Por quase um século o café foi a grande riqueza brasileira. A cultura ocupou vales e montanhas, possibilitando o surgimento de cidades e o aparecimento de importantes centros urbanos por todo o interior do Estado de São Paulo, sul de Minas Gerais e norte do Paraná, regiões naquela época com grandes vocações para a cultura cafeeira. Ferrovias foram construídas para permitir o escoamento da produção, substituindo o transporte animal e impulsionando o comércio inter-regional de outras importantes mercadorias. O café trouxe também grandes contingentes de imigrantes, consolidou a expansão da classe média, a diversificação de investimentos e até mesmo intensificou movimentos culturais.
Através deste pequeno relato histórico, é difícil “imaginar” que uma planta originária da Etiópia (centro da África, onde ainda hoje faz parte da vegetação natural), fez uma grande evolução econômica e chegou no Brasil em 1727, simplesmente pelas mãos do Sargento-Mor Francisco de Mello Palheta a pedido do governador do Maranhão e Grão Pará, trazida escondida em sua bagagem.
Na verdade, a cultura do café, aqui no Brasil encontrou clima favorável e rapidamente se espalhou, com produção voltada para o mercado doméstico. E a busca cada vez mais pela região ideal para a cultura se estendeu por todo o País, se firmando até hoje nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Bahia e Rondônia. Hoje, o café ainda continua sendo um dos produtos mais importantes para o País e é, sem dúvida, o mais brasileiro de todos. O Brasil é o primeiro produtor mundial de café, sendo responsável por 30% do mercado internacional, volume equivalente à soma da produção dos outros seis maiores países produtores. O País é também o segundo consumidor mundial do produto, atrás somente dos Estados Unidos.
No contexto geral, o Brasil apresenta enormes vantagens competitivas para o mercado internacional. E os pesquisadores dos grandes institutos públicos, alertam: as riquezas vividas pelo País, no conhecido ciclo do café, podem estar de volta, graças agora à chamada biotecnologia. “O melhoramento genético em café, é sem dúvida, um dos maiores avanços em tecnologia para o setor, pois o material de arábico originalmente introduzido no Brasil: Coffea arabica variedade arábica ou café Typica, tem uma produtividade muito abaixo das cultivares melhoradas geneticamente e atualmente plantada no País”, relata o engenheiro agrônomo Roberto Antônio Thomaziello, do Centro de Café “Alcides Carvalho” – IAC (Instituto Agronômico de Campinas).
Na opinião do responsável pela área de melhoramento genético de café, Tumoru Sera, do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), o potencial produtivo com o melhoramento genético foi aumentado mais do que 200% quando comparado a primeira cultivar comercial do Brasil, Typica. “Isto significa que enquanto a cultivar não melhorada produzisse 20 scB/ha/ano as cultivares atuais produzem cerca de 60 scB/ha/ano, mantendo ou melhorando a qualidade organoléptica”, diz Sera. Na realidade, após a liberação do cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) no Brasil, o fruto desta planta, desponta agora nas pesquisas nacionais e cria oportunidade de restabelecer uma supremacia histórica. O Instituto Agronômico do Paraná, IAPAR, está testando o café GM em casas de vegetação, visando uniformizar a maturação do fruto. A expectativa é que o material seja testado e aprovado em condições de campo. Além disso, a Embrapa Café, junto com o IAC, estuda a variedade de café resistente a pragas e doenças. “Será muito difícil se agregar maior produtividade em novas cultivares de café. Julgamos que as cultivares de café disponíveis no mercado já alcançaram patamares que dificilmente serão superados. O ganho na nossa ótica será agregar a essas cultivares fatores de resistência a pragas e doenças”, argumenta o engenheiro agrônomo Roberto Antônio Thomaziello, do IAC.
