Nos últimos meses, uma queda de braço silenciosa está sendo travada nos bastidores da pecuária brasileira. Em uma ponta da disputa estão os criadores de gado, que reclamam das políticas empregadas pelos frigoríficos para o pagamento da arroba da carne bovina. Na outra ponta, estão as grandes empresas que abatem os animais, detêm os canais de comercialização com os mercados externos e se defendem dizendo que o preço pago hoje é regido pela lei da oferta e da procura.
Além de sofrer com os fatores externos, como o baixo poder aquisitivo do brasileiro, o avanço da agricultura sobre as áreas de pastagens, seca, dólar em baixa, hoje a pecuária de corte vive um momento declarado de crise interna. A discussão entre produtor e frigorífico dão margem que se agrava a cada dia que passa, principalmente, depois de um recente estudo realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA – e pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP). A pesquisa veio mostrar ao mercado que o preço médio pago pela arroba no Brasil é hoje de R$ 50 reais, preço 16,66% menor do que o de maio de 2004, quando a cotação era de R$ 60.
“A nossa visão é que a pecuária de corte nacional necessita de uma remuneração maior para o produtor. Realmente, o setor passa por um período difícil e a única alternativa que vejo é buscar um mercado oferecendo a ele uma maior qualidade. Acredito que o empenho do produtor no campo, na questão de produzir carne com qualidade, seja a melhor saída para que esta remuneração aconteça”, argumenta o presidente da Associação de Gado Charolês, Jamil Deud.
Confinamento: uma via possível
Para piorar a situação interna, o mercado dos confinadores também já sofre as conseqüências do impasse. O chamado “boitel”, pelos pecuaristas – locais onde recebem o gado de outros criadores, que paga uma diária para manter os animais lá, no período de engorda – sofreu baixas. Em 2004, a taxa de diária girava em torno de R$ 4. Agora caiu para R$ 2,60. Mesmo com os insumos, como milho, o algodão e o farelo de soja com preços mais baixos até o final do ano, por enquanto, alguns piquetes ainda estão vazios. Nos anos anteriores os “boitéis”, nesta mesma época estavam lotados.
Para o professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiróz” – Esalq/USP, Dante Pazzanese Lana, na atual situação em que vive a pecuária de corte é preciso que todos tenham uma visão e encontre uma via de mão única, principalmente, quando entre em debate um dos assuntos polêmicos por conta da crise, o chamado: confinamento.
Segundo o professor da Esalq/USP, o confinamento pode ser a saída viável para o setor. “O pecuarista pode transformar o confinamento em uma estratégia para abaixar o custo em épocas de crise e evitar assim a idéia de que tem que vender tudo para controlar o fluxo do caixa”, argumenta. “Com isto haveria menos pressão para a comercialização da arroba e o produtor se não achasse o preço conveniente venderia apenas os bois que estivessem com mais de 18 arrobas”, afirma.
Durante o Congresso Internacional Feicorte 2005, o professor foi um dos palestrantes com o discurso: “Confinamento: quem fica com o lucro”, e argumentou que hoje confinar o gado já deixou de ser apenas uma alternativa para engorda na entressafra. De acordo com ele, o confinamento é uma boa ferramenta para planejar melhor a utilização dos pastos e até para produzir carne mais barata. “Além disso, o pecuarista também pode utilizar o confinamento para reduzir a idade de abate, aumentar a velocidade de ganho de peso deste animal e ao mesmo tempo retirar os gados pesados das pastagens, barateando assim o custo final da produção”, argumenta.
Quando surgiu no Brasil em meados da década de 70, os animais vendidos durante a seca chegavam a valer até 30% a mais do que os vendidos na safra do boi. Atualmente, esta diferente é bem menor, cerca de 10% e o confinamento virou mais uma tecnologia utilizada para reduzir a terminação e aumentar a escala de produtividade do que mesmo um mecanismo de ganhar dinheiro em épocas desfavoráveis.
