Agricultura

Soja: o risco das sementes não certificadas

O crescimento no volume de área aplicada à cultura que, desde 1997, aumentou em mais de 700%, fez surgir um aumento na demanda de sementes, proporcional ao tamanho da produção. E, é exatamente nesse ponto que os especialistas falam que está o problema.

O fato do sojicultor brasileiro se beneficiar de uma lei federal que autoriza a produção de sementes para consumo próprio, diferente de outros países onde essa prática é proibida por lei, fez abrir um precedente para que se formasse um mercado paralelo para venda de sementes. Por exemplo, um produtor que possui uma área de 100 hectares e que pretende produzir sua própria semente, pela lei ele só poderá cultivar uma área equivalente a 2 ou 3 hectares, para esse fim, explica José de Barros França Neto, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Soja, Embrapa Soja, de Londrina, PR.

Segundo França Neto, em outras palavras, para semear um hectare de soja o agricultor precisa de uma saca e meia de 50 quilos de grãos de semente. Aí é só pegar esse número e multiplicar pelo volume de área que será utilizada. Para uma área de 100 hectares a quantidade de grãos necessária deverá girar entre 60 e 70 sacas de 50 Kg. De acordo com o pesquisador, o que está acontecendo, no entanto, é que tem produtor que está cadastrado como produtor de sementes para subsistência, mas, usa parte da sua colheita para vender à amigos, visinhos ou mesmo à terceiros no mercado informal.

Esse comércio paralelo causou, no ano passado, um aumento desproporcional na produção de sementes transgênicas no Rio Grande do Sul. Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mostram que os produtores gaúchos são, atualmente, os lideres do ranking do comércio de sementes não certificadas. Na última safra menos de 50% do volume de sementes compradas na região, eram de fontes oficiais, lembra Ywao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes (Abrasem).

Miyamoto diz que esse ano o problema deve se agravar ainda mais, devidos às estiagens que aconteceram nas cidades gaúchas e que dizimaram boa parte da safra. Os números apontam para um número de apenas 3% do total de sementes usadas no estado como de fontes oficiais.

O oposto, no entanto, acontece com o estado do Mato Grosso, maior produtor de soja do país e que tem mais de 90% da sua produção dentro das normas do ministério. O estado detém o recorde de produtividade na soja, acima, inclusive, da média nacional. São mais de 2.800 quilos/ha, sendo que a média do país é de 2.300 Kg/há. O sojicultores paranaenses que em outras épocas tiveram 90% das suas lavouras plantadas com sementes legais, nesta safra caíram para 55%. Os produtores do Mato Grosso do Sul, são outro exemplo de retrocesso. Na virada do século a produção do estado era 70% de sementes certificadas, hoje, este número é de apenas 45%. Os estados de São Paulo, Goiás e Santa Catarina, estão com as médias entre 80% e 90%.

O presidente da entidade que representa os produtores oficiais de sementes, faz um alerta e pede para que os produtores não dêem um tiro no próprio pé. Já o pesquisador da Embrapa Soja, diz que o produtor está sendo atraído pelo baixo preço da semente pirata. Segundo ele, na cidade de Londrina, região norte do Paraná, uma saca de 50 Kg de semente não certificada, chega custar menos da metade da saca comprada nos postos autorizados.

Segundo França Neto, isso só é possível porque esse produtor que vende semente própria não paga nenhum tipo de imposto ou taxa governamental, Além disso, esse produtor não faz nenhum tipo de testes de germinação ou vigor, essenciais para a garantia da qualidade da semente“, destaca. O pesquisador conta ainda que é muito comum produtores que estão com lotes de semente apresentando índices de germinação e vigor entre 75% e 50%, respectivamente, ligarem para a unidade atrás de orientação. A recomendação é sempre a mesma: grãos com menos de 90% de germinação e 75% de vigor, não podem ser usados nem vendidos como sementes.

O caminho da certificação

Toda vez que uma nova variedade de semente sai dos laboratórios dos centros de pesquisa e tecnologia e chegam até o mercado para ser consumida pelos agricultores, por traz, ela tem uma quantidade enorme de trabalho e investimento despendido. Alguns projetos de pesquisa chegam a custar milhões de dólares em investimentos, dinheiro que de alguma forma, precisa retornar aos cofres do governo ou das empresas formadoras de tecnologia.

Assim que a pesquisa dá por encerrada sua parte, segue-se todo um tramite legal para formar a patente dessa nova cultivar. Feito isso, o agricultor que tiver interesse em adquirir essa semente deverá pagar um valor em royalties para essa empresa ou instituição de pesquisa detentora da patente. Para que isso ocorra, a nova espécie precisa ser registrada no Registro Nacional de Cultivares, mantido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para evitar que essa variedade seja comercializada fora dos padrões de qualidade e sanidade exigidos.

Com o surgimento da biotecnologia, a quantidade de espécies que todos os anos ganha o mercado é enorme. O cadastro tem centenas de nomes de espécies de soja, milho, trigo, algodão, e muitas outras espécies vegetais.. A Embrapa, por exemplo, recentemente lançou 14 novas cultivares de soja transgênicas e convencionais que vão chegar ao mercado este ano com os nomes de (BRS 225 RR, BRS 256 RR e BRS Yara ), por exemplo. Outros institutos de pesquisa como Coodetec, IAPAR, IAC, além das escolas de agricultura ligadas ás universidades federais, têm seus trabalhos de desenvolvimento de sementes e isso sem contar as inúmeras empresas multinacionais que investem pesado no segmento.

Uma variedade só é liberada para compra dos produtores de semente depois de transcorrer todas as etapas da certificação. Quando chega nesse estágio ela é conhecida como semente básica. Sua quantidade é sempre pequena, porque o trabalho de multiplicação, ainda não foi iniciado, explica Ywao Miyamoto, presidente da Abrasem. Um ano depois, esse grão colhido nas lavouras de produção de sementes vai se tornar semente certificadas 1, que será vendida novamente para a multiplicação. No próximo ano, na condição de semente certificada 2, esse grão é liberado para uso nas lavouras de produção de óleo e farelo. Mesmo após liberação a variedade continua sendo plantada nos campos de multiplicação de sementes e passam pelos estágios S1 e S2. Todo esse trabalho é acompanhado pelos técnicos do ministério da agricultura que realizam testes, ano a ano, tudo para garantir que a semente não perdeu qualidade.

Miyamoto, mantém uma produção de 600 mil sacas de semente de soja e 400 mil de trigo, na região de Londrina, PR, ambas certificadas pelo ministério da agricultura. Para ele, a ilegalidade na venda de sementes é muito prejudicial ao país. ´´O produtor que trabalha de acordo com a lei de produção de sementes, periodicamente, recebe a visita dos fiscais do ministério. O fiscal leva amostras para os laboratórios que medem capacidade de emersão, vigor e mistura, além da presença de doenças“, lembra. ´´O atestado de garantia e controle para comercialização da semente é a única garantia que o produtor tem, de que o estabelecimento onde ele está comprando é confiável“, conclui.

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