Pecuária

Couro: em busca de melhor qualidade

Dono de um dos maiores rebanhos comerciais do mundo, com cerca de 195 milhões de cabeças de gado, o que corresponde a 16% do total mundial, o Brasil também já é, desde 2003, o maior exportador em volume de carne bovina. No total, foram mais de 1,1 milhão de toneladas. Mas, além da carne os números favorecem um outro setor da cadeia: o do couro bovino.

Hoje, a cadeia produtiva do couro é um dos grandes motores da economia brasileira e vem, ao poucos, promovendo o País pelo mundo afora. Atualmente, a atividade movimenta mais de US$ 50 bilhões por ano, reúne sete mil indústrias, emprega mais de 500 mil pessoas e embarcou aproximadamente US$ 4 bilhões no ano de 2003, segundo dados da CICB – Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil.

No contexto geral, o País apresenta enormes vantagens competitivas para o mercado internacional. Uma delas, é a abundante oferta de matéria-prima que fez o Brasil conseguir o status de ser o segundo maior produtor de couro do mundo, com 39 milhões de peças por ano. Além disso, a mão-de-obra é uma das mais qualificadas do mundo. “A cadeia produtiva gerou um superávit de 3,8 bilhões de dólares em 2004, o que representou 11,5% de todo o superávit da balança comercial brasileira e o setor tem ainda potencial para exportar dez bilhões de dólares e gerar 650 mil novos empregos”, explica o presidente do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Amadeu Pedrosa Fernandes.

“O couro é uma matéria-prima que tem inúmeras aplicações e há um grande mercado para ser explorado. Além dos produtos que já conhecemos e que são destinados para a indústria da moda, vestuário, automóveis, aeronáutica, outro mercado vem sendo abastecido pelo couro: é o caso da indústria alimentícia, na produção de gelatina, e do pet food, na produção de ração”, diz o presidente.

No ano passado, por exemplo, as vendas da indústria de curtumes no mercado externo foram de 1,4 bilhão de dólares. O volume embarcado somou 27 milhões de unidades. Do total disponível de 39 milhões de peças, cerca de 12 milhões de couros de alto valor agregado foram destinados ao mercado interno – para a indústria calçadista, de estofado e de artefatos – movimentando ao redor de 4,5 bilhões de reais.

Produção Comprometida

No entanto, apesar das cifras, o couro poderia render mais ao País e apresentar melhores resultados na exportação. “O Brasil ainda anualmente perde muito”, esclarece Fernandes. Segundo o presidente da CICB, perde na desvalorização do couro através da venda de matéria-prima, sendo que poderia exportar ao mercado produto de maior valor agregado. “O País, ao privilegiar os embarques de couro crus, ou semi-acabado (wet blue), não apenas abdica de operar num mercado que agrega alto valor à produção, como ainda abastece seus principais concorrentes com matéria-prima barata”, destaca o presidente da CICB.

Na realidade, aponta o coordenador técnico do Centro de Tecnologia do Couro (CTC)/MS, Edson Espíndola Cardoso, umas das perdas ocorrem no momento da comercialização do couro curtido em wet blue. “O fato é que o comprador é quem procede à classificação do couro. É quem avalia dentro de sua ótica de que o couro brasileiro não é bom, então, classifica sempre para baixo. Por exemplo, um couro de primeiro curtido até o estágio wet blue (semi-acabado), tem valor internacional em torno de US$ 50. O problema é que o Brasil não consegue produzir couro considerado de primeira, o máximo que o Brasil chega é com couro de terceira”, justifica.

Além disso, o couro brasileiro também apresenta uma grande quantidade de defeitos, dentre os quais, são de origem da própria natureza, como o carrapato, berne, mosca do chifre, bicheira, dermatite, sarna, piolho, que provocam sérios estragos no couro, mas a maior gravidade, está nas mãos do homem: com a marcação a fogo em local incorreto, o transporte sem o menor cuidado, os embarques e desembarques do gado, as cercas de arame farpado, os graves problemas no manejo do gado em propriedades, como ferrão e animais domésticos, estes agravantes fazem com que o couro brasileiro, se desvalorize, com relação ao couro americano e europeu.

