Agricultura

Arroz: a vez dos “gourmets”!

Até pouco tempo atrás, desconhecido no mundo ocidental, o arroz de cores e aromático, também chamado de ‘gourmet’, faz parte do cotidiano dos asiáticos desde 2800 A.C. e é exaltado por suas características nutricionais e, em alguns casos, medicinais.

A produção mundial de arroz gira em torno de 600 milhões de toneladas. Desse total, 75% da demanda estão canalizados para o convencional tipo longo, 24% para o médio curto “e a procura pelo cereal com aroma está estimada em apenas 2,5 milhões de toneladas, sendo que o glutinoso (variedade moti), tem o consumo calculado em somente 100 mil toneladas.” Esse perfil consumidor é apontado por Cândido Ricardo Bastos, agrônomo e pesquisador especializado em melhoramento genético do IAC-Instituto Agronômico de Campinas, com a intenção de mostrar que as variedades especiais “têm um amplo mercado a conquistar.”

Atualmente, no ocidente, os dois grandes mercados dos aromáticos estão localizados no continente europeu e nos Estados Unidos. A demanda por esse tipo de alimento é crescente, embora lenta. A procura, conforme Bastos, é mais intensa junto aos imigrantes asiáticos estabelecidos nos vários países da Europa e no território norte-americano, que acabam atuando como propagadores do hábito. A perspectiva de um crescimento de consumo tem motivado a realização de pesquisas buscando uma cultivar mais adequada e apropriada às condições de terra e clima para o plantio, tanto na Europa, como nos Estados Unidos.

No Brasil, a possibilidade de expansão da demanda também impulsionou experiências, culminando com o lançamento, em 2001, da variedade IAC-500, obtida através do cruzamento entre o agulhinha convencional e o basmati, do Paquistão, “sem qualquer transgenia, somente com melhoramento convencional”, frisa Bastos. Essa cultivar, acrescenta, tem aroma semelhante ao da mandioquinha, para alguns. Para outros, “lembra a pipoca de microonda, ou, como chamamos, pop corn rice.” Aprofundando um pouco o tema, o pesquisador do IAC, afirma que todo arroz possui aroma, em função de determinados componentes. Nos chamados “gourmet’, esses elementos têm uma presença maior, fazendo com que a fragrância seja mais perceptível.

Nas variedades tradicionais, a presença desses ingrediente se situa em torno de 78 ppm (parte por milhão) “enquanto, no aromáticos, oscilam entre 850 e 970 ppm, chegando em até 1600 em algumas espécies, possibilitando maior percepção pelo olfato e, também, pelo paladar.” O teor de aroma, acrescenta, pode ser controlado através do melhoramento genético.

A probabilidade de um consumo mais amplo, também serviu para inspirar a Embrapa-Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a realizar pesquisas com o arroz especial. Através do Centro Nacional de Pesquisa de Arroz e Feijão (CNPAF), em Santo Antonio de Goiás (GO), o agrônomo e pesquisador especializado em melhoramento genético, Emílio de Maia Castro, fez cruzamento do basmati 370, da Índia, com espécies brasileiras, sobretudo a Primavera, tendo como resultado a variedade BRS-Aroma, “destinada a terras altas (PA, MG,MT, TO, PI,GO e RO), e com boa resistência à brusone.” Essa linhagem é semelhante, em quase tudo, à encontrada pelo Agronômico.

As diferenças entre as duas variedades são sutis e uma delas é que, a do IAC, pode ser adaptada para irrigação e sequeiro, enquanto a da Embrapa é apropriada apenas às terras altas (sequeiro). “As áreas de várzeas (terras baixas), favorecem um acamamento maior e isso pode prejudicar a qualidade, trincar os grãos, além de dificultar a colheita”, alerta Castro. Se o plantio do IAC-500 for no altiplano, exige irrigação suplementar, lembra Bastos. No mais, as duas espécies se assemelham, pois respondem bem à adubação nitrogenada, ciclo vegetativo idêntico (entre 80 e 86 dias), podem ser colhidas após 100 dias, são precoces e têm produtividade quase convergente, ficando entre 4 e 5 toneladas/hectare.

Tanto Bastos quanto Castro asseguram que o manejo é igual ao exigido pelas culturas convencionais, até mesmo em termos de custo de produção por hectare (entre R4 1,2 mil e R$ 1,7 mil, para o sequeiro; e R$ 2,8 mil e R$ 3,1 mil, para o irrigado), dependendo da região e do uso de tecnologia. O grande diferencial do IAC-500, conforme o pesquisador do Agronômico, é que a variedade se adapta ao clima temperado. Isto porque as pesquisas foram feitas em conjunto com os Estados Unidos, através de um acordo de cooperação técnica que contempla o desenvolvimento de arroz especial. Nesse sentido, o IAC-500 será plantado pelos produtores estadunidenses e, “o mais importante, com a denominação original, nossa.”