O Caminho das pesquisas
As pragas e doenças são os principais responsáveis por prejuízos das lavouras brasileiras, inclusive da cultura do café, considerado um dos mais importantes produtos agrícolas do mercado internacional. Tentando resolver este problema foi criado o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, coordenado pela Embrapa, em parceria com o IAPAR, onde já existem programas de melhoramento das espécies de café. “A principal característica do programa é a soma de força de todas as entidades na geração e transferência de tecnologia cafeeira de todos os Estados produtores de café. O consórcio atua descentralizado de forma a levar em conta as características climáticas, econômico-sociais e de solo, com mínimo de investimento em infra-estrutura e recursos humanos, maximizando o uso das existentes. O IAPAR pôde, por exemplo, com a disponibilidade de recursos para equipamentos, insumos, mão-de-obra de campo e bolsista proporcionado pelo Consórcio Café, executar muitos projetos que estavam caminhando a passo de ‘tartaruga’. Projetos, como de cultivares para convivência com as geadas, ferrugem, nematóides e colheita escalonada puderam ser avaliados e concluídos para os primeiros resultados”, argumenta o pesquisador.
“A finalidade do Consórcio é desenvolver estudos, pesquisas e atividades de desenvolvimento capazes de dar sustentação tecnológica e econômica ao agronegócio café, por meio da integração das instituições de P&D e todos os demais componentes do setor cafeeiro, no sentido de expandir e consolidar a capacidade de identificação de problemas e geração de alternativas tecnológicas. Atualmente, a Embrapa Café coordena as atividades de P&D que são desenvolvidas por 40 instituições brasileiras, abrangendo doze Estados produtores de café”, diz Gabriel Bartholo, gerente geral da Embrapa Café.
A tendência em buscar bons resultados não se limita ao Brasil. Este filão de mercado já está sendo bem analisado em países mais distantes. O Japão já produz um café com menor teor de cafeína e a França desenvolve uma variedade resistente ao bicho-mineiro, ambos em laboratório. Os Estados Unidos também estudam o café geneticamente modificado. Ou seja, parece que o Brasil não é o único País a acreditar neste caminho próspero.
Futuro Promissor
Além do combate as pragas e doenças, os pesquisadores buscam criar novas variedades que se enquadrem em todos os grupos de amadurecimento, com o objetivo de reduzir o custo de colheita e secagem. O IAPAR, por exemplo, com 30 anos de atuação, possui até o momento 13 cultivares de Coffea arabica, resistentes às raças de ferrugem Hemileia vastatrix já registradas no Ministério da Agricultura, entre elas estão a: IAPAR-59, IPR-97, IPR-98, IPR-99, IPR-100, IPR-101, IPR-102, IPR-103, IPR-104, IPR-105, IPR-106, IPR-107 e IPR-108. As cultivares IAPAR-59, IPR-97, IPR-98, IPR-104 e IPR-105 têm mantido a resistência nos últimos 30 anos, portanto, com característica de resistência duradoura.
“As cultivares IPR-102 e IPR-103 apresentam a característica de resistência parcial duradoura. A cultivar IPR-106, embora perdesse a resistência completamente por surgimento de mais um mutante da ferrugem, mostra tolerância, isto é, é suscetível, mas permite a produção econômica sem aplicação significativa de fungicidas. Destas, foram lançadas três, IAPAR-59, IPR-98 e IPR-99. Para o próximo ano está programado o lançamento de IPR-103, de maturação dos frutos tardia e adaptado para os problemas de temperaturas extremas e alguns problemas de solo. As cultivares IPR-100 e IPR-106 são também parcialmente resistentes aos nematóides Meloidogyne paranaensis e M. incognita raça 2. IAPAR-59 é também completamente resistente em homozigose ao nematóide M. exígua”, revela Sera.
Já, com quase 70 anos de ininterruptas pesquisas com genética e melhoramento do cafeeiro, o Instituto Agronômico – IAC desenvolveu dezenas de cultivares e linhagens de café e acumulou extenso conhecimento sobre suas características e comportamento nas diversas regiões brasileiras. Avalia-se, hoje, que mais de 90% dos estimados quatro bilhões de cafeeiros, cultivados no Brasil, sejam provenientes desses trabalhos. “Alguns cultivares fazem parte da história da cafeicultura nacional. Da mesma forma, outros são à base da cafeicultura de países, especialmente da América Central, como os cultivares Bourbon Vermelho, Caturra Vermelho, Caturra Amarelo e Catuaí Vermelho”, lembra o pesquisador da Embrapa Café, Gabriel Bartholo.
O cultivo de material com resistência à ferrugem – Icatu Vermelho, Icatu Amarelo, Icatu Precoce, Obatã e Tupi – representa hoje considerável economia para o produtor, diminui a poluição ambiental, bem como os riscos para a saúde dos agricultores e consumidores, atendendo às mais modernas tendências da cafeicultura brasileira.