Segundo dados dos próprios processadores, a perda de faturamento em função da menor qualidade é da ordem de US$ 500 milhões por ano. De acordo com os estudos da Embrapa Gado de Corte, em média 93% do couro brasileiro apresenta defeitos, enquanto que o couro americano somente 5%. Entre 85% do couro americano é de primeira qualidade ante 8% no Brasil.

O caminho das parcerias

Para reduzir tais perdas com o produto, o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE – firmaram desde de setembro de 2004, um convênio onde nasceu o “Programa Brasileiro da Qualidade do Couro”, com a finalidade de promover ações que melhorem a qualidade do produto nacional. Para desenvolver um dos cinco módulos do projeto, o CICB formalizou um convênio com a Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, para o treinamento de 40 alunos dos cursos de veterinária e agronomia.

O objetivo está sendo de orientar os estudantes de diversas universidades federais de cursos de agronomia, veterinária e zootecnia, que disseminarão as técnicas para pequenos criadores de todo o Brasil da importância de cuidados essenciais, como não marcar os animais a fogo, substituir cercas de arame farpado por cercas de arame liso e combater os ectoparasitas.

Em outro segmento, o programa, através do Módulo Esfola, já treinou 6.338 magarefes (aquele que mata e esfola reses nos matadouros) de 259 frigoríficos e matadouros em dez estados. Cada evento é precedido de uma visita técnica, que faz o diagnóstico dos defeitos existentes no processo de esfola, para que o treinamento prático possa sanar dúvidas e corrija as imperfeições.

No Centro-Oeste do País, em Mato Grosso do Sul, foi construído também o Centro de Tecnologia do Couro (CTC). O projeto não é pioneiro no Brasil, mas é o primeiro da região, onde está localizado o maior rebanho bovino do País. Em 2003, eram 69,9 milhões de cabeças na região.

O local foi instituído para atender a quatro grandes linhas de ações. Segundo o coordenador técnico do CTC, Edson Espíndola Cardoso, a implementação de pesquisa e desenvolvimento, difusão de tecnologias para a cadeia produtiva do couro bovino e derivado, atendimento às demandas tecnológicas e ambientais da cadeia produtiva do couro, são algumas das ações. “Além disso, há outras iniciativas, como a formação e capacitação de recursos humanos para: atendimento ao produtor rural, frigoríficos, curtumes e indústrias de calçados e artefatos de couro (esfola, tratamento e técnicas de beneficiamento/ acabamento do couro); gestão ambiental (tratamento de efluentes de curtumes), transferência e gestão de tecnologias, entre outros”, diz.

Até o momento, o empreendimento é constituído pelo curtume, onde se processa o curtimento de peles e couros, e onde serão utilizadas todas as técnicas de curtimento conhecidas, como cromo, ferro, alumínio, óleos especiais; e o Curtume de acabamento (também denominado de laboratório de acabamento), onde serão utilizados todos os mecanismos técnicos para dar o acabamento final ao couro, deixando-o em plenas condições de uso.

“Sem dúvida, é um laboratório-escola para melhorar a qualidade do couro e de peles de animais”, afirma o coordenador e idealizador do projeto, que também trabalha como técnico superior na Embrapa Gado de Corte, que apoiou o projeto e cedeu espaço para a construção dos laboratórios. A produção do CTC/ MS será de 30 couros bovinos diariamente. O suficiente para execução de suas atividades.

Porém, outros quatro laboratórios estão sendo construídos, entre eles, o laboratório de biotecnologia, que servirá para desenvolver técnicas e pesquisas para aproveitar a proteína do couro em alimentos e a queratina na medicina.

MOEDA DESFAVORECE

Para o CICB, Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil, o incremento da qualidade do produto nacional poderia dobrar o valor das exportações de couro, mas o que se esperava também era que as exportações brasileiras de couro pudessem crescer algo em torno de 15% neste ano, o que corresponderia a 1,6 bilhão de dólares. “Infelizmente, isto não irá acontecer. Nossas projeções indicavam aumento, em especial, das vendas de itens acabados, com maior valor agregado, como vinha ocorrendo nos primeiros meses deste ano”, diz o presidente do CICB, Amadeu Pedrosa Fernandes. “O que ocorreu, é que para que estes números fossem alcançados, a expectativa do setor era que a moeda norte-americana voltasse a se valorizar, se situando numa cotação média de 2,90 reais por dólar”.