Um indicador de que a linha do IAC obtém bons resultados em regiões frias, segundo Bastos, foi a venda de uma amostra para um produtor de Pelotas que, posteriormente, relatou ter conseguido boas respostas com a variedade. Para ele, isso deixa evidente que a cultivar “pode ser produzido em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, com grandes chances.” A espécie, acrescenta, foi desenvolvida e testada para todas as regiões do Estado de São Paulo. Fora disso, qualquer localidade que quiser produzi-la “não há problema, desde que faça um teste antes”, adverte.

O potencial de crescimento do mercado de arroz especial não é suficiente para atrair o interesse do Irga-Instituto Riograndense de Arroz, Estado maior produtor brasileiro de arroz. No entanto, se não há motivações para experiências, nada impede que seja feita a reprodução de sementes. Segundo o agrônomo e chefe da equipe de melhoramento genético, Sérgio Gindri, “o desinteresse está ligado à demanda, que é muito pequena. Por isso não há pesquisa.” Porém, o Irga “reproduz sementes do basmati, jasmini e pusa-basmati, desde que haja pedido.”

As linhagens mais solicitadas, acrescenta, são a basmati-900, cuja característica é o porte alto e o ciclo tardio. Outra requisição, um tanto rara, está relacionada à pusa-basmati-1, que é precoce, porte menor e baixo teor de amilose, “quer dizer, é um arroz pegajoso.” E o terceiro, que é a variedade “jasmini”, da Tailândia, de porte baixo, ciclo médio (125/130 dias), originário das Filipinas e “denominado IR-58025B.” Gindri ressalta que, no Rio Grande do Sul, “não existe mercado para esse tipo de arroz, Quando há plantio, a quase totalidade da colheita é enviada para São Paulo.”

De fato, o Estado bandeirante parece concentrar as maiores colônias de imigrantes asiáticos e árabes, muçulmanos ou não, nas quais a procura por esse produto diferenciado é mais intensa. O consumo mais acentuado está localizado na capital paulistas, com as várias etnias instaladas em bairros próximos ao centro da cidade. Apesar desse nicho de mercado incipiente e demanda potencial com alto grau de expansão, o Estado não registra produção em escala. A Cati-Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, que faz acompanhamento sistemático da agricultura paulista, não possui dados estatísticos sobre área de plantio e safra de arroz aromático. Em Taubaté (SP), existem informações, não confirmadas, de que um produtor estaria plantando arroz preto, sob encomenda de um restaurante instalado em área turística.

Em âmbito nacional, a Conab-Cia. Nacional de Abastecimento, alega desconhecer qualquer iniciativa na produção do tipo ‘gourmet’. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, os técnicos que acompanham o mercado arrozeiro afirmam que não possuem quaisquer dados sobre a cultura e atribuem essa ausência de informações a um “início recente” de comentários sobre a lavoura. Castro, do CNPAF/Embrapa, observa que, “apesar de quase desconhecido no Brasil, o aromático é milenar no mundo. Sua participação no mercado internacional chega a quase 10% do volume comercializado e a um preço bem maior, pois consegue agregar valor.”

Em linhas gerais, Bastos, do Agronômico, concorda com essa observação. Lembra que o arroz especial começou a ser conhecido, no País, durante o governo Collor (1989/92), com a abertura da economia. Ainda em 92, o IAC montou um programa para pesquisar variedades especiais, como o aromático, o arbóreo (destinado ao famoso rizoto italiano) e as linhagens de moti e cateto, utilizadas na culinária japonesa. A cultivar basmati é semelhante à do agulhinha brasileira, com a diferença de que, quando cozido, “o grão se alongo um pouco mais.” Além disso, “todo basmati tem aroma, mas nem todo arroz com aroma é basmati”, diz ele.

Ainda conforme o pesquisador do Agronômico, o IAC-500, na panela, mostra bom rendimento dos grãos e, depois de cozido, difere muito pouco do agulhinha tradicional. Essa similaridade facilita a aceitação pelo consumidor que, de modo geral, nestes 13 anos de pesquisa e após experiências degustativas em restaurantes de Campos do Jordão (SP), “aprovaram o produto.” O mesmo procedimento foi aplicado ao BRS-Aroma, da Embrapa, ficando evidente a boa recepção, “apesar do apego exacerbado do povo brasileiro à tradição”, observa Castro.

Para ele, o mercado nacional “é pouco diversificado e mostra que tem espaço para os aromáticos. É preciso uma boa campanha de marketing e motivar as indústrias na produção de sementes. No atual estágio, prevalece o dilema: não há consumo porque não existe produção, ou não tem produção porque não existe consumo.” No aspecto mercadológico, Bastos fecha com o pesquisador da Embrapa. Ao que diz, “os supermercados não estão acostumados a trabalhar com produtos ‘gourmet’ e acabam escondendo a mercadoria. É preciso mostrá-la de modo mais ostensivo.”