VOLTA POR CIMA
Depois de quatro anos de crise, durante os quais os preços de venda não cobriam os custos de produção, a cafeicultura brasileira começa a ganhar fôlego, com a recuperação das cotações nos mercados nacional e internacional.
O bom momento de preços, entretanto, não permitiu, ainda, ao produtor de café recuperar renda. A conclusão foi obtida a partir de análise de respostas de cafeicultores a consulta realizada pelo Projeto Conhecer da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) com produtores de café, durante o mês de setembro.
Do público consultado, 67% garantiu que não vai ampliar a área plantada, mesmo no atual momento de recuperação de preços. Outros 10% disseram, inclusive, que vão abandonar a produção de café e investir em outras culturas. Em agosto do ano passado, a saca com 60 quilos de café era negociada por R$ 198,98.
Em agosto deste ano, o produtor recebeu, em média, R$ 253,78 pela saca, ou seja, houve uma recuperação de preço de 21,41%. Da parcela de 23% de produtores que disseram ter a intenção de expandir a área plantada, 64% garantiram que vão ampliar a área em menos de 20% em relação à lavoura inicial.
EXPORTAÇÕES SUPERAM METAS
Com base nos resultados e levando em consideração que as exportações para o segundo semestre costumam ser maiores, o Sindicafé – São Paulo reviu sua projeção de negócios para o ano. O Presidente Executivo do Sindicafé – São Paulo e diretor da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café), Nathan Herszkowicz, acredita que as vendas possam atingir US$ 15 milhões, superando o recorde anterior de US$ 12,83 milhões obtido em 2003 e superando em mais de 75% o total de 2004. “Estamos vivendo um bom momento para o café no Brasil. Avançamos em todas as direções. Temos hoje uma produtividade média de 20 sacas por hectare, que é mais do que o dobro das 9 sacas/hectare de alguns anos atrás. Temos tratos culturais avançados, sistemas de colheita e pós-colheita que garantem alta qualidade, avançamos nos mercados que exigem excelência no grão, como Alemanha e Japão, onde o Brasil é o maior fornecedor”, afirma o presidente.
Por outro lado, o consumo interno no Brasil também cresce mais do que em qualquer outro país. “O Brasil é citado pela OIC – Organização Internacional do Café – como modelo a ser seguido pelos demais países produtores de café, no que se refere aos esforços bem-sucedidos para ampliação do consumo interno. Isto se deve a busca incessante de melhoria da qualidade oferecida ao consumidor nacional, capitaneada pela Associação Brasileira da Indústria de Café, através de seus grandes programas, o Selo de Pureza, que existe desde 1989, até o novo PQC – Programa de Qualidade do Café, lançado em 2004, que é um programa que objetiva garantir a qualidade do sabor do café”, comenta Herszkowicz.
De acordo com os dados da ABIC, as exportações brasileiras de café torrado e moído superaram em agosto todas expectativas traçadas para o ano de 2005. O total das exportações no período de janeiro a agosto deste ano, foi de US$ 10.674.412 representando um crescimento de 123% sobre o mesmo período de 2004. O preço médio por quilo, indicador de agregação de valor, apresentou um crescimento de 33,91% (de US$ 2,89 para US$ 3,87), mostrando que os produtos exportados ganham cada vez mais espaço no segmento de cafés de alta qualidade.
O destaque em volume de vendas no período foram as importações feita pelos Estados Unidos, que apresentou crescimento de 198%, em relação ao mesmo período de 2004 – de US$ 1.891.580 para US$ 5.634.841. A Europa também apresentou um crescimento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado – de US$ 1.736.960 para US$ 3.038.484 – seguidos da Itália com US$ 2.186.891 e a França com R$ 563. 242. Porém, o maior crescimento ainda continua com o Japão em 707% a mais do que o mesmo período de 2004 – de US$ 101.810 para US$ 822.114.
Segundo a ABIC, a comunidade dekassegui, composta por imigrantes brasileiros tem sido a compradora dos cafés nacionais. A análise dos embarques mostra também que a base exportadora está se ampliando, com novas empresas participando do negócio de exportação de café torrado e moído, mesmo considerando que algumas não conseguiram manter seus negócios iniciados em 2004.