A melhoria da qualidade do couro é uma alternativa para se obter maior lucro e uma forma de agregar valor a este importante subproduto do abate. Além disso, o mercado consumidor (curtumes, fábricas de calçados, entre outros) se propõe a pagar mais por um produto de melhor qualidade. Para isto, medidas sanitárias e de manejo diário na lida com o gado devem ser adotadas para reduzir as perdas ocasionadas por defeitos, que comprometem e baixam a qualidade do couro brasileiro. “É necessário que aconteça uma conscientização em massa através de palestras, treinamentos, workshop’s, de todas as pessoas envolvidas no processo de produção de couro bovino, porque quando tratamos bem o animal para ter uma melhor qualidade do couro, conseqüentemente, estamos melhorando outros índices produtivos, como, por exemplo, o ganho de peso, então com o manejo correto teremos não só uma melhoria da qualidade do couro, mas também uma melhoria no desempenho dos animais, pois não há como separar a carne do couro”, explica, Marlos Almeida Carvalho, veterinário e consultor Módulo Pecuarista CICB.

Desenvolver programas de práticas de manejo junto ao produtor rural para que ele reduza o nível de comprometimento do couro. Estimular o produtor rural sobre a possibilidade de ganhos no futuro quando ele tiver couro com qualidade superior, são algumas alternativas, de acordo com o coordenador do CTC, Edson Espíndola. “O produtor reclama (e com razão), quando vende seu rebanho, ele não recebe nenhum incentivo ao oferecer animais com couros de boa qualidade. Exceto alguns frigoríficos que atuam em parceria com curtumes ou são de propriedades destes, costumam premiar o produtor pagando um valor diferenciado ao preço do couro. O couro é vendido pelo sistema de “bica corrida”, ou seja, tem um preço entre 7 e 10% do valor do preço do boi”, diz o coordenador do CTC.

De acordo com o presidente do CICB, Amadeu Pedrosa Fernandes, mesmo diante destes problemas, o crescimento do mercado nacional tem ajudado a valorizar os preços do couro no mercado interno. “De cinco anos para cá, a cotação do couro acumulou fortes ganhos, saltando de 50 dólares por tonelada, em 2000, para algo em torno de 180 dólares por toneladas no ano”, diz. “Em quantidade o Brasil é o maior exportador de couro. E o setor vem crescendo, sem dúvida, desde 2004. Os países que passamos a comercializar são vários, principalmente os asiáticos. Além disso, o País também tem mão-de-obra qualificada. Já exportamos mais de 1.200 técnicos para a China, com especialização em cortes de couro”.

SETOR TAMBÉM TEM SEUS ENTRAVES

Seria possível numerar os problemas e soluções que tem a cadeia produtiva de couro? De acordo com a zootecnista da Embrapa Gado de Corte, Mariana de Aragão Pereira, como qualquer cadeia produtiva complexa, a do couro também apresenta inúmeros fatores limitantes ao seu desenvolvimento, alguns dos quais merecem destaque:

“O manejo correto dos animais, por exemplo, pressupõe o uso de cerca de arame liso, choque elétrico, controle de ectoparasitas, manutenção de pastagens limpas e instalações conservadas. A identificação dos bovinos, quando feita por meio da marcação a ferro quente, deve respeitar o limite de diâmetro (11cm) e os locais permitidos pela lei (cara e/ou canela). Quando possível, optar por outros métodos como chip eletrônico, brinco, entre outros. No transporte, a carroceria não deve apresentar pontas de pregos ou parafusos e o chão deve ser antiderrapante. Já no frigorífico, os funcionários devem ser capacitados e munidos de instrumental adequado à realização da esfola. O período que vai desde a esfola até a ‘entrada’ do couro no processo de curtimento deve ser o menor possível e, de preferência, contar com refrigeração ou salga para minimizar problemas com a conservação da matéria-prima (‘couro ardido’). As máquinas pelas quais o couro passará também devem estar bem calibradas para evitar esfolados e rasgamentos na flor”, explica a zootecnista.

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