É o que está acontecendo com o produtor rural Carlos Abe, proprietário da fazenda Guirra, na região do Vale do Paraíba, em São Paulo. A propriedade, que foi adquirida pela família em 1974, trabalha no cultivo de cogumelos desde 92. A primeira espécie produzida foi o Shitake e, pouco depois, o Agaricus Blazei, conhecido popularmente como cogumelo do sol.
A fazenda usa métodos tradicionais para manejar a produção, a maioria, praticados no Japão há mais de oitocentos anos, e trazidos ao Brasil no inicio da década de 80.
Abe conta que, numa dessas ocasiões ele esteve num curso ministrado no bairro da Liberdade, em São Paulo, sobre cultivo de Shitake na tora de eucalipto. No término da palestra foi sorteado e ganhou de presente a tora usada como demonstração. Algum tempo depois, já na fazenda, o produtor verificou que a frutificação do fungo era muito boa e que valia a pena investir na ampliação do negócio uma vez que a lavoura de eucalipto já tinha sido iniciada por seu pai, Manabu Abe.
Como a propriedade fica localizada numa área de preservação ambiental, o produtor resolveu diversificar suas atividades e desenvolveu um trabalho de turismo rural.
A beleza do local e a forma exótica de se cultivar cogumelos dentro da mata fechada, ainda hoje são o principal atrativo do lugar, que recebe todos os anos uma grande quantidade de visitantes. De acordo com o proprietário, todo esse conhecimento milenar permite que o produtor adote um modelo semi-artesanal, com pouca tecnologia e baixo custo operacional.
Agora, uma coisa que não pode ser desconsiderada na hora de iniciar um cultivo de cogumelos, é saber se as condições ambientais da propriedade são favoráveis para a frutificação do fungo. Como grande parte dos cogumelos consumidos no Brasil têm sua origem nas florestas de clima temperado da Ásia, Japão, China, as condições de cultivo no Brasil, também não podem ser muito adversas. Nesse ponto Abe é categórico: “no caso da propriedade não oferecer condições para o cultivo natural do fungo, ou seja, altitude entre 1200 e 1500 metros, floresta com vegetação abundante é melhor escolher outra atividade”.
Hoje, as cidades brasileiras que tem a produção de cogumelos como atividade melhor desenvolvida, são justamente aquelas próximas a região serrana do Rio de Janeiro e São Paulo, numa faixa que se estende ao longo do Vale do Paraíba. O número de fazendas que se dedicam a cultivar cogumelos ainda é pequeno se comparado ao potencial que a região possui e a demanda crescente por produtos que usam o cogumelo como matéria-prima.
Manejo do Shitake é simples e prático
A técnica mais usada para produção de cogumelos é baseada na inoculação do fungo na madeira de eucalipto, deixado em condições naturais dentro da floresta. É importante que a madeira seja inoculada, ainda verde, num prazo de até dez dias após o corte, para a umidade no seu interior necessária para o desenvolvimento do fungo. A medida da tora deve ser de 1 metro de cumprimento, por 15 a 20 centímetros de espessura.
Para fazer a inoculação, o produtor vai precisar de uma furadeira, usada para perfurar a madeira, e uma broca especial para cultivo de cogumelos. A dificuldade é que os equipamentos não são encontrados com facilidade no mercado brasileiro e precisam ser importadas do Japão, destaca o produtor. Segundo ele, a máquina de perfurar pode ser substituída por uma ferramenta nacional, com pequenas adaptações, apresentando resultado satisfatório. No caso da broca, não tem jeito: o modelo é único e precisa ser importado.
A inoculação é a primeira etapa do cultivo e precisa ser feita usando um cavalete de ferro para apoiar a tora. O furo deve ser feito numa profundidade de 2,5 centímetros, em linha reta, com espaçamento entre furos de 18 centímetros. É importante que seja respeitada uma margem nas duas extremidades da tora de no mínimo 5 cm. Tendo como referência essa primeira linha de seis furos, o próximo passo é intercalar a furação da linha de baixo com a de cima. Apenas se deve respeitar uma distância lateral de dois a três centímetros, entre uma linha e outra para que o furo não fique muito próximo. O processo deve se repetir até completar toda a tora. Esse espaçamento alternado vai permitir que o fungo do Shitake se espalhe uniformemente pela madeira e isso melhora a frutificação, explica o produtor.
Concluídos os furos, a próxima etapa é fazer a inoculação ou semeadura da madeira. A semente, que apesar de receber esse nome, nada mais é do que um substrato de serragem ou semente de trigo contaminada pelo fungo, deve ser introduzida na madeira. Esse trabalho é feito com o auxílio de um aparelho chamado inoculador. Com ele a semente é depositada na quantidade certa dentro da base do furo. O processo se repete por toda a madeira.
Uma das vantagens do cultivo de Shitake é que ele funciona muito bem como atividade complementar. Usando um equipamento de qualidade e pessoal treinado o produtor consegue inocular até 250 toras num único dia. Com isso o produtor diz ter acabado com a ociosidade do seu pessoal. “Quando diminui o trabalho nas outras atividades da fazenda a mão-de-obra vai toda para a produção do Shitake”, afirma.