Uma alternativa para os pecuaristas que utilizam o confinamento, justifica o professor da Esalq/USP, é agregar valor na carne. “Num sistema de produção integrada, o confinamento é como ferramenta para manejar pastagens e por si só reduz o custo de produção e aumentar o lucro do pecuarista na época de entressafra”, diz.
Mas, depois de analisar a situação dos pecuaristas, como fica o frigorífico? O professor Dante Pazzanese garante que o frigorífico também ganha no sistema de confinamento. “Eles lucram de diversas formas. A mais importante é que os frigoríficos passam a ter um fluxo de matéria-prima constante o ano todo. Outra vantagem é o maior peso de abate e o maior grau de acabamento o que permite ao frigorífico ter uma matéria-prima de melhor qualidade e até fechar contrato de exportação com maior valor ou atender grandes contrato de vendas de carne de maior valor agregado”, diz.
Mas, quem fica com o lucro do confinamento?
“Ambos ficam com o lucro”, esclarece o professor. “O frigorífico, que pode oferecer uma estrutura melhor e se beneficiar não tanto na logística, mas por estar na ponta da cadeia e pode ter um valor melhor agregado. E o pecuarista é o beneficiado pelo maior lucro do uso do confinamento, utilizando como ferramenta de manejo dentro da propriedade”, argumenta.
Para o presidente do instituto da FNP, Victor Abou Nehmi, na atual situação em que se encontra a pecuária de corte, os frigoríficos das principais praças produtoras que mantém as escalas de abate e até o momento não acenam para nenhuma valorização da arroba, são os mais favorecidos. “Mas, o próprio pecuarista contribui para que o setor saia ainda mais prejudicado enviando até matrizes para o abate e superlotando os frigoríficos”, diz.
Na verdade, os especialistas do mercado apontam: ou o pecuarista esperou quase um mês para colocar o gado no confinamento, com a intenção até o momento começar abater os animais um pouco mais tarde na expectativa de conseguir um preço melhor na arroba do boi gordo ou ele entrou na via dos frigoríficos e comprou a idéia de que há excesso de bois. Com isto, o pecuária age como sempre agiu nesta situação: vende o que pode, bois, novilhas, matrizes e bezerros, com medo de que o preço da arroba caía novamente.
Até o momento, poucos pecuaristas têm estratégia para atravessar a crise e utilizar mecanismo a seu favor na cadeia produtiva. “Não adianta ficarmos lamentando porque os frigoríficos estão transportando o que ele ganhou lá fora e que não foi repassado para nós, pecuaristas. Isto é irreversível. O que nós temos que fazer é a lição de casa e para fazer isto precisamos ser eficientes na produção. É levar o boi para o abate o mais cedo possível, ser eficiente já no confinamento. Hoje já é possível fazer isto através, por exemplo, de um ganho de peso do bezerro”, revela Dagoberto Mariano Cesar, vice-presidente de Leite pardo-suíço.
“Nós temos que buscar uma integração na cadeia, tanto para os pecuaristas, tanto para os frigoríficos. É fundamental buscar o ponto de equilíbrio entre as duas partes para que todos saiam ganhando”, Alice Ferreira, presidente da Associação de Nelore.
De acordo com o presidente da FNP, os mais prejudicados dentro da cadeia neste momento, sem dúvida, é o pecuarista que está liqüidando o gado e tentando reduzir os custo, principalmente com o confinamento. “A produtividade da cadeia neste momento poderá sofrer as conseqüências futuras. O frigorífico ganha mais agora e poderá enfrentar uma etapa mais difícil depois. Se houvesse uma união todos poderia ganhar, o produtor, o confinamento e o frigorífico, principalmente, em período de ciclos baixos. Segundo ele, todos estão na mesma direção e na mesma estrada. “Se um o barco afundar todos afundam juntos”, esclarece.