até mesmo no sêmen”, alerta, ressaltando, porém, que a maioria das centrais de inseminação, hoje, fazem testes regulares tanto no sêmen, como no animal quando está em coleta.
A questão econômica, segundo ele, também não é motivo para deixar de vacinar. O ponto de vista é também defendido pelo médico veterinário Rafael do Amaral Martins: “O custo da vacina é bem acessível. Um único aborto evitado, na ponta do lápis, paga o custo da vacinação de todo o rebanho. É um animal a mais na fazenda entrando em produção no futuro. Some o quanto renderia uma novilha em toda a sua vida produtiva e reprodutiva. Não vacinar, é uma economia que não vale a pena”, sentencia.
Rusticidade a toda prova
Animal nascido, começa um outro processo que, segundo o proprietário da Estância Santo Antônio, é tão importante quanto a fase anterior. Na fazenda, todo animal tem que aprender a enfrentar as adversidades do clima desde cedo. Assim, as terneiras (bezerras) são levadas ao campo precocemente e lá ficam as 24 horas do dia. Bueno explica que essa é uma forma de preparar a fêmea para enfrentar o frio e o calor, que se alternam de forma intensa na região, e também promover uma seleção rigorosa pela rusticidade. “Uma terneira que não agüenta ficar aqui nesta fase, não vai ser uma boa vaca no tambo. O meio ambiente vai afetar sua produção”, explica, lembrando que, durante a lactação, ele não dá nem vermífugo para as vacas.
A filosofia do produtor se justifica. As matrizes da fazenda só recebem trato nos períodos críticos de seca. O restante do tempo, tem que se virar com pasto, a maioria nativo. “Temos boas leguminosas nativas, como a babosinha, por exemplo, tão boa quanto a alfafa”, garante ele, adepto do sistema voisin. Na propriedade, 112 ha de pastagem estão divididos em 65 “potreiros” (piquetes), com alta rotatividade, sendo 52 deles de aproximadamente 1 ha cada e 13 de dimensões maiores. “Não seguimos uma ordem pré-estabelecida. O gado sempre vai para o potreiro que estiver apresentando as melhores condições”. Bueno reserva ainda 87 ha para a recria.
Além de primar pela rusticidade, Bueno também toma medidas que garantem a alta qualidade do leite produzido. Com um controle rigoroso e constante, que garante favorável resultado na contagem de células somáticas, o produtor não titubeia ao descartar qualquer vaca que não atenda às exigências ou que coloquem em algum tipo de risco o resto do rebanho. “Mastiteiras, aqui, não tem vez! É descarte na certa!”, assegura, afirmando que cuidados na alimentação e no manejo reprodutivo são a maior parte do caminho para o sucesso na atividade: “Tiro meu sustento do leite há muito tempo, e continuo apostando na atividade”.
O produtor afirma, entretanto, que o maior gargalo do setor é também o mais difícil de ser superado: a comercialização. “Produtores e cooperativas, somos todos reféns das grandes redes. Elas é que ditam as regras, pagam o que querem e impõem as condições que lhes favorecem. A nós, cabe apenas continuar nessa árdua luta para produzir cada dia mais”.