Depois de feita a inoculação, as toras ainda precisam ser impermeabilizadas antes de seguirem para um local, onde vão descansar por um período de oito a doze meses. Usando uma solução à base de parafina e uma enzima todos os furos são vedados. O preparo dessa calda precisa ser feita a uma temperatura de 130 C º para evitar que a semente tenha contato com umidade ou algum contaminante, explica Abe. A aplicação é simples e é feita com um aplicador feito de taquara e um chumaço de palha-de-aço amarrado na ponta.
Assim que termina a etapa da inoculação as toras seguem para uma área chamada pelo produtor de incubadora. Lá elas vão ficar por um longo período que pode variar entre oito e doze meses, aguardando o momento de seguir para a frutificação.
O choque térmico etapa que consiste em mergulhar as toras, numa caixa d’água fria, por um período de 12 horas é o responsável por deflagrar o processo de frutificação. Esse tempo é suficiente para que a madeira fique encharcada e estimule o Shitake a se desenvolver. Outra forma é observar o apodrecimento da madeira para evitar que passe o momento certo de iniciar a frutificação. As toras ficam dentro da floresta empilhadas numa altura de até 2,5 metros. A condição é de muito pouca insolação o que garante um clima bastante fresco. Como as vendas são irregulares a produção também não é uniforme. Assim conforme os pedidos vão entrando o produtor leva uma quantidade de toras para o choque térmico.
Relação custo benefício é vantajosa
A frutificação é feita numa estufa comum de armação simples e coberta com lona plástica preta. O cultivo na tora de eucalipto, por ser natural, proporciona uma grande diminuição nos custo de implantação do Shitake. Existem outras formas de se cultivar o Shitake como o cultivo axênico, feito em blocos de serragem, só que nesse método, considerado artificial o custo é bem mais elevado. O produtor terá de montar toda uma estrutura que nas condições naturais são dispensáveis, ressalta. “O custo inicial para o produtor montar uma estrutura para cultivo axênico é de R$ 40 mil, aproximadamente. No sistema natural feito na floresta esse custo diminui para R$ 2,5 mil a R$ 3 mil”.
A produtividade do Shitake depende do peso da tora que por sua vez tem relação com a qualidade da madeira. Em condições normais uma tora produz de 600 a 650 gramas de cogumelos frescos. Por isso, a escolha da espécie de eucalipto é um ponto importante. O produtor deve dar preferência para espécies usadas na fabricação de celulose como: Eucaliptos Grandes; Eucalipto Saligna entre outras. A espécie eucalipto Citriodora, usado na fabricação de essências, não é indicada para uso na produção do Shitake devido ao forte cheiro que exala. A identificação da espécie pode ser feita pegando uma folha e espremendo nas mãos. Se o cheiro for igual àquelas essências usadas nas saunas, por exemplo, a madeira deve ser descartada.
Segundo o produtor, para quem já tem eucalipto na propriedade, o Shitake é uma ótima opção de renda. Num calculo simples ele mostra o tamanho da diferença entre a venda da madeira como lenha e sua utilização no Shitake. O eucalipto vendido como lenha tem um preço de mercado próximo de R$ 35,00/m³. Já com o Shitake esse mesmo metro cúbico vai render ao produtor um equivalente de R$ 600,00 em cogumelos.
Hoje a demanda pelo Shitake está acima da oferta. Na fazenda Guirra toda venda é feita de forma direta. O produtor conta que consegue vender toda sua produção de Shitake e ainda viabilizar negócios no Brasil com o Agaricus Blezei, uma espécie que possui uma grande importância medicinal e que se transformou numa importante fonte de receita para a propriedade. O principal mercado para o Agaricus Blazei é a Ásia. O produtor mantém negócios diretos com o Japão e por isso é obrigado a comprar a produção de outras propriedades. Ao todo são 34 propriedades que fornecem o cogumelo, regularmente. As exportações para o Japão já ultrapassam os 750 quilos de Agaricus Blazei por mês. Só para se ter uma idéia, do total exportado, apenas 5% é produzido na fazenda.
Mini fábrica na fazenda
O laboratório de biotecnologia montado na propriedade para a fabricação de sementes de cogumelos Shitake e Agaricus Blezei, tem capacidade para produzir 35 toneladas/dia. O produtor usa parte da produção para cultivo próprio e o excedente é comercializado para produtores em todo país. Os cuidados no pós-venda são importantes para manter a qualidade da semente até a hora da inoculação. O transporte tem de ser rápido e o acondicionamento deve ser em local fresco e livre de contaminação. Cada frasco possui 500 gramas de substrato, quantidade suficiente para inocular 10 toras.
A valorização do produto no mercado faz o custo de produção despencar. A semente do Shitake, por exemplo, tem uma participação no custo total de produção de menos de 3%. Isso porque, cada garrafa, se bem manejada, produz 6,5 quilos de Shitake fresco. O preço de venda no varejo hoje é de R$ 15,00 o quilo. E a procura é tão grande, que o produtor não dá conta de atender a todos os pedidos. Já com o Agaricus Blazei a venda é feita in-natura para o Japão e industrializada para o mercado interno. A mini-indústria montada na fazenda proporciona o produtor desidratar o cogumelo para depois fazer a moagem e acondicionamento em cápsulas. Cada pote sai para o consumidor por R$ 64,00 e tem duração de 30 dias. O produtor diz que tem épocas que ele chega vender 1 mil frascos por mês só com serviço de tele-marketing passivo. Para o exterior, dependendo da negociação, o Agaricus Blazei sai até por US$ 300,00 o quilo, “um negócio para lá de rentável”, ele garante.