Até pouco tempo, o setor usineiro dependia exclusivamente da mão-de-obra humana para realizar o corte da cana-de-açúcar. Eram famílias inteiras de trabalhadores rurais que passam horas todos os dias, enfrentando as condições mais adversas para desempenhar seu trabalho. Só que de uns tempos para cá, o processo de colheita da cana passa por um intenso processo de mecanização. Essa mudança de perfil, onde o homem está cedendo, gradualmente, lugar à máquina, faz, em partes, a colheita nas lavouras de cana-de-açúcar ficar mais eficientes, observa Roberto da Cunha Mello, pesquisador do IAC, Instituto Agronômico de Campinas.
Segundo Mello, a colheita manual favorece a diminuição das perdas decorrentes do corte desigual das colhedoras. Estudos mostram que na colheita feita com a foice as perdas raramente ultrapassam 5%. Já com as máquinas esse percentual pula para 15%, fato que se reflete diretamente na produtividade. Os prejuízos advindos dessa prática, também não são pequenos. Considerando que a área plantada no estado São Paulo, é de aproximadamente três milhões de hectares e a produtividade está próxima das 100 toneladas/ha, esse percentual equivale a uma perda anual para o setor de R$ 20 milhões. O governo também sofre com a baixa produtividade da coleta e processamento da cana-de-açúcar. Só de ICMS, imposto sobre circulação de mercadorias, o estado deixa de arrecadar 10% do faturamento bruto das usinas, o que equivale, neste caso, um montante de 2 milhões de reais.
O principal problema que envolve a colheita manual, segundo o pesquisador, está relacionado aos danos causados à esses trabalhadores, que passam horas de baixo de sol forte e numa posição pouco confortável. Por conta disso, são comuns os problemas de saúde, principalmente naquelas pessoas que estão no oficio, há mais tempo. “Os casos mais comuns são, justamente, os mais sérios, envolvendo problemas na coluna o que pode inutilizar esses trabalhador”, enfatiza.
Outro dado interessante e que faz parte de um estudo do IAC, é sobre o nível de escolaridade dessas famílias. Na medida que esses trabalhadores vão evoluindo nos estudos, automaticamente eles procuram atividades menos dispendiosas, explica o técnico. Na década 1980, mais de 90% dos bóias-frias que trabalhavam no corte da cana em São Paulo, tinham, no máximo de 2 a 2,5 anos de escolaridade. Os números, hoje, já mostram uma realidade bem diferente. Os números de um estudo realizado pelo IAC, com essas famílias, desde a década de 1980, mostra uma diminuição gradativa no setor do número de trabalhadores dispostos se empregar no corte da cana. ´´Os próprios trabalhadores estão buscando qualificação em outras áreas para mudar de ocupação“, conclui Mello.
Hoje existe um movimento dentro do setor usineiro de tornar a colheita da cana-de-açúcar mecanizada uma realidade nos próximos anos. No entanto, ele próprio não acredita que esse processo aconteça tão rapidamente. Na região Sudeste, onde se concentra mais de 70% da produção de cana-de-açúcar do país, cerca de 40% da colheita é feita através da mecanização. Outros estados como, Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul, esses índices é um pouco maior devido as lavouras serem mais recentes. ´´A mecanização nas lavouras de cana-de-açúcar, sobretudo, dentro na região Sudeste, vai ocorrer de forma lenta e gradual. E isso porque a máquina apesar de mais eficiente na realização do processo é também mais exigente“. Para o pesquisador do IAC, o setor usineiro ainda depende de um amadurecimento na formação de mão-de-obra capacitada, que possibilite atender uma demanda que é crescente “Agora, a incorporação de novos conceitos de agricultura de precisão, com máquinas e implementos cada dia mais inteligentes, inclusive, com monitoramento via GPS, deve acelerar esse processo”, conclui.
Plantio preocupado com a colheita
Quanto ao cultivo a preocupação do produtor deve começar antes mesmo do plantio. De acordo com o pesquisador do IAC, em outras palavras, isso significa criar condições dentro da área de plantio para a entrada do maquinário de colheita. E isso se faz na hora de planejar a semeadura. Para o técnico o produtor deve sistematizar o terreno de modo a tornar o carreadores, ( ruas dentro da lavoura por onde vão circular as colhedoras e os caminhões) , mais inteligentes.
No Brasil ainda é muito comum se encontrar regiões onde se planta cana-de-açúcar, próximo de topografias acidentadas, lembra Mello. Segundo ele, as curvas de nível e áreas com declives acentuados são um problema para as colhedoras, pois a grande parte dos equipamentos são ajustados para um corte numa altura de 30 cm acima da base do solo. “As usinas atualmente na tentativa de diminuir suas perdas estão realizando um corte rente ao solo, muitas vezes, fazendo os facões arrancarem tudo que estiver na frente, inclusive, pedra e outros detritos”.
Outra situação que afeta diretamente a colheita na regiões de clima tropica, são as chuvas, que ocorrem, justamente, no período entre o último terço do mês de Maio até final de Novembro, época que é feita a colheita nas regiões produtoras. “É muito comum, as usinas paralisarem o corte da cana por causa de excesso de precipitação. Chuva forte, acima de 40 mm, 50 mm, onde, corre-se o risco da máquina atolar o processo é suspenso imediatamente, podendo ficar por vários dias “, explica.
Durante a colheita as máquinas trabalham 24 horas, parando apenas para reabastecidas. Por esse motivo, o cuidado para se evitar um esforço excessivo é constante. A mecanização também deve acabar com um problema histórico do setor canavieiro que são as queimadas pré-colheita. Com isso, os representante do setor, pretendem acabar com os danos ambientais oriundos dessa prática como: o empobrecimento do solo, as morte de animais silvestres e o efeito estufa.
Mello trabalha atualmente numa tese onde pretende provar que existe a possibilidade de se elevar o corte da máquina sem prejuízos de produtividade. O pesquisador tenta provar que esse toquinho de cana, não colhida, que fica na superfície do solo, potencializa a rebrota da próxima safra. Segundo ele, isso acontece porque os açúcares que ficam nas plantas servem de armazém natural para manter a planta no período de inverno. “A cana-de-açúcar é uma espécie que possibilita entre 4 e 5 rebrotas, ou seja, ao longo da vida dessa planta é possível o produtor recuperar seu investimento na melhora das condições gerais da sua lavoura”. A pesquisa ainda não foi concluída, no entanto, ele afirma que já existem números que mostram que é possível elevar o corte sem causar problemas de perdas na produtividade.
Outros trabalhos no sentido de desenvolver variedades que apresentem características favoráveis à colheita mecanizada, também estão em andamento. Por esse motivo, o técnico prevê que nos próximos anos ocorra uma migração na produção de cana-de-açúcar de algumas atuais regiões produtoras, caso do estado de Minas Gerais, para outras localidades, por exemplo, o Brasil Central. O motivo, segundo ele, é um clima mais favorável para o desenvolvimento das lavouras, além de uma topografia mais plana o que favorece a mecanização.