Ambos concordam que essa variedade aromática “ideal” para ser explorada pelo pequeno produtor, principalmente pelo fato de agregar valor. Porém, Bastos pondera que o agricultor “se mostra meio arredio e o ideal seria um casamento com a indústria, num esforço conjunto para operar num mercado novo e abri-lo para a demanda. Para isso, o produtor precisa pensar grande, como empresário”, frisa. Enquanto isso não acontece, Embrapa e IAC divulgam o produto em feiras, exposições, restaurantes e comercializam as sementes, quando solicitadas, junto a associações, cooperativas ou entidades de agricultores.

ARROZ DE CORES

Dados divulgados pela ONU-Organização das Nações Unidas, recentemente, dão conta de que o arroz responde por 20% da provisão de energia alimentar no mundo. Na Ásia, mais de 2 bilhões de pessoas obtêm do produto e derivados cerca de 70% das calorias que ingerem. No planeta, esse número chega a 3 bilhões. Apesar de representar 30% da produção mundial de cereais, a tendência atual do consumo permite supor que, em 2025, cerca de 4,6 bilhões de pessoas, em especial nos países subdesenvolvidos, vão depender do arroz para a alimentação. Por isso, prevêem os especialistas, será necessário um aumento de 30% no atual volume de produção.

No Brasil, o consumo per capita/ano está estimado em 45 kg, segundo pesquisa feita pela Embrapa para detectar nichos de mercado para o lançamento do arroz BRS-Aroma. No mesmo levantamento, a empresa constatou que, na Europa, a demanda se restringe a 20kg/ano, por pessoa , e o hábito de consumo se limita a duas vezes por semana. Não necessariamente vinculada à exigência de uma expansão na oferta, a FAO-Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, constatou, numa enquête, que os mercados europeu e norte-americano mostram um “crescimento acelerado na demanda por variedades especiais de arroz ou ‘gourmet’.” Admite, ainda, que é difícil satisfazer essa procura, porque “a área plantada é limitada e a produtividade é menor que a dos tipos convencionais.”

Antenado no panorama internacional, o IAC-Instituto Agronômico de Campinas, desde 1992, realiza pesquisa para desenvolver variedades de arroz com tipos especiais de grãos para atender a demanda de nichos de mercado destinados à culinária mundial. Nesse trabalho, um dos produtos obtidos foi o arroz com película preta, denominado IAC-600, a primeira cultivar brasileira de arroz preto, destinada ao atendimento da cadeia produtiva do cereal. A espécie tem origem na variedade chinesa Wang Xue Ren que era objeto de estudo para finalidades agronômicas e culinárias.

Com testes de qualidade culinária realizados nos Estados Unidos, o IAC-600 revelou possuir “aroma e sabor acastanhado e teor de compostos fenólicos altos” que lhe conferem características específicas, favorecendo a agregação de valor. Embora não atinja a mesma produtividade, ficando de “25% a 35%” abaixo da obtida por variedades tradicionais, o arroz preto é recomendado para regiões produtoras de São Paulo, tanto para cultivo irrigado, como de terras altas com irrigação suplementar. Os ensaios mostraram um rendimento médio de 3.090 kg, por hectare.

A planta é de porte médio, a floração ocorre entre 68 e 80 dias, em média, e a maturação de 100 a 110 dias, em média. Esse tipo de arroz deve ser consumido de forma integral, possui grãos macios e, após cozido, “mostra excelentes qualidades nutricionais, se comparado aos tipos convencionais.” Além disso, é resistente à brusone, tanto nas folhas como nas panículas.

Com relação ao arroz de cores, a FAO afirma, na pesquisa, que algumas variedades do ‘gourmet’ são apreciadas não pelo perfume, mas por sua cor, que depende da quantidade de pigmento chamado antocianina, presente nas distintas capas do pericarpo, na coberta da semente e na capa exterior do grão. A cor do endosperma do arroz varia de branco até diversas tonalidades de roxo translúcido, púrpura (vermelho escuro) e nego.

Na China, onde é produzido há mais de 4 mil anos, o arroz preto, sem moer, é usado como colorífico natural para pastéis, doces e guloseimas de ano novo, além da elaboração do tradicional vinho negro. Reza a lenta, também, que os imperadores chineses promoviam faustos banquetes com saborosos pratos baseados na iguaria, atribuindo, ainda, poderes afrodisíacos à variedade. O produto também é considerado medicinal, segundo a FAO, pois uma das variantes, a chamada “jieguno” fortalece o sistema imunológico e “acelera a recuperação de fraturas nos ossos”, sem falar no aspecto nutricional, pois é rico em vitaminas do complexo B e minerais, como bronze, magnésio e cálcio.

Ainda conforme a FAO, a China produz 54 variedades de arroz preto de grande produtividade, boa qualidade e resistência múltipla, porém, “menos de 1,3% dos arrozais do país se dedicam ao cultivo do produto.” De acordo com pesquisadores do organismo, o arroz roxo, cuja maior parte é moída para obtenção da farinha branca para cozinhar, “é mais tolerante aos meios desfavoráveis, como terras inférteis e áreas montanhosas.”

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